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Pamela Mason: "A reflexão sobre a prática deve ser feita com os pares"

Para a docente de Harvard, cabe ao gestor incentivar a troca de experiências entre os professores de dentro e também de fora da escola

POR:
Aurélio Amaral
Pamela Mason. Foto: Manuela Novais
Pamela Mason

Refletir sobre a prática é indispensável para que os docentes aprimorem o desempenho profissional. No entanto, segundo Pamela Mason, diretora do Programa de Mestrado em Língua e Alfabetização da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, a formação em serviço não dá o devido espaço ao compartilhamento de experiências entre eles. Na sua opinião, a troca de ideias é um requisito importante para teorizar a prática - e, assim, aprimorá-la.

Nos Estados Unidos, raramente se encontra a figura do coordenador pedagógico como formador de professor dentro da escola. É o próprio diretor quem supervisiona e orienta a prática docente. Para auxiliá-lo nessa tarefa e fazer com que esses momentos sejam efetivamente de troca de experiências, Pamela destaca a possibilidade de uso de duas inciativas: a tutoria - processo em que um professor ou formador experiente de fora da escola acompanha a prática dos docentes - e as comunidades de aprendizagem profissional - fóruns periódicos para discutir iniciativas de sala de aula. "Quando um colega ou um superior conta por que mudou a maneira de conduzir uma atividade e explica como isso influenciou os resultados, o professor adquire um repertório maior de ações que funcionam. Ao colocá-las em prática e perceber os resultados, revê suas convicções sobre os processos de ensino", explica.

Pamela esteve no Brasil em julho a convite da Fundação Victor Civita (FVC) e do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), ambos em São Paulo. Durante a visita, concedeu a seguinte entrevista a GESTÃO ESCOLAR.

O que diferencia a tutoria da supervisão que já é feita pelos gestores?
PAMELA MASON A principal função do tutor é dialogar e trocar ideias com o professor. No entanto, diferentemente dos gestores, ele não avalia o docente porque não há hierarquia entre eles. Isso cria uma abertura e uma cumplicidade para conversar sobre os problemas. O tutor é um professor mais experiente ou um formador encarregado pela rede de ensino de acompanhar a equipe por um período determinado. Esse tempo de assessoramento pode variar: há os que se dedicam exclusivamente a uma escola por um determinado período e outros que assumem várias instituições - e, portanto, têm uma rotina mais espaçada de encontros. O foco do trabalho também é flexível, pois o diretor pode apontar as disciplinas ou os segmentos de ensino que necessitem de mais atenção.

Qual a abordagem ideal para estabelecer um bom diálogo entre eles?
Há duas estratégias. A primeira é a responsiva, que tem como objetivo a autorreflexão do professor sobre o trabalho. Nesse caso, o tutor o ajuda a chegar às soluções próprias para as necessidades dos alunos. A outra estratégia, conhecida como diretiva, valoriza a disseminação da experiência do tutor. Essa última funciona melhor na implantação de políticas públicas. Em ambos os casos, no entanto, o processo tem uma sequência de oito passos: apresentar materiais e recursos de ensino; compartilhar exemplos de como trabalhar conteúdos; observar a sala com foco específico nos problemas apresentados pelo professor; planejar atividades em conjunto com ele; incentivar a formação de grupos de estudo entre a equipe; dar aulas de demonstração; promover a tutoria entre os pares, incentivando o diálogo entre os experientes e os iniciantes; e dar aula junto com o professor - as chamadas aulas conjuntas. Todas essas etapas são programadas de acordo com as dificuldades apresentadas. Note que a transformação das estratégias de ensino parte da prática - e isso é mais efetivo do que tomar como ponto de partida livros e textos teóricos.

Como o gestor acompanha e supervisiona o trabalho do tutor?
É interessante que eles se encontrem pelo menos uma vez por mês para conversar sobre as prioridades didáticas e a evolução geral da equipe ao longo do processo. Como o propósito não é avaliar cada um dos professores, o tutor faz observações gerais, nunca pontuais. Para dar transparência, vale fazer a reunião sempre na presença de alguns docentes. O diálogo individual vai acontecer somente quando o assunto for a avaliação de desempenho do próprio tutor.

Quais as vantagens para a escola em receber uma consultoria externa?
Ter um educador dedicado exclusivamente à formação dentro da instituição é um privilégio. Por outro lado, é positiva a presença de uma pessoa que está em contato também com profissionais de outros lugares, pois isso ajuda a disseminar boas práticas. Em Cambridge, distrito do estado de Massachusetts, onde fui professora e diretora, os tutores assumem apenas uma escola. No entanto, para que as ideias circulem, eles participam de comunidades de aprendizagem profissional, uma iniciativa que considero essencial.

O que deve ser discutido nas comunidades de aprendizagem?
Elas seguem a lógica da tutoria, fortemente baseada nas relações interpessoais. A diferença é que a troca de experiências não é em pares, mas em grupo. Existem comunidades no nível da rede de ensino - como as de tutores, que se reúnem periodicamente para discutir situações vividas nas escolas que frequentam - e da própria instituição. Nesse caso, os professores compartilham o que deu certo e o que deu errado nas classes. Com base nos relatos, os colegas apresentam sugestões e contam como trabalharam com o mesmo conteúdo. Essa é uma maneira de estimular o docente a tentar novas estratégias sem intimidá-lo. Com mais de uma opinião, dá para perceber os erros, destacar os pontos positivos e sugerir ações diferentes. Vale lembrar que ficam de fora desses encontros os assuntos de rotina que tratam de comunicados da rede, de organização de encontros e de elaboração de projetos institucionais.

Qual o papel do gestor na organização e na condução das comunidades?
A função dele é organizar a reunião e se responsabilizar pela pauta, sem assumir - a exemplo da tutoria - um papel de avaliação ou supervisão. No entanto, ele pode aproveitar o conhecimento sobre as competências da equipe para aproximar os pares que serão responsáveis pela solução de algum problema específico. Quando fui diretora, tinha uma professora excelente, mas resistente ao uso de tecnologia, mesmo as mais simples. Certa vez, sugeri a ela uma atividade com calculadora. Ao mesmo tempo, pedi ao professor da sala de informática que a convidasse para usar a ferramenta do computador, projetada no telão. Graças a esse contato, ela passou a frequentar esse espaço toda semana e a testar outros softwares. A mudança no comportamento só foi possível porque, quando a abordamos, levamos em conta a experiência dela e conhecíamos seus desafios.

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