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Blog Aluno em Foco

Questões sobre orientação educacional, ética e relacionamentos na escola

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Escola é lugar de punição?

Qual é a Educação que transforma: a que adestra ou a que provoca reflexão, autorregulação e implicação na vida social?

POR:
Flávia Vivaldi

Foto: Shutterstock

Precisei de alguns dias para digerir e trazer para a reflexão a seguinte reportagem: “Lei obriga aluno que não se comporta a lavar o banheiro da escola”. Veiculada pelo “Jornal Nacional” no final de setembro, ela trata sobre um projeto piloto desenvolvido em uma escola municipal de Campo Grande que resolve casos de “indisciplina” por meio de punições. A proposta virou lei e, hoje, todas as instituições da cidade “são obrigadas a aplicar medidas educativas para quem comete alguma infração no ambiente escolar”.

Confesso a vocês que a notícia me desestabilizou! Não em função das teorias que utilizamos para fundamentar nosso trabalho, mas pelo temor sobre o que está por trás desse projeto: a convicção de que o controle se dá pela punição.

Ao ler a matéria fiquei ainda mais preocupada por constatar que a iniciativa partiu da Promotoria da Infância e da Juventude. Isso nos leva a supor que a escola, de fato, não sabe mais o que fazer e precisa recorrer a instâncias externas.

Outro ponto que me chamou a atenção foi a explicação do promotor: “Dentro desse programa, com a força dessa lei, nós aplicamos [a punição] quase que imediatamente. Dentro de 48 horas, no máximo, o aluno está sendo levado a uma ação pedagógica, para reparar esse dano (sic)”. Fica evidente, por meio dessa fala, que a própria promotoria tem ideias absolutamente contrárias àquelas que defendemos em relação às sanções favoráveis para o desenvolvimento da autonomia. Como assim ação pedagógica para reparar? Elas só seriam pedagógicas se estivessem relacionadas ao dano causado, havendo, portanto, a força da reciprocidade em sua aplicação.

Além disso, também é extremamente questionável a escolha da punição, uma vez que ao qualificar a limpeza da instituição como punição aos infratores, considera-se  essas tarefas, ou até os responsáveis por elas, como inferiores – afinal, se não fossem vistas dessa maneira, não seriam as escolhidas para castigar. É lastimável! Enquanto países como o Japão trabalham para a formação integral do ser humano, incluindo no currículo, desde a Educação Infantil, as tarefas de limpeza dos ambientes coletivos como uma responsabilidade de todos, no Brasil temos atitudes como essa, que deslocam uma atividade que deveria ser compartilhada para o lugar da PUNIÇÃO.

Eu não tenho dúvidas de que há por parte dos envolvidos – instituições de ensino e promotoria – boas intenções. No mínimo, visam oferecer para a comunidade escolar um ambiente menos conflituoso e desrespeitoso. O que me causa inquietação é o significado de atitudes como essas, ou seja, o fato de ser um trabalho mais voltado para obediência do que para a autorregulação. E isso nem sempre é levado em conta pelos órgãos competentes. Minha sensação é de estar fazendo uma viagem ao passado, quando o lema da Educação era a obediência e o cumprimento das convenções sociais.

Diante disso, me surgem diversas perguntas: Queremos ou não uma transformação social? Acreditamos ou não na Educação como possibilidade de mudança? Qual é a Educação que transforma: a que adestra ou a que provoca reflexão, autorregulação e implicação na vida social?

Com todo o respeito às instituições que estão legalizando a punição das infrações nos ambientes escolares, mas quando nem elas têm o conhecimento sobre os diferentes tipos de conflito, de maneira que classificam todos eles como indisciplina, concluo que se deseja mais do que tudo a disciplina no sentido stricto: submissão e obediência à autoridade.

Desse jeito, não há como alcançar, como todos nós almejamos, o objetivo de formar sujeitos autônomos, críticos e engajados com as diferenças sociais. O máximo que conseguimos é a manutenção da heteronomia. E o que isso significa? Que os sujeitos serão guiados pelas consequências e/ou recompensas provenientes de seus atos, ou seja, agirão por interesse e não em nome dos princípios morais necessários à convivência humana respeitosa. Veja aqui os tipos adequados de sanção.

Defendo, portanto, que as escolas tenham clareza  sobre os objetivos expressos nos discursos e documentos oficiais, compreendam como eles se relacionam com os princípios da instituição e reflitam sobre a coerência entre eles e as ações desenvolvidas.

E você, o que acha dessa lei que está em vigor em Campo Grande? Ela está de acordo com o que você defende para a escola? Participe desse debate!

Cumprimentos mineiros e até a próxima sexta-feira!

Flávia Vivaldi