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Francisco Imbernón fala sobre caminhos para melhorar a formação continuada de professores

Professor da Universidade de Barcelona aponta como os gestores da Educação podem cuidar do aperfeiçoamento em serviço

POR:
Noêmia Lopes
Francisco Imbernón. Foto: Edu Bayer
Francisco Imbernón

Levantar propostas para melhorar os programas voltados à formação continuada de professores é o principal foco das pesquisas de Francisco Imbernón, doutor e mestre em Filosofia e Ciências da Educação e catedrático de Didática e Organização Educacional da Universidade de Barcelona, na Espanha. Em entrevista concedida por e-mail a GESTÃO ESCOLAR, ele defende que o salto de qualidade depende necessariamente de o trabalho em equipe se tornar de fato colaborativo. Cabe às administrações públicas - no caso do Brasil, as secretarias estaduais e municipais de Educação - oferecer apoio concreto às unidades escolares para que uma verdadeira revolução ocorra na atuação dos professores.

"Os docentes devem se assumir como protagonistas, com a consciência de que todos são sujeitos quando se diferenciam, trabalham juntos e desenvolvem uma identidade profissional", diz Imbernón. Nesse sentido, é natural que o papel dos coordenadores pedagógicos também seja central. Cabe a eles ajudar as respectivas equipes a refletir e encontrar soluções para as situações-problema do cotidiano da sala de aula - o que, por sua vez, vai fazer com que o caráter individualista atribuído à atuação docente caia por terra definitivamente.

Quais são as características de um bom programa de formação de professores e o que é essencial para que ele cumpra seus objetivos?
FRANCISCO IMBERNÓN
Em primeiro lugar, a formação em serviço requer um clima de real colaboração entre os pares. Quem não se dispõe a mudar não transforma a prática. E quem acha que já faz tudo certo não questiona as próprias ações. É preciso também que a escola ou o centro de capacitação tenham uma organização estável - baseada em alicerces como o respeito, a liderança democrática e a participação de todos - e aceite que existe diversidade entre os educadores, o que leva a diferentes maneiras de pensar e agir. Além disso, é fundamental ter um auxílio externo consistente. Boa parte das propostas formativas é promovida por administrações públicas. É óbvio, mas nem por isso menos relevante, que as pesquisas apontem que o apoio efetivo às escolas é mais importante do que boas intenções ou palavras em documentos - sobretudo quando é preciso assumir riscos relacionados à experimentação. Nos momentos de planejamento, execução e avaliação dos resultados, os órgãos administrativos precisam ouvir os envolvidos. Afinal, os educadores só mudam crenças e atitudes de maneira significativa quando percebem possibilidades concretas de repercussão no processo de ensino e aprendizagem. Se enxergam benefícios para os alunos e para a forma com que exercem a docência, passam a pensar a formação como um ganho individual e coletivo, e não como uma agressão externa.

No livro Formação Continuada de Professores, o senhor fala sobre uma transformação no papel docente - de objeto a sujeito das atividades formativas. Promover essa mudança também deve fazer parte dos objetivos de um bom programa?
IMBERNÓN
Sem dúvida. Muitas vezes, os docentes são condenados a ser objeto de um planejamento dirigido a professores e professoras sem identidade profissional - ainda que ela exista, muitas vezes não é reconhecida com suas características, valores, peculiaridades e práticas sociais e educacionais. Desse modo, é comum que uma pessoa, supostamente detentora de mais conhecimento, doutrine os colegas. No futuro, espera-se que isso não seja o predominante e que os docentes se assumam como protagonistas, com a consciência de que todos são sujeitos quando se diferenciam, trabalham juntos e desenvolvem uma identidade profissional. Trata-se de uma alternativa que aceita a subjetividade como um elemento de peso na forma de ver e transformar a realidade social e educacional e a capacidade de produzir conhecimento.

Como devem agir os coordenadores pedagógicos a fim de colaborar com essa troca de paradigma?
IMBERNÓN
Pouco a pouco, cresce a consciência de que é preciso ter um modelo formativo mais reflexivo que contemple práticas colaborativas. Isso é essencial para criar espaços de aperfeiçoamento, inovação e pesquisa nos quais sejam analisadas as dúvidas individuais e coletivas dos professores. Cabe ao coordenador ajudá-los a superar esses obstáculos e encontrar as saídas mais adequadas para cada desafio. Isso porque só há uma mudança real quando os docentes encontram soluções para as situações-problema que enfrentam na sala de aula. No futuro, haverá mais demanda de coordenadores que contribuam para o diagnóstico de problemas, em conjunto com suas equipes, do que solucionadores externos. Mudanças profundas só acontecerão quando a formação deixar de ser um processo de atualização, feito de cima para baixo, e se converter em um verdadeiro processo de aprendizagem. Isso implica ter uma visão diferente do que é o aperfeiçoamento e de qual é o papel docente, além de uma nova metodologia de trabalho. O coordenador pode transformar o cenário atual: da busca por um ensino eficaz mediante técnicas didáticas deduzidas de princípios gerais para uma reflexão que considere o desenvolvimento dos alunos e do professor e promova relações sociais igualitárias e justas em sala de aula.

Para tanto, certamente é urgente acabar com o mito de que o trabalho docente tem um caráter individual. Como fazer isso?
IMBERNÓN
A própria implantação da formação continuada favorece o rompimento desse falso individualismo. Investir em responsabilidades e compromissos coletivos, em interdependência de metas para tornar a escola um lugar de aprendizagem permanente e em um processo de comunicação compartilhado permite aumentar o conhecimento pedagógico e a autonomia profissional participativa. É também uma maneira de estimular a visão do aperfeiçoamento como parte intrínseca da profissão docente. Contudo, essa formação coletiva não é possível sem haver diálogo constante, debate, investigação colaborativa e consenso conseguido sem imposição. Dessa forma, os professores são colocados em situações de identificação, participação, aceitação de críticas e discordâncias.

Cursos mais teóricos são bastante oferecidos aos educadores. Eles são eficientes para a melhoria da prática?
IMBERNÓN
É preciso compreender que a maioria deles serve para promover a atualização de um tema ou conteúdo. Formação para inovação é outra coisa - ela tem de se estender à esfera das competências, habilidades e atitudes e, como eu disse anteriormente, se fundamentar no aprendizado da colaboração participativa. A cooperação superficial em geral é provocada por uma obrigação externa de realizar certos trabalhos que demandam um projeto coletivo, mas sem um processo real de troca. Isso, obviamente, não funciona. Também é necessário entender que o aprendizado se dá com base na reflexão e na resolução de questões diretamente relacionadas à prática. É lógico que partir de dilemas reais dos professores é desafiador. Requer, de certa forma, levar em conta os imprevistos e também trabalhar de maneira intensa e planejada para construir uma formação sob medida.

No Brasil, o aperfeiçoamento em serviço costuma ter de suprir graves deficiências da graduação. Como os cursos de Pedagogia podem deixar de ser um entrave?
IMBERNÓN
Há muito tempo, a formação inicial dos professores é fraca. Ela denota grande despreocupação e falta de vontade por parte das administrações públicas em assumir a profissão e encarar o fato de que ela envolve valores morais e éticos e trabalha com alunos que vivem situações problemáticas diversas. Em um cenário ideal, o curso superior deveria girar sobre o eixo da relação entre teoria e prática educacional, além de oferecer uma visão holística e crítica das disciplinas - sejam de conteúdo científico ou psicopedagógico.

A comunidade do entorno da escola deve ser considerada quando se planejam os programas de aperfeiçoamento em serviço?
IMBERNÓN
A escola já não é mais o que era há alguns anos - e nem poderia ser - e os docentes já não têm o mesmo papel. Nesse sentido, a formação que considera a comunidade dá um grande passo e pode encontrar uma alternativa para tentar resolver a problemática de exclusão social de uma parcela da humanidade.

Quais foram os principais avanços da formação em serviço desde o início do século 21?
IMBERNÓN
A partir da metade do século 20, uma das ações políticas majoritárias presentes nos países foi a criação das escolas de professores visando o seu desenvolvimento profissional. Isso envolveu a descentralização da formação e criou a necessidade de ter pessoal especializado para ajudar nas políticas de formação continuada. Hoje em dia, me parece que esse modelo continua válido, apesar das críticas que recebe.

Qual é a melhor forma de avaliar o impacto de um programa de formação continuada?
IMBERNÓN
Essa é uma tarefa complexa, mas imprescindível para a legitimação e otimização das práticas formativas. Contudo, é fundamental levar em conta a necessidade de esperar o tempo suficiente para que as mudanças se concretizem. Nesse sentido, avaliar requer entender que um processo dessa natureza vai provocar transformações a longo prazo nas atitudes e nas condutas dos participantes. Apesar da importância dessa iniciativa, porém, ela tem sido negligenciada. Pode haver muitos motivos: a própria concepção punitiva da avaliação, o envolvimento de aspectos emocionais por parte de quem avalia e até mesmo a falta de conhecimento sobre técnicas e procedimentos eficazes.

Algumas instituições financiam programas de formação docente e esperam um retorno rápido na melhoria dos índices de aprendizagem dos alunos. O que o senhor acha disso?
IMBERNÓN
A transformação na cultura profissional é lenta porque há a necessidade de interiorizar os novos conhecimentos, adaptar-se a eles e viver pessoalmente a experiência de mudança. Afinal, as modificações que acontecem com alguns não necessariamente ajudam outros indivíduos. Ou seja, todas as instituições envolvidas nos processos formativos devem educar e formar sabendo que as mudanças são lentas e que é preciso trabalhar em poucas frentes por vez para fazer bem feito.

Qual tema o senhor está pesquisando atualmente?
IMBERNÓN
Estou estudando o processo pelo qual se adquire o saber profissional que prepara para o exercício eficaz no ensino. Pretendo analisar como os professores que são considerados altamente competentes adquirem e elaboram esse conhecimento e quais são as manifestações dele nas diferentes áreas disciplinares da Educação e nas distintas modalidades e momentos de formação.

Quer saber mais?

BIBLIOGRAFIA
Formação Continuada de Professores

, Francisco Imbernón, 120 págs., Ed. Artmed, tel. 0800-703-3444