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Assembleia escolar: a vez e a voz dos alunos

Diretora do interior de São Paulo ganha Prêmio Victor Civita 2012 ao abrir espaço à participação das crianças na gestão da escola

POR:
Aurélio Amaral
Diretora do interior de São Paulo ganha prêmio ao abrir espaço à participação das crianças na gestão da escola. Foto: Raoni Madalena

Até o ano passado, os alunos da EMEF Francisco Cardona, em Artur Nogueira, a 142 quilômetros de São Paulo, sentiam-se incomodados com algumas coisas que lá aconteciam. Alguns professores se atrasavam para entrar na classe e era uma bagunça só até todas as turmas se acalmarem. Uma funcionária tratava mal as crianças e era ríspida com elas. A conversa de adultos nos corredores às vezes atrapalhava a aula, fazendo com que os alunos perdessem a concentração. Não havia colchonetes para fazer alongamento na aula de Educação Física, obrigando as crianças a deitar no chão frio.

Esses e outros problemas somente vieram à tona depois que a diretora, Débora Sacilotto, incorporou na rotina da escola a realização de assembleias em todas as turmas. Na verdade, o que a motivou a implantar esse procedimento foi outra questão, não menos importante: ela visava diminuir os conflitos de relacionamento entre os alunos dentro da sala de aula - e que, fatalmente, iam parar na direção. "Queria que os professores adquirissem mais liderança e autonomia para resolver as pequenas brigas dialogando com as crianças. Porém o projeto tomou uma dimensão maior e hoje a participação de todos é uma importante aliada na gestão da escola", afirma a diretora. Por esse trabalho, que mudou a realidade da Francisco Cardona e o relacionamento interpessoal de alunos e professores, Débora foi escolhida Gestora Nota 10 no Prêmio Victor Civita deste ano (leia o perfil de Débora no quadro na última página).

Diretora do interior de São Paulo ganha prêmio ao abrir espaço à participação das crianças na gestão da escola. Foto: Raoni Madalena

 

Diretora do interior de São Paulo ganha prêmio ao abrir espaço à participação das crianças na gestão da escola. Fotos: Raoni Madalena

 

Diretora do interior de São Paulo ganha prêmio ao abrir espaço à participação das crianças na gestão da escola. Fotos: Raoni Madalena

 

Projeto reconheceu e valorizou experiência de uma docente

A ideia de fazer assembleias partiu de Ariane Tagliaferro Molina, professora do 1º ano. Ela havia feito um estágio na Escola Comunitária de Campinas, a 95 quilômetros de São Paulo, onde a iniciativa tinha dado bons resultados. Débora acatou a sugestão e assistiu a uma experiência feita por Ariane com sua turma. Ela ficou impressionada com a quantidade e a qualidade das questões levantadas. Buscou então referências teóricas e elaborou, junto com a vice, Viviane Fernandes, e as coordenadoras pedagógicas, Daniele Mangabeira de Jesus e Regiane Aparecida Misson Boel, um projeto institucional audacioso. "Uma gestão democrática requer a revisão do conceito de autoridade dos educadores", afirma Ana Benedita Brentano, selecionadora da Categoria Gestor do Prêmio Victor Civita - Educador Nota 10 em 2012.

Houve toda uma preparação da equipe antes da implantação dos fóruns de debate. Nos encontros de formação, as coordenadoras trabalharam o livro Assembleia Escolar: Um Caminho para a Resolução de Conflitos, de Ulisses Ferreira de Araújo, para discutir o conceito de assembleia e os cuidados na hora de coordená-la em sala de aula. Também foi analisado um documentário sobre a prática desenvolvida na Escola Comunitária de Campinas.

Funciona assim: antes de cada discussão, os alunos escrevem bilhetes e os depositam em envelopes. O professor lê antecipadamente e coordena a discussão em sala de aula. O que é possível, resolve-se ali mesmo com uma votação. O restante é encaminhado à direção. Quando as mensagens começaram a chegar às mãos de Débora, ela percebeu que o foco do projeto deveria ser ampliado (conheça algumas conquistas dos alunos na próxima página). Grande parte das críticas e sugestões ia além das atitudes dos colegas e envolvia também professores e funcionários, exigindo da diretora habilidade na gestão da equipe. Exemplo: o desperdício de comida. Para resolver isso, foram necessárias reuniões com as merendeiras. Ficou decidido que os alunos passariam a se servir sozinhos, escolhendo assim o que comer e em que quantidade. "Houve receio de que a sujeira no espaço aumentasse. Precisei então mostrar o lado bom que a mudança traria para todos", explica Débora. As funcionárias aprimoraram a ideia criando uma tabela de desperdício, que passou a servir de instrumento de avaliação da qualidade do cardápio.

No caso da funcionária ríspida, Débora recorreu à Secretaria de Educação depois de esgotar todas as possibilidades de orientação: "Já havíamos registrado ocorrências sobre ela anteriormente, contudo a servidora somente foi realocada quando o secretário leu as mensagens escritas pelos próprios alunos".

Ler com antecedência os bilhetes permite ao professor se preparar para situações imprevisíveis. "Quando abrimos espaço para opinar livremente, estamos sujeitos a receber todo tipo de comentário, inclusive críticas a nós mesmos", afirma Camila Natalia Prado dos Santos, professora do 2º ano. Afinal, todas as mensagens têm uma motivação e deflagram um problema que não pode ser ignorado.

Certa vez, uma aluna desabafou em um bilhete que tinha dificuldade em fazer amigos. A professora Gabriela Carlstom abordou na assembleia o hábito de formar panelinhas. Logo, outras crianças se manifestaram. No fim da reunião, a turma concordou em buscar ser amigos de todos e não apenas de alguns.

Para ajudar os professores a ter jogo de cintura, a equipe gestora instituiu também a assembleia docente. Nessas reuniões mensais, eles se colocam no lugar dos alunos e passam pela experiência de elaborar e ouvir sugestões e críticas sobre o relacionamento entre seus pares. O horário dos conselhos de classe mudou - eles eram feitos durante os encontros de formação - e o registro de ponto de todos os professores foi unificado.

O atendimento às questões levantadas pelos alunos teve eco nas classes. Afinal, a equipe gestora percebeu que muitos conflitos tinham como causa a própria gestão. A dispersão no começo das aulas acabou quando os professores passaram a ser mais pontuais. A concentração dos estudantes aumentou com o fim das conversas dos adultos nos corredores. E as brigas entre as crianças, motivo que desencadeou o projeto? "Hoje raramente os professores mandam alunos para a diretoria", conta Débora.

O próximo passo é criar uma assembleia de pais, aproveitando as reuniões do conselho escolar e da Associação de Pais e Mestres. Débora já colocou envelopes destinados a sugestões e críticas na entrada para que as famílias deem opiniões. Tomara que, com base nelas, surjam novas ideias para melhorar - ainda mais - a rotina da Francisco Cardona.

As conquistas dos alunos

As críticas e sugestões feitas nas assembleias levaram a uma série de mudanças. Fotos: Raoni Madalena

As críticas e sugestões feitas nas assembleias levaram a uma série de mudanças:

- Afastamento de uma funcionária que recebia críticas pela falta de polidez.

- Substituição da água sanitária por produtos de limpeza com cheiro menos forte.

- Conservação e limpeza mais frequente dos banheiros.

- Substituição das torneiras do refeitório.

- Cardápio mais variado.

- Desligamento das luzes da quadra de esportes durante o dia.

- Redução do barulho nos corredores e no pátio.

- Reabertura da sala de informática.

- Introdução de novas brincadeiras na hora do recreio, como pular corda e pebolim.

Debate organizado
Para discussões frutíferas, algumas regras básicas:

- A pauta deve agrupar e hierarquizar os temas para discutir de uma só vez aqueles que sejam parecidos.

- Um assunto nunca pode ser excluído da pauta, sob pena de o aluno que o sugeriu não se sentir contemplado e ficar apático em relação à assembleia.

- Alunos e professores sentam em roda, no chão ou em cadeiras da mesma altura para que todos fiquem em posição de igualdade.

- Após a leitura da sugestão ou crítica, os participantes apresentam as soluções e os encaminhamentos. Logo depois, realiza-se uma votação para deliberar.

- Os autores não precisam assinar os bilhetes.

- As críticas não podem conter nomes, para evitar a exposição de colegas ou funcionários. Elas devem ter como foco sempre as atitudes, e nunca as pessoas.

- O tom das mensagens é sempre propositivo.

- O professor registra os encaminhamentos em ata e pede que os alunos assinem o documento, reforçando o comprometimento com as regras.

Quem é Débora

Débora Del Bianco Barbosa Sacilotto. Foto: Raoni Madalena

Débora Del Bianco Barbosa Sacilotto nasceu em Campinas e foi criada em Artur Nogueira. Quando criança, não pensava em ser professora. No entanto, por recomendação da mãe, decidiu fazer o Magistério. Aos 16 anos, começou a dar aulas em uma escola particular na cidade e logo se apaixonou pela profissão. "Ainda bem que eu segui o conselho. Mãe nunca erra, não é?" Em 1994, passou no concurso da Secretaria Municipal de Educação da cidade. Cinco anos depois, lecionou durante algum tempo na EMEF Francisco Cardona, porém saiu para assumir a coordenação pedagógica e a direção de outras unidades da rede. Para lá voltou em 2011 como gestora. Nesse meio tempo, nunca parou de estudar - nem quando nasceram Augusto e Tiago, seus filhos, com 10 e 6 anos, respectivamente. Além de Pedagogia, Débora concluiu duas pós-graduações - em Educação Especial e em Gestão Escolar. O próximo desafio, que ela acaba de começar, é um MBA também em Gestão Escolar. Hoje com 39 anos, a gestora tem clareza do seu papel: "Tenho de garantir condições para que todos os alunos da escolas e tornem pessoas cada vez melhores".

Quer saber mais?

BIBLIOGRAFIA
Assembleia Escolar: Um Caminho para a Resolução de Conflitos, Ulisses Ferreira de Araújo, 104 págs., Ed. Moderna, tel. 0800-172-002

CONTATO
EMEF Francisco Cardona, tel. (19) 3827-2921 

INTERNET
Download gratuito do documentário Assembleias Escolares
, Roberto Machado, 2005, 33 min., TV Escola 

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