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Antônio Augusto Gomes Batista fala sobre escola e famílias

Para o pesquisador do Cenpec, a escola precisa acolher os pais para entender os códigos e valores deles

POR:
Karina Padial
Antônio Augusto Gomes Batista. Foto: Zé Carlos Barretta
Antônio Augusto Gomes Batista

Parte de uma investigação ampla sobre o impacto das desigualdades socioespaciais em grandes centros urbanos na Educação, a pesquisa Família, Escola, Território Vulnerável, lançada pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), em São Paulo, se concentrou em entender como a família se relaciona com a escolarização dos filhos e quais são as expectativas dos pais sobre a escola.

O estudo descobriu que é um mito o discurso de que os responsáveis pelos alunos de baixa renda são omissos ou indiferentes ao processo educacional. Para Antônio Augusto Gomes Batista, coordenador de desenvolvimento de pesquisas do Cenpec, a grande questão é que tanto as famílias quanto as escolas vivem uma realidade em que a instabilidade e a precariedade tendem a ser regra e, por isso, essa relação é difícil e carregada de sentimento de impotência e mal-entendidos.

Na entrevista concedida a GESTÃO ESCOLAR, o pesquisador analisa alguns pontos de tensão nessa aproximação e revela como a segregação territorial impacta negativamente o processo de escolarização.

Como as famílias de regiões vulneráveis se envolvem na vida escolar dos filhos?
Antônio Augusto Gomes Batista A relação dessas famílias com a escola é muito heterogênea e está atrelada às condições de vida delas. Algumas podem empreender esforços maiores e o fazem acompanhando o dever de casa e estimulando a leitura, por exemplo. Outras conseguem garantir o mínimo por meio da realização da matrícula e do empenho para que as crianças frequentem as aulas. Em comum, há o entendimento de que a Educação é um bem e representa um passaporte para um mercado de trabalho com mais oportunidades.

Por que há uma percepção de que cada vez mais os pais estão desinteressados?
Isso acontece por uma razão fundamental: estamos acostumados a lidar com um tipo de aluno cujos esforços dos pais são evidentes e cujas famílias estudaram, conhecem as regras da escola e mantêm contato permanente com ela. Porém, desde que o acesso à Educação, principalmente ao Ensino Fundamental, foi universalizado, isso mudou. Hoje, há um grande contingente de alunos cujos familiares são originários dos meios rurais, estudaram pouco ou nada e têm uma maneira de educar muito diferente daquela proposta pela escola. Então, quando não reconhecemos sua forma de participação e seu modo de se comportar, dizemos que são omissos. Só que esquecemos de ver as condições em que vivem, as dificuldades que enfrentam para garantir o acesso dos filhos à escola e as dificuldades que enfrentam dentro dela porque não dominam seus códigos.

A escola precisa estar mais disponível para se relacionar com os familiares de seus alunos?
Sim, mas não se trata de educar as famílias para aumentar suas aspirações; essas já são grandes. É preciso conhecê-las, acolhê-las, informar seus direitos e deveres e reconhecer os esforços que fazem. Durante a pesquisa, nos deparamos com o caso de uma mãe que propôs um mutirão de limpeza, mas a diretora não aceitou a ajuda. Em outra instituição, pudemos perceber que a presença dos pais incomodava. Era dia de distribuição de material didático e os funcionários exigiam que eles ficassem em longas filas, às vezes, só para tirar uma dúvida e os obrigavam a retirar os livros em dias diferentes de acordo com o ano em que cada filho estava matriculado. Por outro lado, encontramos escolas que ficam abertas no fim de semana para a comunidade participar de atividades culturais e esportivas e recebem em troca um envolvimento muito maior nos fóruns formais porque as famílias passam a se sentir mais à vontade para dar sugestões, fazer críticas e ajudar nas tomadas de decisão.

A pesquisa descobriu que os pais esperam que os professores mandem lição para casa.
Há uma demanda pelo dever de casa, particularmente por parte das mães, por duas razões principais. A primeira é que a lição é uma forma de acompanhar a aprendizagem dos filhos. A segunda é que ela contribui na organização da rotina das crianças e, dessa forma, ajuda a protegê-las em territórios que ainda são violentos. E isso acontece porque é comum a regra de que a garotada deve primeiro terminar as tarefas para só depois se dedicar ao lazer. Só que brincar, em casas que não têm um espaço destinado a esse fim, significa ir para rua e, quanto mais tempo na rua, maior a possibilidade de sofrer a influência de más companhias. Por isso, no entendimento delas, quanto mais dever, melhor. Mas há um complicador: os pais dão conta de acompanhar as atividades, normalmente, até por volta do 5º ano. Eles veem se os filhos estão lendo e escrevendo, se a letra está boa e se conseguem fazer cálculos básicos, mas depois são ultrapassados em termos de conhecimento. Além disso, após certa idade fica mais difícil controlá-los.

O território tem um impacto sobre a Educação das crianças e jovens?
Com certeza. A segregação socioespacial restringe as ofertas educacionais em vários aspectos. Nos locais que estudamos, muitas vezes, a escola é o único equipamento público - não há cultura, lazer, esporte, assistência social e saúde. Ela fica isolada e não consegue responder a todas as demandas. Outro efeito da desigualdade é que os alunos tendem a apresentar o mesmo nível de recursos culturais, que nesse caso é baixo, e as mesmas características sociais. Isso gera dois problemas. O primeiro é um estigma da escola e do aluno, o que leva, comumente, a rótulos como instituição de "marginais" e de "analfabetos". O segundo é a dificuldade da instituição em impor seus padrões quando se tem muitas pessoas que se comportam da mesma forma resistindo a eles. O número reduzido de matrículas na Educação Infantil nessas regiões - algo que tem melhorado desde que a etapa se tornou obrigatória, mas que ainda é um problema - prejudica a socialização das crianças e afeta o processo de escolarização.

A escola deve aceitar comportamentos agressivos que são comuns na socialização dessas crianças?
Eu acredito que não. A lógica das ruas, por vezes, está ligada à questão da força e do insulto, trata a disciplina como algo ruim e incentiva o descumprimento de regras. O papel da escola vai no sentido contrário: favorecer o convívio social por meio de valores, como respeito e solidariedade, e trabalhar com base em determinados tipos de comportamento e de linguagem. Ao mesmo tempo, é preciso compreender que essas crianças, em muitas situações, agem de uma maneira que nos parece agressiva, mas que está de acordo com os códigos de conduta que aprenderam. Cabe à instituição substituir, progressivamente, os comportamentos, ensinando como se interage nesse ambiente: "Aqui, levantamos a mão quando queremos falar; ficamos quietos para escutar o colega; e permanecemos sentados durante a explicação do professor". Por isso, a pré-escola é tão importante. Nessa etapa, a criança está mais disponível para aprender e as relações interpessoais não são tão conflituosas.

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