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Como integrar o projeto arquitetônico da escola com o ambiente

A modernidade não está apenas nas novidades tecnológicas e nos computadores de última geração, mas em algo bem mais simples e acessível: a integração da escola com o meio ambiente, como mostram estas "escolas verdes"

POR:
Luiza Andrade
Fundação de Educação Profissional do Vale do Rio Caí. Fotos: Tamires Kopp
INICIATIVAS SUSTENTÁVEIS  Prédio na cidade de Feliz aproveita ao máximo a luz solar e promove a interação com a paisagem natural, além do usar materiais de construção disponíveis na região. Fotos: Tamires Kopp

 Quem caminha pela Fundação de Educação Profissional do Vale do Rio Caí, em Feliz, a 80 quilômetros de Porto Alegre, logo vê que as instalações da escola não são nada comuns. Os corredores ficam ao redor do prédio, com luz e ventilação naturais, que chegam às classes através de grandes janelas. As paredes de arenito, granito e tijolo cerâmico dispensam revestimento e contribuem para o isolamento térmico. A água da chuva, coletada por calhas, segue para uma cisterna, onde é filtrada por areia e brita para abastecer as torneiras e irrigar as hortas. Ao redor da construção, a vegetação nativa (exuberante e intocada) emoldura um cenário estimulante ao aprendizado e à consciência ambiental.

Tudo isso é resultado de um projeto arquitetônico ecológico, realizado em parceria por 20 municípios, 33 empresas, três universidades e centenas de profissionais voluntários da região. As obras começaram em 2006, e as aulas, em julho deste ano. Quando estiver em total funcionamento, a Fundação terá 2 mil alunos, distribuídos em cursos técnicos, como operações administrativas, biotecnologia, informática e cerâmica. "Dividiremos a história do vale do Caí em antes e depois da implantação da escola: seremos uma indústria sem chaminés", projeta a coordenadora da instituição, Maria da Glória Barcarollo Gauer. "Nosso objetivo é promover a agricultura e a prestação de serviços, muito fortes na região, partindo de uma nova postura, mais responsável, ética e sustentável em todos os sentidos."

Ser ecologicamente sustentável significa se desenvolver sem desrespeitar o planeta. Mas a equipe da escola técnica quer ir além, investindo num projeto pedagógico que também priorize a responsabilidade social (integração com a comunidade), cultural (resgate histórico da região) e econômica (busca de condições financeiras para a própria instituição e a população do entorno). "É comum pensar que a natureza está em elementos como solo, água e ar. Mas nós, humanos, somos parte dela", diz Maria da Glória. "Temos de educar para que as pessoas se transformem e mudem sua relação com o ambiente."

Por isso, desde a escolha do local, cada etapa da construção foi projetada com esse objetivo. Antes da aquisição do terreno e do começo das obras, a área era utilizada na produção agrícola e não tinha grandes árvores. "O que se faz, em geral, é derrubar tudo para, depois, replantar", afirma a professora. "Apenas uma das árvores foi retirada. Procuramos usar o espaço com menos necessidade de corte."

Antes do início das aulas, a Fundação recebeu a visita de uma equipe de técnicos da capital gaúcha, que confirmou a teoria dos líderes do projeto: a escola deve, de fato, se tornar um ponto irradiador em termos de arquitetura e ensino sustentáveis. "Aos poucos, a postura da comunidade em relação à natureza vai mudar", acredita Maria da Glória. "Em nossas reuniões, queremos que todos saiam pensando que não é preciso implantar grandes ações para operar mudanças, mas pequenas atitudes que, juntas, se amplificam."

Educando para os 4 Rs

Formação de cidadãos conscientes no Rio de Janeiro. Fotos: Gilvan Barreto
FORMAÇÃO DE CIDADÃOS CONSCIENTES  Desde cedo, alunos aprendem a separar o lixo, reaproveitar o material descartado, reunir óleo de cozinha para reciclagem e respeitar a natureza. Fotos: Gilvan Barreto
 

Nem todas as escolas têm o privilégio de estar em contato com a natureza ou nascer de um projeto ecologicamente correto. Mas, de fato, algumas atitudes simples podem render projetos pedagógicos sustentáveis para crianças e adolescentes. No Centro Educacional Miraflores, no Rio de Janeiro, professores, funcionários e crianças fazem coleta seletiva de lixo e recolhem pilhas, baterias e cartuchos de impressoras em contêineres especiais. O óleo da cozinha da escola e da casa dos alunos também é colocado em galões. O material é retirado por uma empresa, que o transforma em sabão - o produto retorna ao colégio como material de limpeza.

Há também uma horta, adubada com o resto de frutas consumidas no lanche. "Esse espaço é fundamental porque ajuda a criança a perceber que faz parte do meio ambiente, acentua a coordenadora pedagógica, Romina Ghazale. "Os alunos plantam, observam a germinação, vêem o que as plantas precisam para crescer, colhem e preparam receitas com os alimentos. Pelo lúdico, formamos cidadãos conscientes."

Outra ação do colégio foi investir no plantio de árvores para compensar o gás carbônico que é emitido, por exemplo, pelo transporte escolar e pela geração da energia utilizada na escola. Cada criança planta uma muda e ganha, além de uma cidade mais verde, oportunidade de entrar em contato direto com a terra.

Em relação ao uso da água, a equipe optou por não trabalhar a questão apenas em datas comemorativas, como o Dia Mundial da Água, mas fazer do combate ao desperdício um projeto anual. "É muito mais fácil conscientizar desde a infância", acredita Romina. "E os alunos ainda mudam o comportamento das famílias ao chamar a atenção dos pais para a torneira aberta enquanto escovam os dentes."

Essas atitudes se encaixam em um conceito conhecido mundialmente como 4 Rs: reduzir, reutilizar, reciclar e recuperar. Conforme a coordenadora do Instituto Ecoar, Miriam Duailibi, o gestor que não se alinhar a esse pensamento e demorar mais a se sensibilizar para a questão ambiental perderá o bonde da história. "Não haverá lugar no mercado de trabalho para quem não entender que é preciso se preocupar com a natureza."

Segundo ela, nos próximos anos e décadas, os consumidores e investidores exigirão, cada vez mais, produtos e empresas ecologicamente corretos. Da mesma forma, a legislação tende a ficar mais exigente, com mais fiscalização.

A escola, então, deve assumir seu papel dentro da comunidade, chamar funcionários, pais e moradores do entorno, mesmo que não tenham filhos matriculados, para discutir melhorias e tomar atitudes em favor do meio ambiente. "A vizinhança toda pode ser beneficiada se a coordenação e a direção assumirem uma postura aberta e comprometida", defende Miriam.

Para dar o primeiro passo e começar a tornar o ambiente escolar sustentável, ela sugere a troca de lâmpadas incandescentes por fluorescentes, a oferta de lanches e refeições naturais, a captação de água da chuva, a permeabilização de canteiros com plantas e árvores e o investimento em reciclagem e numa horta escolar. "Tudo isso explicando os motivos de cada atitude e promovendo o engajamento e a sensibilização", ensina.

Uma nova ética

Para que um projeto ecológico seja completo, é preciso ir mais a fundo nas noções de sustentabilidade. De acordo com Regina Migliori, consultora em cultura e paz da Unesco a Organização para a Educação, Ciência e Cultura, das Nações Unidas, nos últimos 15 anos muitas instituições tomaram providências, como economia de água e reciclagem. "Essas ações são relevantes, mas não mexem no cerne da questão, não mudam o modelo", adverte. "É importante que as escolas revejam seus valores sobre o desenvolvimento e sobre o processo educativo.

A formação de cidadãos conscientes, preparados não apenas para o mercado de trabalho, mas também para a necessidade global de agir com responsabilidade ecológica, depende, segundo Regina, de a escola partilhar sua responsabilidade: "Hoje, o comum é colocar-se numa postura passiva em relação à comunidade. Muitas reclamam que as famílias não cooperam, que não há integração, mas não basta diagnosticar. É preciso agir.

Conforme a consultora, reunir a comunidade num auditório e ouvir a opinião de todos não é suficiente. É preciso dividir as responsabilidades ambientais e sociais com seus integrantes. "Nascerá, assim, um modelo de gestão mais atraente e participativo", sustenta.

Além disso, segundo ela, os objetivos também devem ser ampliados. Ou seja, se a escola quer formar um indivíduo que agirá beneficamente com a sociedade e com a natureza em todos os momentos de sua história, ela deve apostar não só no desenvolvimento intelectual mas também no aspecto ético. "Hoje trabalha-se com objetivos pequenos, como se preparar para uma profissão que permita a compra de uma casa com uma porção de eletrodomésticos", ilustra Miriam. "Mas, no ritmo em que a humanidade está produzindo e utilizando os recursos ambientais, em 30 anos a Terra não será igual - nem o mercado nem as profissões. Por isso, é urgente capacitar os alunos a mudar o modelo de vida", completa.

Quer saber mais?

CONTATOS
Centro Educacional Miraflores, R. das Laranjeiras, 537 a 543, Rio de Janeiro, RJ, tel. (21) 3235-2350
Fundação de Educação Profissional do Vale do Rio Caí, R. João Ruschel, 140, Feliz, RS, tel. (51) 3637-1259
Instituto Ecoar, R. Rego Freitas, 454, 2º andar, São Paulo, SP, tel. (11) 3129-5765

BIBLIOGRAFIA
Ética, Valores Humanos e Transformação, Regina Migliori, Mailu Martinelli e Lia Diskin, 120 págs., Ed. Fundação Peirópolis, tel. (11) 3816-0699
Meio Ambiente e Educação Ambiental na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, Sandra Branco, 60 págs., Ed. Cortez, tel. (11) 3611-9616
Educação e Gestão Ambiental, Genebaldo Freire Dias, 120 págs., Ed. Gaia, tel. (11) 3277-7999