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Escolas mostram como recebem jovens infratores

As instituições que têm alunos em conflito com a lei devem zelar para que os adolescentes não sofram constrangimento e favorecer um recomeço sem preconceito

POR:
Bianca Bibiano

A situação é mais comum em escolas públicas das grandes cidades do que nas que se localizam em municípios menores. Mas qualquer diretor pode receber a visita de um assistente social solicitando a matrícula de um jovem que cometeu algum delito e está cumprindo medidas sócioeducativas. Por ser menor de idade (entre 12 e 18 anos), a lei prevê alternativas à prisão. O mais comum é obrigá-lo ao cumprimento dessas medidas - como a prestação de serviços à comunidade e a reparação do dano - e receber proteção do Estado, o que inclui o acompanhamento familiar, psicológico e pedagógico (leia o que diz a lei). De acordo com levantamento feito em 2006 pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos nas capitais, há cerca de 20 mil adolescentes nessa condição.

A primeira reação da maioria dos gestores é responder não ao pedido. "O argumento mais usado é que ninguém quer um marginal na sala de aula", afirma Maria Lúcia de Lucena, coordenadora da Fundação Criança de São Bernardo do Campo, entidade pública de direito privado que atua na área de defesa de menores. Segundo a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Estado tem a obrigação de garantir a esses jovens o acesso à Educação em qualquer segmento, dependendo, obviamente, da idade deles e do ano em que abandonaram os estudos. Negar a matrícula, então, está fora de cogitação. "A volta à sala de aula é uma das ações mais eficientes para educar e, ao mesmo tempo, reintegrar o indivíduo à sociedade. Daí a importância do bom acolhimento por parte do diretor, dos professores e dos colegas", afirma Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e membro da Associação Juízes para a Democracia.

Manutenção do sigilo sobre os antecedentes é recomendada

Cleide Maria Moraes Zorzi. Foto: Marina Piedade
"Procuramos desenvolver neles o papel de estudante, tratando-os com as mesmas regras aplicadas aos demais. Também investimos em diálogo constante. Mas isso só ocorre quando eles percebem que não há, na escola, interesse em criticá-los, mas que todos estão dispostos a ter uma conversa franca, sem se focar no passado, sobre seus anseios e medos". Cleide Maria Moraes Zorzim, diretora da EE São Pedro, em São Bernardo do Campo, SP

Um dos maiores desafios é evitar que o jovem seja exposto a situações constrangedoras ou que desencadeiem algum tipo de preconceito. Para tanto, o primeiro passo é o gestor oferecer a ele o mesmo acolhimento dispensado aos outros. Infelizmente, muitas vezes, não é isso o que acontece: "Há diretores que até avisam docentes e funcionários antes da chegada do aluno, alertando para que tomem cuidado com seus pertences. Essa não é uma postura correta, pois corrobora para que o jovem já chegue estigmatizado", afirma Maria das Graças Sabino Pinho, coordenadora do Centro de Referência da Assistência Social (Cras), em Olinda, no Grande Recife.

A maneira mais eficiente - e mais difícil - de evitar a exposição é manter sigilo ou discrição sobre o passado do aluno. O diretor, o coordenador pedagógico, o professor e até mesmo o funcionário que faz a matrícula podem ser informados sobre o caso, mas têm de ser orientados a não divulgá-lo.

Na EE São Pedro, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, a equipe gestora faz o possível para que o direito a essa privacidade seja respeitado. O diretor, o coordenador pedagógico e o professor mediador - que cuida de aspectos como a intermediação de conflitos na escola - são os responsáveis por receber o aluno e acompanhar sua adaptação ao meio educacional. Segundo a diretora, Cleide Maria Moraes Zorzim, quando a escola toma conhecimento de que vai receber um jovem infrator, há um cuidado para que os docentes não fiquem sabendo do histórico dele para evitar que criem uma resistência antes mesmo de conhecer o adolescente. Outra medida adotada, quando possível, diz respeito à escolha da turma em que ele vai estudar. "A gente procura inseri-lo em uma classe que seja mais tranquila, de forma a facilitar sua integração", explica Cleide. O principal é garantir que tenha espaço e se sinta confortável para conversar com a equipe gestora sobre o assunto sempre que tiver vontade, complementa a diretora.

Todavia, muitas vezes o próprio jovem conta para os colegas sobre sua situação: "Quando isso acontece, conversamos com ele e, se for preciso, com os familiares para esclarecer que não é vantajoso se expor e ser visto com preconceito". Já com os estudantes que tomaram conhecimento do assunto, a diretora diz que a ação vai depender da amplitude do problema. "Chamamos todos que ficaram sabendo e explicamos que o adolescente teve um comportamento inadequado no passado e que está ali justamente para evitar que isso se repita", explica Cleide. Se ocorrer de algum pai procurar a escola para reclamar da presença do jovem infrator na turma do filho, a diretora tem um argumento para usar: "Digo que o filho dele poderia estar em situação semelhante e, certamente, ele não gostaria de vê-lo excluído ou sendo vítima de intolerância", completa a gestora.

Tratamento deve ser igual ao dispensado aos demais alunos

 Maria Bernadete da Costa Azevedo. Foto: Daniela Nader
"O jovem que presta serviços como medida socioeducativa tem de ser conscientizado de que assume uma nova tarefa, que é o trabalho, mas está em formação e precisa de pessoas que lhe deem uma chance real de participação. Também é importante que ele se integre ao ambiente escolar e se envolva nas atividades pedagógicas para que os educadores possam ajudá-lo". Maria Bernadete da Costa Azevedo, diretora da EE Dom João Crisóstemo, em Olinda, PE

Todos esses cuidados, obviamente, não impedem que os adolescentes se envolvam em conflitos recorrentes dessa faixa etária - como atos de indisciplina relacionados à necessidade de autoafirmação. Quando isso ocorre, não deve ser feita nenhuma ligação com os antecedentes. É fundamental que todos recebam exatamente o mesmo tratamento. "Sentir-se acolhido é a primeira condição para entrar num processo de busca de si mesmo", destaca Maria Luiza Moura Oliveira, psicóloga e coordenadora geral do Instituto Dom Fernando da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO).

Muitas escolas também são convidadas a receber jovens em conflito com a lei como funcionários ou prestadores de serviço. Os estados, por meio das Secretarias de Justiça, mantêm convênio com diversas instituições, privadas e públicas, para esse fim. Ao recebê-los, é necessário escolher um tutor dentro do quadro de funcionários. Essa pessoa será a responsável por ensinar as tarefas a executar, acompanhar o processo evolutivo durante o cumprimento da medida e elaborar um relatório com a avaliação do comportamento para enviar ao juiz.

Com frequência, Maria Bernadete da Costa Azevedo, diretora da EE Dom João Crisóstemo, em Olinda, assume pessoalmente o papel de tutora. "Solicito que eles façam trabalhos que os coloquem em contato com gente - ajudando, portanto, na reinserção social - e colaborem para a formação intelectual, como auxiliar os professores em sala e cuidar da biblioteca", explica. Nesses casos, o ideal é investir em reuniões de preparação da equipe. "Discutimos a necessidade de evitar que os demais alunos tomem conhecimento dos antecedentes e a importância dessa experiência para o futuro do jovem", afirma Maria Bernadete.

Educação de Jovens e Adultos é opção para o retorno definitivo à escola

Elizete Maria Moleta Fuggiatto. Foto: Marcelo Almeida
"O foco da escola ao oferecer uma vaga na EJA é reduzir a defasagem que esses jovens apresentam em relação à escolaridade. Eles são tratados como adultos e, ainda que a matrícula seja uma determinação judicial, percebem que têm liberdade de buscar um ritmo que seja adequado às suas necessidades, com aulas modulares - o que não encontram no ensino regular." Elizete Maria Moleta Fuggiatto, diretora do Centro Estadual de Educação Básica de Jovens e Adultos, em São José dos Pinhais

A evasão é um dos grandes problemas desse grupo de adolescentes. O mais comum é, após o cumprimento da obrigatoriedade da medida socioeducativa, o abandono - tal como antes de o aluno cometer algum delito - voltar a ocorrer. "A maioria tem um histórico de fracasso escolar. Portanto, é preciso mostrar que a escola ajudará a crescer se o jovem continuar nela", afirma Roberto da Silva, livre docente da Universidade de São Paulo (USP) e especialista no tema.

Para ele, a matrícula na Educação de Jovens e Adultos (EJA) tem sido uma medida eficaz, principalmente para aqueles que apresentam grande defasagem idade/série. É o que tem procurado Sílvia do Rocio Callegarin, coordenadora pedagógica do Centro de Referência Especializada de Assistência Social de São José dos Pinhais, a 14 quilômetros de Curitiba. Em parceria com Elizete Maria Moleta Fuggiatto, diretora do Centro Estadual de Educação Básica de Jovens e Adultos (Ceebja), ela insere os jovens em aulas noturnas. Ali, eles recebem um acompanhamento individualizado, no contraturno. "Todos se sentem mais integrados ao ter contato com pessoas mais velhas, que trabalham, têm família e, com isso, servem de estímulo e exemplo", comenta Elizete.

O que diz a lei

Tanto a Constituição Federal de 1988 como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) preveem a aplicação de medidas socioeducativas a jovens autores de atos infracionais. Elas são atribuídas a adolescentes entre 12 e 18 anos e podem ser cumpridas em meio aberto (com uma advertência, a obrigação de reparar o dano, a prestação de serviços à comunidade e a liberdade assistida) ou em meio privativo de liberdade (na semiliberdade ou na internação). Apesar de não serem compreendidas como penas e apresentarem caráter predominantemente educativo, elas obrigam o adolescente ao seu cumprimento, sujeitando-o, inclusive, às sanções previstas no ECA. Isso significa que, se ele está cumprindo uma medida em meio aberto e comete algum ato infracional, pode ser encaminhado para internação ou ter um prolongamento da medida.

Juntamente com as ações socioeducativas também são instituídos os procedimentos de proteção, que incluem acompanhamento familiar, psicológico e pedagógico. É com base nessa obrigatoriedade que os adolescentes são matriculados nas unidades de ensino. "Se uma escola não cumpre essa regra, a família ou a equipe responsável pela aplicação da medida pode entrar em contato com o Ministério Público e solicitar a vaga judicialmente", explica Siro Darlan. Para crianças com menos de 12 anos, são previstas apenas medidas de proteção. "A dificuldade em fazer as matrículas permanece, já que muitas estão afastadas da família e sob a proteção do Estado. Porém o procedimento para lidar com elas na escola é o mesmo", afirma Sílvia Callegarin.

Quer saber mais?

CONTATOS
Centro Estadual de Educação Básica de Jovens e Adultos, tel. (41) 3035-1245
EE Dom João Crisóstemo, tel. (81) 3439-9828
EE São Pedro, tel. (11) 4335-9235