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Blog Aluno em Foco

Questões sobre orientação educacional, ética e relacionamentos na escola

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A cegueira social de nossos jovens

POR:
Flávia Vivaldi

Foto: Shutterstock

Estava eu em frente a uma escola de São Paulo exatamente no horário de saída dos alunos de Ensino Médio e, é claro, meu olhar de pesquisadora se aguçou, buscando perceber nas atitudes dos jovens as características mais presentes nessa etapa do desenvolvimento. Certamente pela proximidade do final do ano letivo e dos vestibulares, as conversas entre os estudantes giravam em torno das provas, resultados, temor da recuperação e, evidentemente, do cansaço, visível na fisionomia da grande maioria dos alunos que por mim passava.

De repente, uma perua (Kombi), carregada de caixas de verduras que subia aquela rua, começou a ter problemas, a falhar e… parou. O trânsito de São Paulo – que não precisa de nenhum incidente para ser naturalmente intenso – com a parada da Kombi, começou a se complicar ainda mais. Nesse momento minha expectativa girava em torno de quem seriam as pessoas a ajudar aquele homem (o motorista da Kombi). Mas a cena que me chamou a atenção foi a de dois jovens que estavam bem próximos de mim.

Um deles, vendo toda a situação (dificuldade do motorista, trânsito parando…) grita repetidas vezes o nome do colega na tentativa de encontrar companhia para auxiliar. Entretanto, o garoto demora tanto em atender às solicitações do amigo que, quando se volta para o companheiro, a Kombi já estava devidamente estacionada porque, passados alguns minutos, em meio ao barulho das buzinas e de n tentativas de dar partida no motor, alguns pedestres se mobilizaram para ajudar a empurrar o carro até o acostamento para que o trânsito fosse liberado. Enquanto o rapaz que nem sequer havia prestado atenção ao tumulto gerado pela Kombi diz: “O que foi?”, seu colega, ainda desconcertado, deixa escapar: “Puxa, ele precisava de ajuda! Estou me sentindo mal!”.

Então vamos lá! O que está em pauta é uma atitude de generosidade e solidariedade que não se consolidou porque a necessidade da adesão de um par foi mais forte. O tempo que o jovem perdeu chamando insistentemente o colega seria mais do que suficiente para que pudesse ter ajudado a empurrar a Kombi. No entanto, o que me chamou a atenção foi justamente a hesitação do rapaz! Era como se precisasse ter um amigo junto para que acreditasse que a coisa certa a fazer era ajudar. Estamos falando da força e lugar do valor moral – generosidade/solidariedade – na personalidade daquele rapaz. Embora tais valores estivessem presentes, não se mostraram centrais e fortes o suficiente para mobilizar aquele jovem. Quando ele confessa para si mesmo que se sentia mal por não ter colaborado, fica evidente a presença dos valores morais referentes à ajuda ao próximo, em sua personalidade. Embora eu esteja focando especificamente os dois jovens, não significa que outras dezenas deles, presentes na cena, também sofressem, naquele momento, de uma cegueira social. Afinal, nenhum dos adolescentes se mobilizou para auxiliar (muitos nem sequer perceberam o problema).

E vocês podem indagar: “Típico dos adolescentes: centrados em si!”. Sim, a centração na adolescência é, de fato, muito forte. Mas é também da adolescência a crença de “temos solução para tudo e salvaremos o mundo”, ou seja, uma ideologia social.

O propósito de trazer para nosso espaço de discussão aquele episódio é usá-lo para levantar algumas hipóteses e formular perguntas importantes para o trabalho de educação. Será que a educação tem garantido espaço para o exercício das virtudes? Ou, no mínimo, para debatê-las? Será que o trabalho com o conhecimento, com o raciocínio intelectual, não tem auxiliado o raciocínio moral? Será que, para uma educação transformadora, raciocínios morais mais evoluídos (que possam motivar ações morais) não são importantes? Será que educação de qualidade se restringe a viabilizar o ingresso dos jovens em renomadas universidades? Seguramente, entre aqueles alunos, muitos estarão nas universidades no ano de 2016. Mas, sabemos, somente o avanço intelectual não garante evolução moral do ser humano. E o que me parece consenso entre nós é que nosso trabalho também favoreça a formação de um ser humano qualitativamente melhor e não somente do ponto de vista intelectual. Sendo assim, vale nos preocuparmos com isso!

Nossos jovens têm vivenciado nas escolas momentos de reflexão e ação moral? Agora é sua vez: deixe sua contribuição para nossas discussões.

Cumprimentos mineiros e até a próxima sexta!

Flávia Vivaldi