Sem desperdício de alimentos
Trabalho conjunto entre gestores, funcionários, alunos e professores garante o aproveitamento integral de alimentos e o combate ao desperdício da merenda
POR: Beatriz SantomauroNa cozinha, cascas de frutas e talos de hortaliças são jogados fora. No refeitório, as crianças enchem demais o prato, se distraem na conversa com os colegas e acabam não comendo tudo. O cardápio não agrada, mas nada é feito para mudar. Em sala de aula, o papo sobre a comida aparece eventualmente. Resultado: as refeições são pouco planejadas e geram muito desperdício.
Os desafios para mudar esse cenário são muitos, mas as soluções também. "Diminuir a perda de alimentos e aproveitá-los melhor muitas vezes não exige gastos extras, apenas uma reorganização e o envolvimento de vários públicos", diz Mara Parisi de Moura, formadora da Comunidade Educativa Cedac e autora do projeto institucional que acompanha esta reportagem (clique aqui para acessar).
O primeiro passo para a mudança diz respeito à atitude da equipe gestora em relação a esse tema. É essencial que o diretor dê suporte e mantenha um diálogo constante com a equipe da cozinha e preste atenção nas necessidades e nos comportamentos dos alunos e dos demais grupos que consomem a merenda. Ele deve saber orientar, por exemplo, a elaboração do cardápio (precisa ser diversificado, balanceado e prever diferentes preparos para um mesmo ingrediente), o armazenamento dos alimentos, a manipulação e a utilização racional dos produtos e o descarte das sobras e das embalagens. Como apoio a essas tarefas, o gestor pode buscar programas de formação e parcerias com especialistas, manter contato com os nutricionistas da Secretaria de Educação e com os membros do Conselho de Alimentação Escolar (CAE), órgão municipal que fiscaliza a aplicação dos recursos, as práticas sanitárias e a higiene.
Horta, formação e parceria
"Nossa cidade tem um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) baixo e os governos estadual e federal tinham a intenção de melhorá-lo", conta Cezar Antunes, diretor da EE Adélia Bianco Seguro, em Mato Rico, a 384 quilômetros de Curitiba. "Então, a Secretaria de Estado da Educação propôs, em 2012, um projeto de conscientização sobre a alimentação saudável, que envolvia desde a atenção no preparo dos pratos até a inclusão desse assunto como conteúdo na sala de aula. Para começar, deveríamos construir uma horta com a articulação de vários parceiros."
A prefeitura colaborou com a construção da estufa, o Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) ofereceu sementes e enxadas e a Pastoral da Criança se encarregou da formação e da conscientização, promovendo encontros com professores, funcionários e alunos. Após a implantação, a manutenção, as regas e os plantios ficaram a cargo de docentes e estudantes. Hoje, muitas crianças se tornaram especialistas no assunto e montaram hortas em casa. A valorização do que vem da terra é vista na mesa: houve um significativo aumento no consumo da merenda.
Acompanhados de perto pela coordenação pedagógica, os docentes são fundamentais nesse processo. Vários conteúdos trabalhados em aula aproveitam a existência da horta (como adubação em Ciências e cálculos referentes à produção das estufas em Matemática).
Segundo Márcia Stolarski, nutricionista e diretora de Infraestrutura e Logística da Secretaria de Estado da Educação do Paraná, metade dos alimentos enviados às escolas do estado é de produtores não industrializados. "Isso colaborou para o aumento do consumo de verduras, legumes e frutas, e melhorou a renda das famílias de áreas rurais locais, fornecedoras dos ingredientes", acrescenta.
As merendeiras aprenderam novas receitas, passaram a incluir os talos e as cascas nas refeições quando possível e foram alertadas para a diminuição da gordura, do sal e do açúcar. No momento em que estão montando os pratos, elas perguntam aos estudantes sobre a quantidade que devem servir e lembram que é possível repetir caso haja necessidade. "O projeto só dá certo porque tem um envolvimento grande de toda a comunidade e cada um faz a sua parte. As cozinheiras ficam de olho no preparo, os professores pensam em como abordar o conteúdo e os alunos refletem sobre a quantidade e as características do que estão comendo", diz Antunes.
Campanhas e testes de aceitabilidade
Em São Gonçalo do Rio Abaixo, a 99 quilômetros de Belo Horizonte, o trabalho contra o desperdício de alimentos desenvolvido pela rede municipal em 2012 teve como foco os estudantes. Uma equipe de nutricionistas percorreu as salas de aula e falou sobre a necessidade de as crianças se servirem apenas com a quantidade que iriam consumir. "Dizíamos que elas podiam fazer um prato pequeno e retornar ao balcão quantas vezes quisessem para repetir, já que elas mesmas se servem sozinhas. Explicávamos que o importante era não deixar sobrar para a comida não virar lixo", explica Aniquele Venturi, da Secretaria Municipal de Educação, responsável pela ação.
O resultado das palestras foi animador: em pouco tempo, o desperdício chegou a zero em muitas escolas. Com as turmas de Educação Infantil, que têm mais dificuldade de calcular exatamente a quantidade consumida, ainda existe uma perda, mas mínima. "Após 40 refeições servidas, reunimos em dois pratos aquilo que sobra", calcula Aniquele.
Mesmo com resultados iniciais animadores, o esforço de conscientização continuou. Foram preparados cartazes com os dias da semana, as receitas servidas diariamente e o peso do que é descartado. Dia a dia, os resíduos são pesados pelos alunos, com apoio das merendeiras, e a quantidade é registrada. A meta é sempre diminuir os números dos dias anteriores. "Achamos essencial ter um controle da evolução por um mês e deixar esses valores em exposição para todos. Assim, verificamos uma mudança de atitude com o passar dos dias e dividimos a responsabilidade das ações", explica.
Maria do Rosário Melges, diretora da EM de Tempo Integral Maria de Lurdes Duarte Moreira dos Santos, nota a mudança de comportamento das crianças depois de todas essas ações. "A atenção com o alimento agora faz parte do comportamento das turmas. Às vezes, vejo um aluno alertando o outro no refeitório, dizendo que o prato não deve ficar tão cheio ou que deve comer tudo", diz.
Aniquele conta que a parceria com as merendeiras tem colaborado muito para refletir sobre os motivos do desperdício e encontrar soluções. "Elas perceberam que havia uma grande rejeição quando servíamos abobrinha. Resolvemos fazer um teste e misturá-la a uma torta de frango. Deu certo, o consumo passou a ser maior e as sobras menores", conta. Outra estratégia foi fazer testes de aceitabilidade: um grupo de estudantes experimenta novos sabores, com ingredientes ainda não servidos ou receitas diferentes. Com base no que agrada, as nutricionistas montam cardápios mais adequados. "Acreditamos ser importante ouvir os alunos, que são nosso público e que merecem ser bem servidos. Por isso, mudamos a apresentação dos pratos e as receitas quando necessário. O consumo aumenta, as crianças e os adolescentes ficam melhor nutridos e o desperdício cai", ressalta Aniquele.