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Livros que movem a comunidade

Na zona rural da Chapada Diamantina, escola incentiva o gosto de ler dentro e fora da sala de aula

POR:
Elisângela Fernandes
Na casa de farinha, moradores ouvem atentos as histórias contadas pelos estudantes. Foto: Marina Piedade
Pausa no trabalho Na casa de farinha, moradores ouvem atentos as histórias contadas pelos estudantes

Os habitantes de Iraquara, a 470 quilômetros de Salvador, são bons ouvintes. Sempre que vão em reuniões de pais na escola dos filhos, eles ouvem um conto, um poema ou um cordel antes de discutir as questões da pauta. Uma vez por ano, na última quinta-feira de outubro, eles recebem em casa ou no local de trabalho um grupo de alunos das escolas municipais que chega com romances e outros gêneros e leem para eles. Esse é o Dia Municipal da Leitura, instituído em 2010 pela Secretaria Municipal da Educação. "Essa atitude de visitar as famílias e transmitir o que se sabe é uma grande delicadeza da parte dos alunos", afirma Edvaldo Almeida, morador do bairro de Santa Clara.

Delicadeza sem dúvida existe, mas a iniciativa - que começou com um projeto da EM Anísio de Souza Marques - tem um objetivo bem maior: despertar o gosto pela leitura em toda a comunidade, que vive na zona rural, tem baixa escolaridade e pouco acesso a livros. A taxa de analfabetismo no município chegou a 17,7% considerando a população com 15 anos ou mais, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e isso preocupou os educadores.

Joelma e Wilson envolvem sempre toda a equipe para ampliar o prazer pela leitura. Foto: Marina Piedade
Um livro puxa outro Joelma e Wilson envolvem sempre toda a equipe para ampliar o prazer pela leitura

O projeto começou há três anos, quando a Secretaria de Educação da cidade, em parceria com o Instituto Chapada de Educação e Pesquisa (Icep), de Palmeiras, vizinha de Iraquara, realizou um programa de formação continuada para diretores, coordenadores pedagógicos e supervisores técnicos com o intuito de incentivar a leitura entre os alunos e suas famílias. "Durante os encontros, percebemos a importância de perseguir esse objetivo de forma sistemática não somente dentro mas também fora da escola", lembra Wilson Neves de Souza, diretor da escola por mais de dez anos e que, em 2013, voltou à sala de aula como professor de Língua Portuguesa e Educação Física. O trabalho realizado por ele e pelos demais profissionais da escola para aprimorar a iniciativa municipal ficou entre os 20 melhores projetos da edição deste ano do Prêmio Victor Civita Educador Nota 10.

A implementação da iniciativa (leia a íntegra do projeto) exigiu muita coisa além de motivação. A sala em que os livros ficavam até então era a mesma na qual trabalhava a coordenação pedagógica. Foi preciso que a Secretaria de Educação construísse um espaço de leitura e designasse um profissional para organizar o acervo, que não era muito grande, mas sofria constantes perdas por não haver controle de retirada e devolução. Quando a biblioteca ficou pronta, alunos, professores e funcionários receberam uma carteirinha de membro, o que lhes permite tomar emprestadas as obras. Os pais também estão sendo convidados a frequentá-la.

Livros que movem a comunidade. Foto: Marina Piedade

Enquanto a infraestrutura sofria adequações, algumas ações foram envolvendo alunos e equipes: uma vez por mês, todos criaram o hábito de reservar 30 minutos nas respectivas jornadas para ler individualmente uma história de livre escolha; as turmas visitam a biblioteca semanalmente para retirada de livros; e qualquer reunião na escola - seja ela de formação, de informes ou de pais - é iniciada com a leitura de um poema, uma crônica, um cordel ou um conto.

Foram introduzidas as sessões simultâneas - momentos em que são lidas várias histórias ao mesmo tempo em diversos espaços da escola. Elas funcionam assim: coordenador pedagógico, diretor e professores definem os livros que serão lidos por eles e se preparam para comandar os encontros estudando a história que será contada. Cada um produz a resenha sobre a obra e a fixa em um painel para que os alunos escolham o que querem ouvir. Ao longo do ano, ocorreram diferentes sessões literárias na Anísio de Souza, algumas para os alunos, outras para os pais. Os professores organizaram ainda momentos em que os estudantes assumiram o papel de contadores para os próprios colegas e os familiares. "Os olhos dos ouvintes brilham enquanto as palavras, os textos e os livros são compartilhados", orgulha-se Wilson, que, como diretor, leu em diversas sessões simultâneas. Terminada a leitura, crianças e jovens se reúnem em duas salas e comentam o que mais gostaram e participam de um debate com a mediação de dois professores.


Confira a galeria de fotos dos participantes do projeto:

<em>A ação de os alunos lerem para as famílias é muito importante e bonita. Eu não estudei nem a 2ª série e só sei assinar o nome. Acho que hoje as crianças estão no céu. Antigamente, tinha muita dificuldade para estudar. A escola era o dia inteiro e a merenda só dois gomos de cana e o almoço era uma farofa.</em><br>Manoel José Pina, morador da comunidade de Queimada II, na zona rural de Iraquara, Bahia. Arquivo pessoal/EM Anísio de Souza Marques A ação de os alunos lerem para as famílias é muito importante e bonita. Eu não estudei nem a 2ª série e só sei assinar o nome. Acho que hoje as crianças estão no céu. Antigamente, tinha muita dificuldade para estudar. A escola era o dia inteiro e a merenda só dois gomos de cana e o almoço era uma farofa. Manoel José Pina, morador da comunidade de Queimada II, na zona rural de Iraquara, Bahia <em>A atitude de vocês visitarem as famílias fazendo a leitura é muito interessante. Eu não pude estudar. Naquela época só os homens estudavam. Meus pais eram muito rígidos e achavam que, se as mulheres aprendessem a leitura, iam escrever carta para os rapazes. Hoje todo mundo pode estudar e o conselho que dou para os alunos é aprender e dar mais valor à escola.</em> Dona Maria Fernandes de Souza, moradora da comunidade de Queimada Grande, na zona rural de Iraquara, Bahia. Arquivo pessoal/EM Anísio de Souza Marques A atitude de vocês visitarem as famílias fazendo a leitura é muito interessante. Eu não pude estudar. Naquela época só os homens estudavam. Meus pais eram muito rígidos e achavam que, se as mulheres aprendessem a leitura, iam escrever carta para os rapazes. Hoje todo mundo pode estudar e o conselho que dou para os alunos é aprender e dar mais valor à escola. Dona Maria Fernandes de Souza, moradora da comunidade de Queimada Grande, na zona rural de Iraquara, Bahia
<em>Em 2012, a direção da escola fez uma reunião com os pais dos alunos do 7º ano para que também passassem a frequentar a biblioteca. Minha mãe se interessou e começou a pegar os livros, mas depois sofreu um acidente e ficou quatro meses sem andar. Por isso, passei a pegar os livros para ela toda semana. Ela sempre falava da história e às vezes eu e a minha irmã líamos também. A iniciativa é um incentivo para todos.</em> Gessivaldo Dias Roques, aluno do 8º ano da EMEF de Souza Marques, na zona rural de Iraquara, Bahia. Arquivo pessoal/EM Anísio de Souza Marques Em 2012, a direção da escola fez uma reunião com os pais dos alunos do 7º ano para que também passassem a frequentar a biblioteca. Minha mãe se interessou e começou a pegar os livros, mas depois sofreu um acidente e ficou quatro meses sem andar. Por isso, passei a pegar os livros para ela toda semana. Ela sempre falava da história e às vezes eu e a minha irmã líamos também. A iniciativa é um incentivo para todos. Gessivaldo Dias Roques, aluno do 8º ano da EMEF de Souza Marques, na zona rural de Iraquara, Bahia <em>Desde que eu comecei a ler, me apaixonei pelos livros e pela aventura que vivia ao ler. A escola me incentivou muito e trouxe alguns meios para que eu me apaixonasse ainda mais, como o Dia Municipal da Leitura. Nesse dia, fomos em algumas casas e lemos para os adultos e idosos, foi muito legal!</em> Ana Caroline Pereira da Silva, aluna do 5º ano da EMEF de Souza Marques, na zona rural de Iraquara, Bahia. Arquivo pessoal/EM Anísio de Souza Marques Desde que eu comecei a ler, me apaixonei pelos livros e pela aventura que vivia ao ler. A escola me incentivou muito e trouxe alguns meios para que eu me apaixonasse ainda mais, como o Dia Municipal da Leitura. Nesse dia, fomos em algumas casas e lemos para os adultos e idosos, foi muito legal! Ana Caroline Pereira da Silva, aluna do 5º ano da EMEF de Souza Marques, na zona rural de Iraquara, Bahia <em>A leitura é uma coisa muito especial para mim. Ela é muito importante porque aprendi algumas palavras que eu não sabia ler ou escrever. Por isso não fico sem ler. Em 2012, li trinta livros da biblioteca. Porque o livro é uma página da educação.</em> Jéssica Sousa de Oliveira, aluna do 7º ano da EMEF de Souza Marques, na zona rural de Iraquara, Bahia. Arquivo pessoal/EM Anísio de Souza Marques A leitura é uma coisa muito especial para mim. Ela é muito importante porque aprendi algumas palavras que eu não sabia ler ou escrever. Por isso não fico sem ler. Em 2012, li trinta livros da biblioteca. Porque o livro é uma página da educação. Jéssica Sousa de Oliveira, aluna do 7º ano da EMEF de Souza Marques, na zona rural de Iraquara, Bahia <em>Achei muito boa a iniciativa da escola em matricular os pais dos alunos da Educação Infantil na biblioteca. Fiz a carteirinha e os livros que eu pego leio para mim, para meu marido e para os meus filhos. Às vezes, eu pego o mesmo livro mais de uma vez, pois eles me pedem para ler novamente.</em> Marialene de Jesus Santos, moradora da comunidade de Queimada I, na zona rural de Iraquara, Bahia. Arquivo pessoal/EM Anísio de Souza Marques Achei muito boa a iniciativa da escola em matricular os pais dos alunos da Educação Infantil na biblioteca. Fiz a carteirinha e os livros que eu pego leio para mim, para meu marido e para os meus filhos. Às vezes, eu pego o mesmo livro mais de uma vez, pois eles me pedem para ler novamente. Marialene de Jesus Santos, moradora da comunidade de Queimada I, na zona rural de Iraquara, Bahia

Já o Dia Municipal da Leitura exige outro planejamento. Os preparativos para a visita se intensificam no início de outubro, quando é convocada uma reunião para fazer o cronograma. Nela, gestores e professores montam os grupos e as comunidades a ser visitadas. As leituras feitas ao longo do ano são retomadas para que os alunos possam contá-las com propriedade. No dia 25 de outubro deste ano, por exemplo, os alunos saíram da escola levando livros em carrinhos de feira e de mão e embaixo do braço e foram para os 14 locais definidos pela escola. Sob orientação dos docentes, no fim das visitas os alunos entrevistaram os ouvintes para saber mais sobre o histórico deles com a escola e os livros. Um texto com essas informações foi elaborado com a ajuda dos docentes de Língua Portuguesa e utilizado pelos gestores como um dos instrumentos de avaliação do projeto. "A formação continuada despertou ainda mais o gosto literário entre nós, educadores. Hoje é comum escutar alunos, pais, professores e outros profissionais recomendando livros", comemora Joelma da Silva Pires, atual diretora da escola. Ela, que foi vice de Wilson em 2012, deu continuidade à iniciativa: "Para muitos, a leitura deixou de ser uma obrigação e se tornou um prazer".


Veja o vídeo com as indicações literárias da comunidade escolar: