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O valor das provas

Antes vistos como vilões, os exames externos agora são encarados como instrumentos para atingir resultados melhores

POR:
Luiza Andrade

Prova e Provinha Brasil, Saeb, Pisa, Enem, Ideb... Desde o começo da década de 1990, a lista de exames e índices nacionais e internacionais para a Educação não pára de crescer. Isso sem contar provas e rankings estaduais, como o paulista Saresp e o mineiro Simave. Em meio a tantas normas de aplicação e divulgação de resultados, não é raro deixar o principal de lado: qual é, de fato, a importância das avaliações externas?

Romualdo Luiz Portela de Oliveira, professor do Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp), acredita que, quando tecnicamente bem realizados, os exames são uma referência importante sobre a situação do aprendizado: "Eles permitem identificar fortalezas e debilidades, além de analisar a dinâmica do sistema em uma perspectiva histórica."

De fato, essa identificação foi o que motivou o Ministério da Educação (MEC) a investir na política das provas externas. "Nossa intenção não é aprovar ou reprovar alunos, mas traçar um diagnóstico do sistema de ensino, saber como ele está se desenvolvendo", explica Amauri Gremaud, exdiretor de Avaliação da Educação Básica do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Para ele, os resultados mostram habilidades e competências adquiridas e, assim, "geram uma série de informações com as quais os gestores trabalham para atingir os objetivos que traçaram e, se for preciso, reformular estratégias e ações".

Para tanto, é preciso saber o que se pretende em relação ao sistema educacional e, assim, determinar o formato do exame a ser aplicado. Se o objetivo é apenas obter dados específicos, é mais indicado aplicar uma prova amostral, que, inclusive, é mais barata. Caso se pretendam tomar decisões de gestão, como mensurar bônus de professores e modificar critérios de aprovação ou reprovação, torna-se necessária uma prova censitária, em que todos façam o exame em determinadas séries. A partir daí, os resultados podem identificar temas com baixa proficiência, apontar regiões ou grupos com desempenhos melhores e piores e fornecer dados importantes para iniciativas de formação de professores. "Por exemplo, se os alunos estão indo bem com frações, mas não com geometria, vou focar minha formação em geometria, que é o que, por enquanto, está problemático", exemplifica Oliveira. Em suma, se o processo for bem feito desde a sua concepção, é capaz de indicar o que funciona e o que não funciona nas escolas, ajudando os diretores a balizar suas decisões.

O que já mudou 

Amauri Gremaud, ex-diretor do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Foto: Divulgação/INEP
Amauri Gremaud, ex-diretor 
do Instituto Nacional de 
Estudos e Pesquisas 
Educacionais 
Foto: Divulgação/INEP

Desde 2007, os resultados obtidos com o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e a Prova Brasil (consulte tabela com informações sobre os testes nacionais e internacionais) passaram a compor, juntamente com o fluxo escolar, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Com esse indicador, foram estabelecidas metas por escola, município e estado. Com isso, o governo pretende mapear os locais com desempenhos abaixo do esperado e desencadear processos que ajudem a modificar o quadro da Educação.

"Trabalhamos com os municípios tentando estabelecer uma relação de parceria. Eles são incentivados a participar do Plano de Desenvolvimento da Educação e recebem visitas das equipes do MEC para que sejam traçados planos de ação com assistência técnica e financeira. O Inep desenvolve instrumentos úteis e as Secretarias tomam decisões quanto à aplicação e ao uso dos resultados obtidos", explica Gremaud. Dos dados obtidos com os exames, ele também afirma que surgiram projetos de apoio à aprendizagem, como o Pró-Letramento, o Proinfantil e os programas nacionais de livros didáticos dirigidos ao Ensino Fundamental e ao Médio.

Entre os educadores, a divulgação de resultados provoca uma reflexão de grande importância. Números que deixam muito a desejar mostram alunos de diferentes séries sem o devido conteúdo esperado para sua faixa etária. Mas qual é exatamente esse conteúdo? Por enquanto, poucos sistemas estaduais e municipais levaram a discussão adiante e lançaram documentos sobre as expectativas de aprendizagem de cada série - ação prevista desde 1996, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

Já na sociedade, de modo geral, a publicação das notas dos exames tende a aumentar o interesse pelo desempenho das escolas. "Ainda que esteja fortemente focada nos rankings, que aportam pouca informação, essa divulgação permite aos usuários cobrarem mais de gestores e professores e às escolas definirem políticas consistentes de aperfeiçoamento. Infelizmente, isso ocorre em escala bem menor do que o desejado. Ou seja, os sistemas de avaliação são subutilizados", afirma Oliveira.

O que falta mudar 

Romualdo de Oliveira, professor da Universidade de São Paulo Foto: Tatiana Cardeal
Romualdo de Oliveira, 
professor da Universidade 
de São Paulo 
Foto: Tatiana Cardeal

Na teoria, todos saem ganhando com as avaliações. Na prática, muita coisa precisa melhorar. "Em vez de serem utilizadas como instrumentos de diálogo, as provas acabam virando instrumento de premiação ou castigo. Além disso, quem produz esses exames é o Executivo, que também faz a política. Não há o distanciamento adequado se o governo avalia a si mesmo", diz José Marcelino de Rezende Pinto, especialista em política educacional e professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP em Ribeirão Preto.

Há também o risco de se adotar a política de ranqueamento e se esquecer de que as notas estão associadas a fatores extracurriculares, como a escolaridade dos pais. "Desse modo", afirma o professor, "os bons profissionais fogem das escolas com notas baixas e os exames punem justamente quem mais precisa de auxílio."

Por outro lado, não faltam idéias que contornam as más conseqüências dos exames e oferecem boas alternativas em termos de avaliação: investir no trabalho dos Conselhos de Educação, receber visitas críticas de professores, coordenadores e diretores de outras escolas, realizar auto-avaliações freqüentes e, em especial, escutar a opinião de pais e alunos. "Eles têm muito a dizer e são pouco ouvidos. Essa é uma boa maneira de avaliar, além de muito mais barata", afirma Rezende Pinto.

Levar esses pontos em consideração é uma maneira de minimizar questões que o governo ainda precisa ajustar, como a comparabilidade de índices que envolvem escolas com realidades tão diferentes - num país de fortes contrastes econômicos e culturais -, a legitimidade de um sistema avaliativo sujeito a fraudes e a usabilidade dos exames que já existem. Romualdo de Oliveira cita dois exemplos que considera conflitantes: "Para seus fins, o Saeb é bem desenhado, pois dá informações sobre o sistema todo, tendo como unidade amostral os estados. Já o Prova Brasil, apesar da pirotecnia que o governo federal faz em torno dele, só serviria para gerir o sistema se os estados e municípios o levassem em conta. Como, em geral, não levam (nem foi combinado nada com eles antes), ele não faz sentido", conclui.