Lição de casa: sua escola se preocupa com ela?
Que importância você e sua escola dão às tarefas que os alunos levam para fazer em casa? Confira nesta reportagem como envolver os estudantes, pais e professores e tirar o melhor proveito dessas atividades
POR: Karina PadialOs alunos não gostam de fazer. Os professores não têm tempo de corrigir. Os pais não acompanham. A lição de casa é mesmo incompreendida - até pela própria escola, onde é vista como uma obrigação ou dada como castigo às turmas com problemas de disciplina. Contudo, quando ela é bem planejada, amplia o conhecimento dos estudantes sobre os conteúdos trabalhados em sala de aula e possibilita a consciência sobre o próprio progresso em relação ao conhecimento adquirido.
A relação positiva entre a realização dos deveres e o desempenho escolar foi detectada em diversas pesquisas, como a do economista Ernesto Faria, coordenador de projetos da Fundação Lemann, em São Paulo. Ele cruzou os resultados da Prova Brasil de 2007 com as respostas do questionário preenchido pelos alunos que prestaram o exame. A conclusão foi que entre os estudantes do 5º ano que assumiram que nunca e quase nunca faziam as tarefas, apenas 8% tiveram desempenho adequado em Matemática e Língua Portuguesa. Já dos que afirmaram realizar as atividades sempre e quase sempre, cerca de 30% tiveram boas notas.
"A lição de casa é tão importante nos processos de ensino e de aprendizagem que deveria estar destacada em um capítulo exclusivo do projeto político-pedagógico", diz Maura Barbosa, consultora de GESTÃO ESCOLAR e formadora da Comunidade Educativa Cedac, em São Paulo. Nele estariam definidos os objetivos, a frequência com que ela seria proposta nos diversos segmentos e como os professores iriam apresentá-la à turma e retomá-la em sala. Essa é uma maneira de colocar o tema em debate e incitar toda a comunidade a discuti-lo. "As lições precisam ser incluídas na formação docente e no planejamento do professor para ser devidamente elaboradas e adequadas ao nível de cada turma", afirma Tânia Resende, doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Se o objetivo é criar uma cultura favorável aos deveres de casa a fim de que eles sejam bem vistos por todos, acompanhe esta reportagem e saiba mais sobre os propósitos e os tipos de lição (página 2), veja como o tema pode entrar como conteúdo na pauta de formação da equipe docente (página 3) e tenha subsídios para melhor orientar os pais, que sempre têm dúvidas sobre como agir diante das tarefas dos filhos (página 4).
Propósitos e características
Lição pra quê?
Não é difícil ouvir professores e gestores dizerem que os pais exigem muita lição - não por acharem que ela seja importante para a aprendizagem, mas para que os filhos se ocupem no período em que estão em casa. Ou que os deveres valem nota para obrigar os estudantes a fazê-los. Ou ainda que as atividades não são retomadas porque ocupa o tempo do docente. Essas ideias revelam a falta de consciência sobre o assunto. O primeiro passo é esclarecer que as lições - trabalhosas tanto para planejar e corrigir quanto para realizá-las - têm lugar bem definido. No processo de aprendizagem, elas servem para:
- Desenvolver a autonomia e a responsabilidade
Por ser um momento de estudo sem a tutoria do professor, possibilita ao estudante lidar sozinho com os conteúdos vistos na aula e organizar-se para entregar as tarefas na data estabelecida e com a qualidade exigida pelo professor.
- Provocar a reflexão sobre a própria formação
Ao realizar as tarefas, o aluno constata que alguns conhecimentos já ficaram bem entendidos e outros ainda precisam de atenção - perguntar mais em sala, ler textos de apoio, realizar mais atividades etc. - para que ele possa avançar.
- Praticar as habilidades aprendidas
As lições cumprem um papel na familiarização com saberes e procedimentos necessários para a resolução delas. Da mesma forma, contribuem para a sistematização e apropriação de conceitos.
No processo de ensino, as lições são usadas para:
- Replanejar as aulas com base na avaliação da aprendizagem
Ao analisar a execução da tarefa, com todos os erros e acertos, o coordenador e o professor saberão se algum conteúdo necessita ser retomado com abordagem diferente.
- Planejamento da formação
O acompanhamento permanente das lições de casa pelo coordenador revela os conteúdos e as didáticas que precisam ser incluídos nos horários pedagógicos coletivos.
Esses objetivos têm de estar claros para toda a comunidade e também para os alunos. No Colégio Mopi, no Rio de Janeiro, a coordenadora pedagógica, Yvone de Lima e Silva, visita todas as salas no início de cada bimestre para tratar do assunto, cada vez com um enfoque diferente: "No começo do ano, explicamos os tipos de deveres que eles receberão. Depois, orientamos sobre como se organizar em casa e sempre somos categóricos em dizer que as atividades têm de ser feitas todos os dias". O contato direto com a gestora ajuda as turmas a perceber o valor que a escola dá ao tema e é uma oportunidade de escutar os maiores interessados. "Os estudantes sempre se preocupam com a quantidade, principalmente em época de provas. Esclarecemos que nesse período há menos tarefas", afirma Yvone.
Quando os jovens tomam consciência de que os erros são informações valiosas para o professor, vai-se criando na escola um clima em que as dúvidas e os desacertos não são vistos como problemas. Ao contrário, são eles que indicarão que novas soluções devem ser buscadas pela equipe pedagógica para que a aprendizagem de fato aconteça.
Tarefas significativas
Para atingir os objetivos citados anteriormente, é fundamental que os deveres sejam bem planejados e façam sentido. Não importa a disciplina nem o tipo (leia quadro abaixo), todos eles devem ter as seguintes características:
- Relação com o conteúdo estudado.
- Desafios possíveis de ser realizados.
- Propostas diversificadas.
- Adequação às necessidades individuais.
- Clareza no objetivo e na orientação.
- Equilíbrio na quantidade.
Variedade de acordo com os objetivos
O mais comum é que os deveres sejam dados para reforçar o que foi ensinado. Há, porém, outros tipos que podem ser usados, dependendo da intenção.
Tipo de lição | Objetivos | Exemplos |
Familiarização | Reforçar os conteúdos aprendidos. | Ler um texto e grifá-lo, fazer fichamento, resolver situações-problemas. |
Sistematização | Apropriar-se de conceitos e de procedimentos que foram objetos de ensino. | Elaborar resumo, montar esquema, escrever uma síntese. |
Pesquisa | Localizar, selecionar e interpretar informações. | Buscar dados na internet, fazer entrevistas. |
Formação de professores
Estratégias e planejamento
Com todos os conceitos esclarecidos, eles precisam ser incorporados pela equipe. Por isso, o tema deve estar presente nos encontros pedagógicos, seja dedicando um módulo por ano a ele, seja com uma reunião por mês. Quando os procedimentos corretos fizerem parte da rotina dos docentes, a discussão sobre as atividades planejadas para casa pode ser retomada eventualmente ou em encontros individuais.
Suzana Mesquita Moreira, formadora de professores e coordenadora pedagógica da Escola Projeto Vida, em São Paulo, sugeriu a análise da prática por meio de exemplos que a própria equipe levou: "Os docentes trocaram entre si as lições que haviam proposto para as respectivas turmas e fizeram comentários. Dedicamos algumas horas para debatê-los com base em textos de referência".
A coordenadora Sheila Camillo, da EMEF Francisco Ponzio Sobrinho, em Campinas, a 98 quilômetros de São Paulo, usou a mesma estratégia. Os professores detectaram que algumas atividades elaboradas por uma colega do 1º ano não tinham relação com o conteúdo visto em sala. Isso porque o planejamento dos deveres, feito no início do semestre, com o tempo e os diferentes ritmos de aprendizagem foi se distanciando do que estava sendo trabalhado e não mais atendia às necessidades da turma. A solução encontrada foi planejar com menos antecedência e incorporar novas atividades.
Outra questão a ser abordada nas reuniões é a retomada das lições - procedimento que deve ser realizado sempre que uma tarefa for entregue pela turma, de acordo com os objetivos do professor. "Se a meta é avaliar as etapas da resolução de uma operação matemática, é preferível fazer uma correção coletiva por amostragem - na qual alguns alunos vão ao quadro mostrar como resolveram - do que entregar o gabarito para simples conferência dos resultados", afirma Suzana, da Projeto Vida.
Confira aqui algumas estratégias formativas para que a lição de casa seja acompanhada adequadamente pela coordenação pedagógica.
- Analisar os planos de aula
O planejamento do docente tem de incluir as atividades que serão realizadas na classe e as que serão propostas para casa. Acompanhando os registros semanais do professor, o coordenador avalia se há relação entre elas e as demais características de uma tarefa significativa (leia na página anterior). Elaine Ruiz, da Escola Santi, também na capital paulista, repara na diversidade: "Se o professor insiste em determinado tipo de lição, peço que explore outras possibilidades, contemplando as diversas maneiras de o aluno aprender. O mesmo faço em relação à correção. Por isso, a orientação é para que todos registrem a intenção e como pretendem conferir as tarefas; assim pensamos juntos em novas abordagens".
- Avaliar os cadernos
É outra forma de verificar se as lições se encaixam em uma sequência didática e se têm sido retomadas - além de saber se os alunos estão fazendo-as. Na EM do Bairro Jardim das Rosas, em Ibirité, na Grande Belo Horizonte, o coordenador, Breno José de Araújo, organizou-se para verificar o material dos 297 estudantes depois do visto do professor. Ele recolhe as produções quinzenalmente e todos os dias dedica entre uma hora e duas horas para analisar os trabalhos de duas classes: "Depois converso com os docentes individualmente e discuto as intervenções apropriadas para os alunos com mais dificuldade em realizar os deveres". Para tornar essa prática viável - mas não menos efetiva -, é possível selecionar apenas uma amostra de cada classe.
- Observar a aula
Nas visitas à sala de aula, o coordenador vai observar se o professor reserva tempo suficiente para dar as orientações necessárias - a fim de que os alunos façam as lições corretamente - e para retomá-las. São pontos a ser registrados: como cada atividade é apresentada? As dúvidas são esclarecidas? A tarefa é anotada no quadro ou ditada rapidamente antes de bater o sinal? E em relação à retomada: o professor confere os cadernos? Os alunos têm oportunidade de expor as dificuldades que tiveram e compartilhar as maneiras de resolver? Quanto tempo dedica a isso? As anotações devem ser compartilhadas com o professor e a devolutiva tem de acontecer no máximo uma semana depois da observação.
- Ouvir os alunos
É possível criar um questionário para saber o que os estudantes acham da quantidade, da periodicidade, do nível de dificuldade e da correção. Nele, podem ser incluídos itens em que eles se autoavaliem em relação à dedicação às atividades e ao tempo reservado a elas. Yvone de Lima e Silva, do Colégio Mopi, prefere conversar com os representantes de classe uma vez por bimestre e dar retorno aos professores, coletiva ou individualmente, conforme o caso.
- Montar um banco de lições
Organizar um arquivo com vários modelos será útil aos professores quando houver dúvidas sobre o tipo mais adequado de tarefa. NA EMEF 28 de Julho, em São Caetano do Sul, município da Grande São Paulo, o banco de lições é dividido por disciplina e série e fica disponível no computador da sala dos professores. No fim do ano, a coordenadora, Débora Mello de Almeida, reúne as matrizes enviadas pelos professores e seleciona, com a ajuda deles, as que integrarão o acervo. Quando uma atividade é acrescentada, outras parecidas são eliminadas para evitar acúmulo.
- Organizar uma agenda compartilhada
Nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, nos quais os alunos têm muitas disciplinas, o coordenador pode criar um calendário, que será compartilhado pelos docentes, a fim de evitar que duas ou mais propostas mais trabalhosas para os alunos sejam sobrepostas. Essa agenda, impressa ou digital, pode ficar disponível na sala dos professores ou nas classes - nesse caso, acessível também aos alunos.
Checklist do formador
Você, coordenador, está valorizando a lição de casa e ajudando o professor a ressignificá-la para os alunos? Confira se, na sua rotina, você:
- Realiza reuniões formativas sobre o tema.
- Debate com os professores os objetivos dos deveres propostos aos alunos.
- Mostra a importância de desenvolver a autonomia dos estudantes.
- Ajuda a planejar as lições de casa de acordo com o conteúdo ensinado.
- Discute com os docentes os vários tipos de tarefa.
- Orienta a equipe a elaborar lições diversificadas e desafiadoras.
- Sugere a elaboração de atividades adequadas às necessidades de cada aluno.
- Ressalta a importância de as tarefas serem retomadas em sala.
- Analisa periodicamente os planos de aula e as atividades resolvidas pelas crianças.
- Faz observações de sala para acompanhar os momentos da orientação e de retomada dos deveres.
- Lembra a equipe de que os erros são informações importantes para orientar o replanejamento das aulas e rever a maneira de ensinar.
Orientação aos pais
Acompanhar sem interferir
Não há reunião de pais em que o assunto não venha à tona. Por ser feita em casa, é inevitável que eles se sintam envolvidos pelos deveres dos filhos. Nem sempre, porém, eles sabem se devem responder às dúvidas, ajudá-los a concluir a lição ou deixar que a entreguem sem conclusão. Esses dilemas são normais e cabe à escola mostrar as atitudes mais adequadas, esclarecendo qual é exatamente o papel da família no processo de aprendizagem.
Antes de abordar o tema, que tal ouvir o que os pais têm a dizer sobre ele e saber o que esperam das lições? É interessante elaborar um questionário para que eles reflitam sobre alguns pontos: quanto tempo dispõem para verificar ou acompanhar as tarefas do filho? Há lugar disponível na casa deles para que os deveres sejam feitos com tranquilidade e concentração? Existem elementos nesse ambiente que dificultam a concentração - televisão, videogame etc.? Tem computador com acesso à internet?
Vale marcar um encontro só para tratar disso ou reservar um tempo em cada reunião regular para responder às dúvidas (leia o quadro na página abaixo). Esclareça os objetivos da lição, a quantidade que a escola costuma dar, a periodicidade, como ela é retomada em sala e a forma como os responsáveis serão contatados caso haja algum problema - como muitas lições sem entregar.
Uma das orientações mais valiosas é pedir que eles ajudem o filho a criar uma rotina de estudos, com horário estabelecido para a realização das tarefas - sem privá-lo de momentos de lazer. Vale lembrar da importância de ter um local bem iluminado, silencioso e com espaço para a criança dispor os cadernos, os livros e demais materiais. Conhecendo o público com o qual trabalha, o gestor vai se preparar para oferecer opções às famílias que não disponham desse espaço. Nesse caso - e isso vale também para as escolas que oferecem período integral -, é preciso providenciar um ambiente em condições de receber os alunos no contraturno, que pode ser uma sala desocupada ou a biblioteca. Esses encontros devem ser aproveitados para a escola deixar clara sua abertura para a comunicação direta com as famílias - por meio de bilhetes e recados, em cadernos ou agendas.
O mais importante é estar disponível para pensar em estratégias conjuntas de ação com as famílias. A Escola Santi elaborou um guia que é distribuído aos pais no começo do ano e fica integralmente disponível no site. Nele, a equipe pedagógica explica como as tarefas serão enviadas (na apostila, em folhas avulsas ou no caderno), apresentadas em sala e corrigidas - coletiva ou individualmente.
Já a EE Mary Moraes, também em São Paulo, criou um blog no qual os professores incluem diariamente todos os deveres. Segundo o diretor, Eduardo Paulo Berardi Junior, a ferramenta nasceu de uma demanda dos próprios responsáveis por alternativas mais eficazes para o acompanhamento das lições: "Deu tão certo que até hoje é comum que eles nos perguntem porque determinada professora ficou um ou dois dias sem incluir nenhuma postagem ou porque a docente de uma série passou mais ou menos lições do que outra do mesmo ano".
As principais dúvidas dos pais
Veja como responder às mais comuns.
"Posso corrigir a lição ou ajudar meu filho a concluí-la caso ele tenha dificuldade?"
Não. Ao notar que o filho errou, sugira que ele reveja as anotações e releia o livro ou o material fornecido na aula, deixando que ele mesmo detecte as incorreções. Se ele não encontrá-las, deixe essa tarefa para o professor. Só ajude caso haja algum pedido expresso para isso - pesquisa ou entrevista com os próprios pais.
"Devo responder às dúvidas?"
O melhor é pedir à criança que coloque o problema para o professor, pois os pais não têm obrigação de saber como ensinar nem de ter domínio sobre os conteúdos.
"Devo castigar quando a tarefa não é feita?"
Não. Procurar saber se tem lição e se ela foi executada é positivo. Já castigos, ameaças e críticas recorrentes, não. "Essas atitudes deixam a criança insegura e tornam tensos os momentos em que o pai passa ao lado dela", afirma Rose Mary Guimarães Rodrigues, professora do Centro Universitário do Triângulo (Unitri), em Uberlândia, a 535 quilômetros de Belo Horizonte. Os pais devem sempre mostrar confiança na capacidade do filho em se organizar e desempenhar o papel de aluno.
"Como mostrar interesse pelas lições?"
Bastam gestos simples, como perguntar ao filho como foi o dia na escola e o que ele está aprendendo. Incentive os pais a fazer comentários sobre os conteúdos e a contar suas experiências com o tema, quando possível.
"Posso elogiar a produção?"
Sim. O esforço realizado para executar a tarefa e o capricho com o qual ela é feita podem e devem ser reconhecidos, pois isso estimula a criança a melhorar e a arriscar novas estratégias para resolvê-la.
"A escola dá lição muito difícil!"
Julgar a relevância ou a dificuldade dos deveres na frente do filho é inadequado, pois pode incentivar o não fazer ou interferir no trabalho pedagógico. Os pais que não concordam com uma atividade devem procurar a escola para conversar e se informar.
Para que serve a lição de casa
Para os alunos
1. Desenvolver a autonomia em relação aos estudos.
2. Identificar dúvidas para esclarecê-las com o professor.
3. Estudar.
4. Resolver novos desafios e praticar diferentes raciocínios e habilidades.
Para os professores
1. Avaliar a aprendizagem.
2. Identificar os conhecimentos da turma.
3. Rever o planejamento de acordo com as necessidades de aprendizagem dos alunos.