Diversidade na merenda
Restrições alimentares precisam ser atendidas com cuidado para garantir a segurança das crianças
POR: André BernardoToca o sinal para o intervalo e, em fração de segundos, dezenas (às vezes centenas) de crianças saem das salas de aula correndo, rumo ao refeitório. Apesar da pressa da garotada, é necessário ter muita atenção a esse momento, porque nem sempre a comida servida é igual para todos. A oferta de merenda especial é obrigatória desde agosto de 2014, quando entrou em vigor a Lei nº 12.982. A princípio, a regra beneficiava apenas alunos portadores de diabetes, hipertensão e anemia. Com o tempo, passou a contemplar, também, estudantes com algum tipo de restrição alimentar, como alergia ao leite ou intolerância ao glúten.
A EMEF Jorge da Cunha Carneiro, em Criciúma, a 189 quilômetros de Florianópolis, tem 753 alunos. Desses, 13 possuem intolerância à lactose e dois ao glúten e um é diabético. Para oferecer com segurança a merenda diferenciada, a diretora, Gislene Marinho Costa, toma algumas precauções. "A alimentação dessas crianças fica separada da dos demais. Todos os produtos vêm da central da prefeitura e são etiquetados pelas merendeiras com o nome do estudante e a respectiva condição. Além disso, no recreio, eles são sempre os primeiros a ser servidos", afirma.
Gislene tem intolerância à lactose. Portanto, conhece bem os riscos que uma pessoa nessas condições corre. "A merendeira é permanentemente orientada pela nutricionista do município a não misturar nada, nem os talheres. Qualquer vestígio de lactose ou glúten em garfos, facas e colheres é suficiente para alguém passar mal", alerta. Na matrícula, a diretora pergunta para os responsáveis se os estudantes têm alguma especificidade alimentar e anota as informações em uma ficha. Quem responde positivamente precisa apresentar laudo médico, comprovando a necessidade. Na primeira reunião de pais do ano, o tema é retomado. "Muitas crianças têm restrição e, às vezes, os responsáveis desconhecem", afirma Gislene.
Respeitando as diferenças
Na UMEI Venda Nova, em Belo Horizonte, a situação tem um agravante: as crianças têm entre 1 e 4 anos de idade. Dos cinco pequenos com necessidades nutricionais especiais matriculados na unidade, dois ainda estão no berçário. Alguns dos produtos diferenciados, como leite de soja, não são fornecidos pela prefeitura. Nesse caso, a diretora, Luiza Maria Barbosa, tem de pedir autorização à nutricionista e pesquisar três orçamentos da mesma marca. Segundo ela, uma das crianças tem 4 anos e apresenta várias restrições, como intolerância ao glúten, leite e açúcar. Além disso, o garoto é portador de disbiose intestinal e a dieta tem de ser à base de ingredientes orgânicos. "Mesmo depois de uma reunião com a nutricionista da prefeitura, a mãe do aluno insistiu em mandar a alimentação do filho. Assim, pedi a ela que assinasse um termo de responsabilidade", explica a gestora.
Além de conversar com professores e funcionários, Luiza agendou um bate-papo com os colegas do menino. "Eu e a professora reunimos as crianças e explicamos o porquê de ele ter uma alimentação diferenciada e comentamos sobre a importância de aceitar e respeitar as diferenças, tanto aquelas que são perceptíveis (a necessidade de uso de óculos ou aparelho nos dentes) como as que não vemos (caso dos alimentos que fazem mal para algumas pessoas)", conta. Damaris Gomes Maranhão, consultora da área de Saúde e professora do Instituto Superior de Educação Vera Cruz (ISE), em São Paulo, valoriza a iniciativa de Luiza e lembra de um caso semelhante que presenciou em uma escola. Todos os dias, uma mãe levava biscoitos sem glúten para o filho que tinha doença celíaca. Intrigados, os colegas, de cerca de 3 anos, pediram para experimentar o lanche do garoto e a diretora resolveu oferecer biscoitos iguais aos dele para a turma toda. Assim, sentiram o gosto e tiveram mais condições de conversar sobre a questão e entendê-la. "Mais importante do que simplesmente dizer ‘Você não pode comer isso ou aquilo porque faz mal!’, é trabalhar a questão e explicar que existem crianças com necessidades especiais", esclarece.
Elza Corsi, nutricionista e formadora do Instituto Avisa Lá, em São Paulo, ressalta que a responsabilidade por controlar o fornecimento adequado da merenda deve ser compartilhada pelas várias áreas. "O gestor, a merendeira, o professor... Todo mundo tem de zelar pela segurança da criança no ambiente escolar", completa. Para isso, Elza defende um programa contínuo de capacitação e treinamento para os profissionais envolvidos. "É preciso que todos, sem exceção, tenham conhecimento da gravidade do problema. Dependendo do produto que consomem, os portadores de alergia podem até sofrer choque anafilático", alerta.
Atitudes simples como afixar, na parede da cozinha, os nomes dos estudantes e dos alimentos que eles não podem ingerir também colaboram bastante. Se ainda assim houver algum descuido e uma criança com doença celíaca, por exemplo, abocanhar o biscoito do colega, a família precisa ser avisada imediatamente. Elza acrescenta que oferecer merenda especial não é um favor que a escola faz. "A inclusão, seja ela qual for, é um direito do aluno e um dever do Estado.