Percursos que transformam
As visitas às redondezas levaram a mudanças significativas no currículo e no espaço da escola
POR: Antonio Norberto Martins"A EMEI Chácara Sonho Azul fica no Jardim Ângela, na zona sul da capital paulista. Em 1996, a região foi considerada a mais violenta do mundo pela Organização das Nações Unidas (ONU). Hoje, o bairro não carrega mais esse rótulo, mas as dificuldades encontradas ainda são muitas. Há poucos equipamentos culturais e esportivos, os serviços públicos são escassos e falta saneamento básico.
Nesse cenário, uma das minhas prioridades ao assumir o cargo, em 2006, foi construir um projeto político-pedagógico (PPP) que entendesse as características, necessidades e potencialidades do local com o objetivo de qualificar o processo de ensino e aprendizagem das crianças. Uma das ferramentas adotadas foi o questionário para os familiares. Os dados obtidos por meio dele nos fornecem informações importantes sobre a realidade dos alunos - onde moram, com quem vivem, a escolaridade e a profissão dos pais, entre outros.
Ao longo do tempo, percebemos que faltava um conhecimento maior sobre o nosso entorno. Quais eram as condições de moradia das crianças? Com quem moravam? Como era o trajeto até a escola? Onde brincavam? Quais locais frequentavam quando não estavam na aula? Todas essas eram perguntas que a maioria de nós não sabia responder, pois boa parte não mora na região.
Discutindo essa questão com a coordenadora pedagógica, Magna Felix Lima, e os docentes, decidimos organizar caminhadas pelo bairro. Fizemos um levantamento dos endereços dos alunos matriculados na escola e elaboramos três roteiros que contemplavam as três principais comunidades de origem dos estudantes - Chácara Sonho Azul, Comunidade do Bombeiro e Jardim Capela. Aproveitamos a semana de planejamento de 2010 para fazer os percursos. Os educadores saíram às ruas com uma única orientação: registrar em vídeos, fotos e textos o que chamava a atenção e poderia contribuir para o entendimento da realidade da garotada.
Os grupos caminharam por uma hora e meia. De volta à escola, socializamos as informações. Os professores e funcionários observaram, entre outras coisas, a dificuldade de alguns pais em levar os filhos à escola quando chovia, porque muitas vias alagavam, e a falta de um lugar para as crianças brincarem, já que as casas não têm espaço e o entorno é desprovido de equipamentos públicos de esporte e lazer. A rua também não é usada como local de diversão dos pequenos, que costumam ficar dentro de casa, aos cuidados de um adulto. A consequência disso é que eles convivem pouco com crianças da mesma idade fora do círculo escolar.
Essa percepção nos levou a pensar maneiras de proporcionar novas oportunidades de os alunos se relacionarem com os colegas e aprender mais uns com os outros. Assim, ampliamos o tempo diário reservado às atividades livres no parque da escola, passando de 30 para 50 minutos. Também instituímos um novo momento dedicado às brincadeiras dirigidas no pátio, a fim de que o uso dos espaços e materiais tivesse uma intencionalidade. Ficamos satisfeitos com as mudanças, principalmente porque elas partiram de um novo olhar para o nosso entorno. Percebemos que as crianças estão mais sociáveis e criativas. Muitos pais também vieram nos procurar para contar que os filhos estão interagindo mais com os irmãos e os adultos da família. A experiência foi tão positiva que logo mudamos o planejamento: os percursos que aconteceriam a cada dois anos passaram a ser feitos anualmente, sempre no início do período letivo, para que as necessidades da garotada sejam identificadas e resolvidas por nós quanto antes."
Antonio Norberto Martins é diretor da EMEI Chácara Sonho Azul, em São Paulo.
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