Nos últimos dias, temos acompanhado pelo noticiário e pelas redes sociais as inúmeras ocupações realizadas pelos estudantes de escolas estaduais de São Paulo, na tentativa de serem ouvidos e respeitados após o governo anunciar o fechamento de 94 instituições. A medida é resultado da nova organização da rede que passará a contar com mais unidades de ciclo único e vai exigir a realocação de mais de um milhão de alunos.
A reação das autoridades às atitudes dos jovens, no entanto, ilustra algo absolutamente real e perverso: a hipocrisia dos discursos das políticas públicas de Educação em formar cidadãos críticos, participativos e autônomos.
Quero deixar clara que a intenção aqui é refletir sobre a forma como está sendo conduzida a atual proposta de reorganização das escolas públicas paulistas e não sobre a proposta em si. Em outras palavras, nosso foco não é avaliar se essa iniciativa da Secretaria de Educação do Estado vai impactar na melhoria da qualidade do ensino, mas sim analisar como o processo tem se desenrolado, desde a divulgação da decisão até os protestos de alunos, famílias e professores.
Tenho insistido em nossas reflexões sobre a necessidade de oferecer espaços efetivos de participação de toda a comunidade escolar para a discussão e vivência de temas de interesse comum e favoráveis à humanização das relações: igualdade de direitos, respeito mútuo, existência de regras pautadas prioritariamente na equidade, entre outros.
O que vemos, contudo, é que bastou surgir uma oportunidade para que a cidadania, tão enfatizada nos discursos e documentos oficiais, saísse do papel para que a realidade, despida do politicamente correto, mostrasse toda sua essência e natureza, a hipocrisia e a incoerência. Sem que se recorresse a nenhum mecanismo democrático e participativo, famílias, estudantes e educadores foram friamente comunicados acerca das mudanças que devem começar a vigorar em 2016.
As mudanças afetam diretamente a todos os segmentos, uma vez que, como dissemos acima, parcelas significativas de estudantes e professores mudarão do local onde estudam ou trabalham para outro que ainda desconhecem. Só isso já seria suficiente para gerar desconforto. Afinal, será preciso readaptar as dinâmicas pessoais, profissionais e familiares. Mas o incômodo vai além das particularidades de aluno ou educador! A dimensão do pertencimento, extremamente relevante na constituição de um clima escolar favorável, foi totalmente ignorada e desconsiderada.
Inúmeras estratégias participativas poderiam legitimar as mudanças em curso. Fóruns para compreender e debater as mudanças e reuniões regionais com representantes de todos os segmentos são alguns modelos que certamente auxiliariam nesse momento de transição. Ainda que não houvesse espaço para que a proposta fosse recusada, certamente os desastrosos efeitos causados pela imposição e falta de diálogo teriam sido minimizados se a visão dos envolvidos (estudantes, famílias, funcionários, professores, gestores etc.) tivesse sido acolhida. Abrir espaços democráticos de discussão não só fortalece o pertencimento como também o autorrespeito de quem vê reconhecido, no mínimo, seu direito de expressão. Acredito, sem dúvida, que mais uma vez, os governantes perderam uma grande oportunidade do exercício democrático! Oxalá a violência não se apodere dos próximos episódios!
Mas nem tudo está perdido! Os jovens têm mostrado capacidade de mobilização e organização por meio da ocupação das escolas, a única saída que encontraram para se tornarem visíveis. Temos insistido em uma Educação que garanta aos alunos um protagonismo que lhes permita exercitar a criticidade e a reflexão. Dar protagonismo aos estudantes é confiar em sua capacidade de responder com responsabilidade sobre sua própria atuação como agente social. Exatamente o que centenas de jovens estão demonstrando nesse episódio em que, espontaneamente, ocuparam o espaço de protagonistas de uma causa que não deve ser somente deles, mas de todos nós que buscamos uma sociedade mais justa e participativa. Algumas horas antes da publicação deste post, tivemos a notícia de que o governo estadual estaria recuando e suspendendo temporariamente a reorganização “tão logo os jovens desocupassem as escolas”. Uma vitória? Nem tanto. Na minha opinião, foi uma atitude para acalmar os ânimos e tentar fazer o que deveria ter sido feito com muita antecedência: ouvir as partes interessadas e, quem sabe, acatar parte das propostas vindas das comunidades diretamente afetadas pelas futuras mudanças. Tomara que isso, de fato, aconteça!
De qualquer forma, reitero meu respeito e orgulho pelo trabalho das instituições que não se curvam ao modelo de reprodução das desigualdades e, de fato, investem em uma Educação cidadã.
E vocês, colegas? O que pensam sobre as manifestações dos estudantes quanto a esta pauta? Há um debate sobre esse tema na sua instituição? Compartilhe conosco!
Cumprimentos mineiros e até a próxima sexta-feira!
Flávia Vivaldi