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Pai não se compromete a corrigir atitude violenta do filho. Como agir?

POR:
Joelma Souza
Chame os pais à responsabilidade. Mas se a família não fizer nada, peça ajuda à Assistência Social. (A imagem não mostra os envolvidos no caso narrado.) Foto: Gabriela Portilho

Chame os pais à responsabilidade. Mas se a família não fizer nada, peça ajuda à Assistência Social. (A imagem não mostra os envolvidos no caso narrado.) Foto: Gabriela Portilho

Mariana, do quinto ano, pediu licença e entrou em minha sala segurando uma mochila danificada. Com os olhos marejados, a menina me contou que estava enchendo sua garrafinha no bebedouro quando os colegas Roberto e Marcelo puxaram a bolsa com tanta força que a fizeram cair de costas no chão. Para piorar, romperam a alça de lona resistente da bolsa, um presente dado por sua mãe há poucas semanas.

Os nomes são fictícios, mas o caso realmente aconteceu. Na ocasião, pedi a um auxiliar de Educação que averiguasse a história, e uma das serventes confirmou que viu tudo. Na hora, a funcionária chamou a atenção dos meninos, que saíram do local rindo do que ocorrera.

Contei até 100, porque dez segundos eram poucos para eu me acalmar. Trouxe os alunos envolvidos para minha sala e pedi a eles que esclarecessem o ocorrido. Os meninos deram explicações estapafúrdias, até que o Marcelo acabou falando que tudo não passava de uma simples “brincadeira”.

Dessa vez contei até 150… Respirei fundo e mostrei para as crianças a gravidade de tal “brincadeira”. Entreguei a eles a mochila rasgada, vazia, e solicitei uma solução. Passados 40 minutos, fui até o refeitório onde os dois quebravam a cabeça. Os meninos concluíram que não havia jeito a não ser comprar outra mochila. Pesquisei o preço, descobri que o valor aproximado era de R$ 30 e avisei os dois que chamaria seus pais para expor o ocorrido.

Até aqui tudo bem! Os alunos aparentemente aprenderam a lição e pediram desculpas à Mariana. A segunda etapa é que foi difícil!

Convoquei os pais em horários diferentes e expliquei o acontecido, evidenciando a agressividade da brincadeira. O pai do Roberto ficou estarrecido e prometeu que tomaria providência para corrigi-lo. Pediu desculpas, deixou a metade do valor da mochila e disse que era o mínimo que poderia fazer no momento.

O pai do Marcelo agiu de maneira completamente oposta. Disse que não tinha nada a ver com a atitude do menino e afirmou – com um sorriso discreto no rosto – que seu filho era daquele jeito mesmo. Foi minha vez de ficar estarrecida…

Fitei aquele senhor alto e forte sentado à minha frente e pensei: “Meu Deus, quais conceitos de vida este homem passa para o seu filho?”. Retomei o assunto dizendo que seu filho havia puxado a mochila com tanta força que a alça tinha se rompido e a colega, caído, correndo o risco de se machucar gravemente. Antes de terminar o assunto, o pai disparou: “Eu não vou pagar nada não. O problema é de vocês!”. Olhei bem nos olhos dele e disse que o problema não era o dinheiro, mas a atitude cometida. O homem não disse uma só palavra.

Aproveitei esse momento e combinei com o pai para que dissesse ao Marcelo que havia pagado metade do valor da mochila, explicasse que não gostara de sua atitude e dissesse que aquela era uma brincadeira de muito mau gosto. O pai aceitou mentir para seu filho. Agradeci sua presença e mais uma vez reforcei que contaria com a participação dele.

Quando ele saiu, a decepção me atingiu em fração de segundos. Durante 30 anos de trabalho em escola pública, jamais pensei em pedir a um pai para mentir. Muito menos para fingir ter tomado uma conduta que, em minha opinião, seria de praxe.

Confesso que essa decepção me acompanhou por um bom tempo. Nessa situação, reaprendi que mudar é difícil, mas não impossível. Transferi a esse pai uma experiência formadora, uma conduta que já deveria acontecer. Ele sabia que precisava ter com o filho a postura que indiquei, por isso se calou e aceitou mentir.

Eu diria que minha atitude foi o mínimo a fazer. A escola deve tentar chamar os pais à responsabilidade de todas as maneiras. Mas qual é o limite? Quando a violência do aluno persiste e a família nada faz, sou obrigada a encaminhá-los ao Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), que nessas horas ajuda e muito. O Centro oferece uma rede de apoio à família, com assistentes sociais, médicos e psicólogos. Outro órgão útil é o Conselho Tutelar, já bem conhecido pelos educadores.

Ah, e como terminou a história? A escola ofereceu o valor da outra metade, compramos a mochila e fiz os meninos entregarem para a Mariana. Soube pelo Marcelo que o pai lhe chamou a atenção e afirmou ter desembolsado R$15 para comprar o produto.

E vocês, diretores? Já passaram por isso alguma vez? Conte-nos sua experiência.

Um grande abraço

Sonia Abreu