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A cada idade, um sono

Crianças ficam alertas logo cedo, jovens têm dificuldade de acordar. Por que não adaptar as aulas levando em conta esses ritmos biológicos?

POR:
Beatriz Santomauro
=== PARTE 1 ====
A cada idade, um sono. Rafael Salimena

"A organização da escola favorece a privação do sono e o excesso de sonolência em sala de aula e costuma-se lidar com as repercussões disso de maneira punitiva, sem buscar compreender ou mudar algo", diz o neurocientista Fernando Louzada, professor do Departamento de Fisiologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Os horários usuais estão relacionados aos hábitos das famílias e às regras das instituições, mas desrespeitam os ritmos biológicos. O pesquisador explica que há uma estreita relação entre o desempenho cognitivo e o ciclo de vigília e sono de cada ser humano e que isso, portanto, deveria receber uma análise mais cuidadosa dos educadores. "Essa mudança não tem custo, tem impacto imediato e permite algo básico: que os estudantes durmam quanto necessitam", diz. Ele sugere, por exemplo, que as aulas iniciem às 8 horas e que as escolas tenham maior flexibilidade para respeitar as especificidades de cada pessoa. "Que tal fixar uma carga horária comum entre 9 e 12 horas, mas oferecer aulas que começam mais cedo e outras que vão até mais tarde? Acredito que seja apenas uma questão de estabelecer prioridades e organizar os espaços e os funcionários", completa.

A soneca da tarde na Educação Infantil

No Centro Educacional Brandão, os alunos de até 6 anos têm a possibilidade de tirar uma soneca. Foto: Kriz Knack
Respeito ao relógio No Centro Educacional Brandão, os alunos de até 6 anos têm a possibilidade de tirar uma soneca

Os hábitos mudam de acordo com a idade. O bebê dorme durante poucas horas seguidas e também durante o dia e, conforme cresce, vai concentrando o descanso à noite. Apesar disso, por volta dos 6 anos, muitas crianças ainda têm necessidade de uma soneca à tarde. Mas nem todas as escolas criam condições para isso.

Era assim também no Centro Educacional Brandão, na capital paulista, onde as crianças de 4 a 6 anos ficavam o período integral sem dormir. O sono era previsto apenas para aquelas até 3 anos. Enquanto educadores e alguns pais notavam que elas ficavam cansadas e que seria melhor se descansassem depois do almoço, outros responsáveis diziam que isso prejudicaria o repouso dos pequenos à noite e que os filhos estavam ali para estudar. "A discussão era sempre a mesma, não conseguíamos avançar. Então, fomos procurar ajuda fora da instituição, para ter outras referências e saber responder melhor os argumentos que apareciam", lembra Marta Brandão, diretora da instituição.

Conversando com os estudiosos sobre ritmos biológicos Luiz Menna-Barreto, da Universidade de São Paulo (USP), e Louzada, que juntos escreveram o livro O Sono na Sala de Aula - Tempo Escolar e Tempo Biológico (144 págs., Ed. Vieira & Lent, tel. 21/2262-8314, 23 reais), Marta compreendeu que as crianças da Educação Infantil e do 1º ano ainda estão num processo de amadurecimento dos horários de sono e que a maior parte delas necessitaria do descanso. Resolveram fazer uma parceria durante um ano e analisar como os pequenos se portavam em dias com e sem cochilo.

Nos primeiros seis meses, os educadores e os pesquisadores observaram as turmas com a programação habitual. "Elegemos itens importantes do ponto de vista pedagógico, como atenção, concentração e persistência para as atividades, e definimos momentos em que esses pontos seriam avaliados", conta Marta. As famílias também foram envolvidas, acompanharam os momentos de pico de sono nos finais de semana e fizeram diários indicando a hora em que os filhos iam para a cama e acordavam. Nos seis meses seguintes, a rotina foi organizada para incluir uma hora de descanso depois do almoço para as turmas de 4 a 6 anos. Aqueles que quisessem, poderiam dormir em colchões dispostos no chão da sala de aula e os demais fariam atividades tranquilas, como a leitura em almofadas. "Percebemos uma grande melhora na disposição à tarde e o trabalho passou a render mais. Aprendemos que para garantir o repouso o ambiente não precisa de grandes transformações. Não é necessário deixar as salas absolutamente escuras nem silenciosas, basta manter o local calmo e com luz baixa", explica Marta. Os pais também ficaram satisfeitos e contaram que no fim do dia, no caminho para casa, as crianças não cochilavam como antes e conversavam. À noite, dormiam da mesma maneira.

Finalizada a pesquisa, a mudança foi incorporada e a diretora notou que as informações levantadas no estudo se confirmaram: quanto mais velhas as crianças, menor é a necessidade de sono. Enquanto quase todas as de 4 anos dormem, isso diminui quando fazem 5 anos, e, nas turmas de 6 anos, a maioria fica acordada.

=== PARTE 2 ====

A preguiça matinal dos adolescentes

"Uma das mudanças que veem com a puberdade diz respeito aos horários, é o atraso de fase. Os adolescentes dormem tarde e também acordam mais tarde do que antes. Para alguns, é muito mais difícil ir para a cama às 22 horas, por exemplo", explica Louzada. Rosangela Macedo Moura notou isso quando assumiu a direção da EE Francisco Brasiliense Fusco, na capital paulista. Às 7 horas, quando as aulas começavam, apenas metade dos alunos do 6º ao 9º ano e do Ensino Médio estava nas classes. Entre 8 e 9 horas, os que chegavam atrasados se aglomeravam no portão e ingressavam para a segunda e a terceira aulas. "Era um absurdo, todos deveriam estar presentes no início das atividades! Resolvi proibir a entrada fora de hora", conta. O número de faltas passou a aumentar, dia após dia, e ela viu que precisava pensar em outra solução. Sabendo que a justificativa era que os estudantes não conseguiam acordar cedo, propôs uma troca de turno: as turmas de 1º ao 5º anos passariam a estudar de manhã e os maiores, à tarde e à noite. "Alguns comemoraram, outros reclamaram, dizendo que a organização da escola sempre tinha sido aquela, que bastaria a turma deixar de preguiça. Então, eu propus uma votação para os pais. Fiz forte campanha pensando naquilo que acreditava ser melhor para meus estudantes. Sabia que mudaria a rotina de professores e funcionários, mas achei que seria mais adequado para o conjunto", conta. Por quatro votos de diferença, a alteração de turnos ganhou.

No ano seguinte, os pequenos do 1º ao 5º anos já começaram cedinho e no pique total e os maiores, então, conseguiram chegar na hora e ter mais atenção para realizar as atividades. Agora, existe a possibilidade de o ensino integral ser instituído para o Ensino Médio. Nesse caso, a diretora já tem uma ideia: "As aulas podem funcionar das 12 às 19 horas ou algo próximo a isso, por que não?".

Confirmando o que Rosangela notou, Márcia Finimundi Nóbile analisou o desempenho de estudantes de cinco instituições públicas (cerca de 900 alunos) dos ensinos Fundamental e Médio de Farroupilha, cidade a 111 quilômetros de Porto Alegre, e escreveu os resultados na tese de doutorado defendida em 2012 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). No início, ela classificou cada criança e adolescente como matutino e vespertino, conforme o período em que tinha melhor desempenho. Observou que havia mais matutinos entre os mais próximos dos 11 anos e que quanto mais próximo dos 17 anos, melhor a atuação à tarde. "Com 11 e 12 anos, os matutinos que estudavam pela manhã apresentaram desempenho superior aos matutinos que estudavam à tarde. Aos 16 anos, esse predomínio se inverteu. Conclusão: os mais jovens tendem a ser mais matutinos", diz.

Como o sono é uma das variáveis que podem interferir no processo de ensino e aprendizagem, cabe à escola repensar de que maneira pode distribuir as atividades e se ajustar às necessidades dos estudantes. Porém, por ter um impacto assim grande na vida de alunos, professores, funcionários e famílias, mudanças como essas não podem ser feitas de uma hora para outra. "Antes de qualquer alteração, é essencial discutir com a comunidade, mostrar as razões e conscientizar todos", diz Louzada.

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