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Módulo 6: Brincar e imaginar

Formação continuada em Educação Infantil

POR:
GESTÃO ESCOLAR
Amplie as possibilidades de jogos e de faz de conta das crianças planejando o uso dos materiais e a organização do espaço. Foto: Ricardo B. Labastier

Toda criança, cada uma em seu tempo e ambiente cultural, brinca. Pode ser de mamãe, princesa, fada, policial, astronauta, doceira, motorista de caminhão, boiadeiro e tudo mais que a imaginação permitir. Brincar é uma das mais importantes atividades da Educação Infantil, mesmo não estando diretamente ligada à aprendizagem de disciplinas formais. Segundo o filósofo francês Gilles Brougère, a brincadeira guarda relação com a comunicação e a interpretação. Além disso, ela também envolve escolhas: a criança toma a decisão de entrar na brincadeira e também constrói modalidades particulares. "Sem livre escolha, ou seja, a possibilidade real de decidir, não existe mais brincadeira, mas uma sucessão de comportamentos que têm sua origem fora daquele que brinca", afirma Brougère no livro Brinquedo e Cultura (120 págs., Ed. Cortez, tel. 11/3611-9961, edição esgotada). Nesta sequência de trabalho, Silvana de Oliveira Augusto, professora do Instituto Superior de Educação Vera Cruz (Isevec) e coordenadora de cursos à distância do Instituto Avisa Lá, ambos em São Paulo, traz dicas de planejamento dos materiais, organização dos espaços e intervenções que favorecem as interações entre as crianças e entre elas e o ambiente.

Objetivo geral
Formar professores da Educação Infantil, tendo em vista a promoção de experiências fundamentais às crianças entre 2 e 5 anos - como ler, conversar, conhecer o mundo natural e social, desenhar e pintar, ouvir e produzir música, dançar e brincar de faz de conta e com jogos de regras.

Objetivos específicos deste módulo
Criar referências para a observação e a supervisão pedagógica da brincadeira.

Conteúdos

  • A influência da cultura na brincadeira da criança.
  • O papel do faz de conta no desenvolvimento da capacidade de representar.
  • A organização do espaço, do tempo e dos materiais.

Tempo estimado
Seis meses, com reuniões quinzenais.

Material necessário
Tecidos, caixas de papelão, objetos para a composição de cenários lúdicos e livros e vídeos para pesquisa.

Desenvolvimento

1ª reunião: Levantamento dos saberes

Peça que os professores tragam memórias de brincadeiras da infância, resgatando os temas, os participantes, a organização do ambiente e as regras. Depois, ajude-os a compreender o que está por trás da atividade. Os jogos e o faz de conta são duas modalidades. Segundo Lev Vygotsky (1896-1934), em ambas existe uma situação imaginária que contextualiza o comportamento da criança. Por exemplo, numa partida de xadrez, ela pode imaginar que é um rei lutando para derrubar o adversário, capturando os cavalos e tomando as torres do inimigo. Na casinha, a menina assume o papel de filha ou de mãe. Além disso, todas as brincadeiras têm em comum a existência de regras. A diferença é que, nos jogos, elas são claras e transmitidas de um para outro, enquanto no faz de conta são criadas durante a vivência de uma situação imaginária. Após a explicação, anote as experiências da equipe em um quadro como o que vem a seguir.

Amplie as possibilidades de jogos e de faz de conta das crianças planejando o uso dos materiais e a organização do espaço

Posteriormente, a equipe vai ensinar às crianças os jogos de regras que conhece e pesquisar para ampliar o repertório. Para saber mais sobre a oferta de jogos, leia o documento Percursos de Aprendizagem: Jogar e Brincar, da coleção Cadernos da Rede, elaborado pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.

2ª reunião: Aspectos do planejamento

Exiba o vídeo Casinhas no Vale do Jequitinhonha, de Renata Meireles e David Reeks, e sugira a reflexão sobre os quatro elementos que envolveram as crianças na brincadeira: o tempo, a organização do espaço, os materiais e as interações de meninos e meninas de diferentes idades. Sistematize as conclusões em um quadro e, em seguida, convide o grupo a explorar o registro e as imagens que ilustram o site do projeto itinerante Território do Brincar, também de Meireles e Reeks. Com base no exemplo, eles avaliarão se a instituição está assegurando as condições para o brincar.

Coordenador As brincadeiras do campo não são as mesmas da cidade, nem as da escola são as mesmas das de casa. Daí a importância de observar as crianças em ação, pesquisar e estudar o repertório delas. Para que todos possam brincar, é necessário flexibilizar as propostas, dando atenção às que têm Transtornos Globais de Desenvolvimento (TGD) e deficiências. Informe-se sobre limites e possibilidades no documento Narrativas Infantis no Jogo de Faz de Conta, também da coleção Cadernos da Rede.

3ª reunião: Intervir ou investir?

As crianças devem brincar sozinhas ou o adulto precisa participar? Para avançar nessa discussão, leia para o grupo o registro de uma professora de crianças de 5 anos em uma creche municipal de São Paulo (veja o quadro Restaurante de faz de conta abaixo) e analise-o com base nos quatro aspectos do planejamento discutidos anteriormente: tempo, espaço, materiais e interações. A equipe elencará as condições de aprendizagem garantidas antes e depois da brincadeira e também durante a atividade, registrando como ela planeja cada etapa. Por fim, monte uma rodada de sugestões para ajudar no planejamento do faz de conta em sala.

Coordenador Discuta com o diretor as mudanças necessárias para que as crianças brinquem todos os dias por cerca de uma hora - o mínimo necessário para arrumar os ambientes e para a devida exploração das propostas.

Restaurante de faz de conta

"Hoje propus pela primeira vez brincar de restaurante. Preparei um canto da sala com panelinhas e bloquinhos de anotação como os do garçom e fiz um fogão simbólico, colando papel na mesa para fazer de conta que eram botões e a boca do fogo. Chamei as crianças. Como eu seria a cliente, saí da sala e aguardei o preparo do almoço. Algo interessante aconteceu: elas arrastaram e juntaram mesas, mudando tudo de lugar. Ficou bom! A arrumação fez parte da brincadeira.

No começo, houve um pouco de confusão. Todos - garçom, cozinheiro e guarda - me serviam. A comida vinha da cozinha antes mesmo que o pedido fosse feito. As crianças colocaram água na cafeteira. Restos de farinha se espalharam pelo chão. Lucas queria comer a bolachinha de plástico.

Certa hora, uma garçonete disse: ‘Agora o restaurante vai fechar, todo mundo tem de sair!’. Só faltou ela jogar água e sabão nos nossos pés. Mateus até pôs uma cadeira em cima da mesa. Tudo bem. O restaurante ia fechar. As crianças logo se envolveram na arrumação. Antes de começar tudo de novo, montei grupos menores para explorar as características de cada papel.

- Cozinheiro pode ficar servindo a mesa? - perguntei.

- Ele não pode sair da cozinha, senão queima a comida - disse Marcos.

- Como o cozinheiro sabe o prato que vai preparar?

- O garçom escreve o pedido num papelzinho para o cozinheiro ler - contou Igor.

A conversa durou um tempão e mostrou quanto eles sabiam e o que estavam aprendendo. Por fim, listamos objetos que existem em restaurantes e que poderiam ser trazidos no dia seguinte: guardanapo, toalha de mesa, ketchup, mostarda, pimenta, sal, aparelho de música, dinheirinho."

Adaptação do registro de Silvana Augusto (Acervo pessoal/Programa Capacitar, Instituto Avisa Lá)

4ª reunião: A importância dos objetos

Um chocalho pode servir para várias explorações sensoriais. Ao balançá-lo com as mãos, é possível produzir barulhos mais ou menos intensos. Não raramente, os bebês os levam à boca para explorar a forma e a textura, entre outras investigações. O mesmo objeto pode ganhar função simbólica, representando algo semelhante, como um microfone para cantar em um show de rock. Ao brincar, as crianças transformam os objetos em elementos com outros significados. Surge o faz de conta, uma brincadeira que parte da imitação até chegar à criação de cenários e enredos. Leia o trecho de um texto de Gilles Brougère (abaixo) e discuta o que significa a ideia de que o brinquedo orienta e traz matéria à brincadeira.

As substâncias materiais e imateriais do faz de conta

"A criança não brinca numa ilha deserta. Ela brinca com as substâncias materiais e imateriais que lhe são propostas. Ela brinca com o que tem à mão e com o que tem na cabeça. Os brinquedos orientam a brincadeira, trazem-lhe matéria. Algumas pessoas são tentadas a dizer que eles a condicionam, mas, então, toda brincadeira está condicionada pelo meio ambiente. Só se pode brincar com o que se tem, e a criatividade, tal como a evocamos, permite justamente ultrapassar esse ambiente, sempre particular e limitado. O educador pode, portanto, construir um ambiente que estimule a brincadeira em função dos resultados desejados. Não se tem certeza de que a criança vá agir com esse material como desejaríamos, mas aumentamos, assim, as chances de que ela o faça; num universo sem certezas, só podemos trabalhar com probabilidades."

Trecho extraído de Brinquedo e Cultura, Gilles Brougère, 120 págs., Ed. Cortez, tel. (11) 3611-9691 (edição esgotada)

Em seguida, peça que a equipe reflita sobre as ideias de planejamento apresentadas. Oriente os professores a enriquecer o faz de conta oferecendo às crianças brinquedos convencionais como, por exemplo, panelas de alumínio e colheres de pau. 

Na atividade seguinte, sugira o acréscimo de materiais não estruturados, objetos que podem ser transformados em brinquedos - tais como caixas de papelão e tecidos. Ao observarem e registrarem as mudanças provocadas pela inclusão desses objetos, os professores devem estar atentos à utilização deles. As descobertas serão partilhadas na reunião seguinte.

5ª reunião: O espaço e as interações

Leia o artigo Arranjo Espacial na Creche: Espaços para Interagir, Brincar Isoladamente, Dirigir-se Socialmente e Observar o Outro, de Renata Meneghini e Mara Campos e Carvalho, que analisa a preferência de ocupação espacial pelas crianças. Por se tratar de um texto denso, faça pausas para esclarecer dúvidas e convide os professores a trazerem exemplos que contribuam para a compreensão. Em seguida, apresente a reprodução de uma planta baixa de uma sala e peça que eles façam intervenções no arranjo espacial considerando o conceito de zona circunscrita (leia o quadro abaixo). Exponha as alternativas em um painel e proponha que cada professor, com base nesse exercício, planeje novamente mudanças para melhorar o ambiente das brincadeiras. Enfatize a importância de observar e registrar as interações.

As zonas circunscritas

"A característica principal das zonas circunscritas é seu fechamento em pelo menos três lados, seja qual for o material que o educador coloca lá dentro, ou que as próprias crianças levam para brincar. Dessa maneira, você pode delimitar essas áreas usando mesinhas ou cadeirinhas. Elas também podem ser constituídas por caixotes de madeira ou cabaninhas, desde que contenham aberturas. As cabaninhas podem ser criadas aproveitando o espaço embaixo de uma mesa e colocando por cima um pano que caia para os lados, contendo uma abertura, tipo porta. As cortinas também podem ser úteis para delimitar um ou dois lados. É importante que a criança possa ver facilmente a educadora, senão ela não ficará muito tempo dentro dessas áreas circunscritas."

Trecho extraído do livro Os fazeres na Educação Infantil, Maria Clotilde Rossetti Ferreira (org.), 208 págs., Ed. Cortez, tel. (11) 3611-9691, 58 reais

Coordenador A brincadeira de faz de conta é mais comum entre crianças com 3 anos ou mais, mas os bebês também podem ter experiências em zonas circunscritas. Cabanas com bonecas, mamadeira e bercinhos podem ambientar os primeiros jogos de representação para eles. Nesse caso, a intervenção do adulto é fundamental para haver avanços.

6ª reunião: Um ambiente complexo

Amplie as possibilidades de jogos e de faz de conta das crianças planejando o uso dos materiais e a organização do espaço. Foto: Marcelo Almeida

Promova um estudo em profundidade, procurando qualificar os ambientes lúdicos da creche e da pré-escola, apontando o que ainda pode avançar e promovendo a troca de olhares entre os professores. Tirar fotos dos lugares para análise será uma maneira eficaz para apoiar esse momento.

7ª reunião: Avaliação

Ao final do projeto, reúna os professores para sistematizar e discutir os resultados da formação. Filmar as situações de brincadeira é uma ótima estratégia para analisar como as crianças criam e resolvem problemas em grupo, recorrendo à imaginação e aos conhecimentos que foram construídos. Para a reunião de pais, os professores podem produzir painéis com fotografias e textos explicativos do processo de construção dos ambientes de faz de conta - um recurso importante para mostrar a eles o quanto as crianças podem aprender sobre o mundo e sobre si mesmas.

Quer saber mais?

BIBLIOGRAFIA
Jogo de Papéis, um Olhar para as Brincadeiras
, Zilma de Moraes Ramos de Oliveira, 160 págs., Ed. Cortez, tel. (11) 3611-9691, 33 reais
O Papel do Brinquedo no Desenvolvimento, em Formação Social da Mente, Lev Vygotsky, 224 págs., Ed. Martins Fontes, tel. (11) 2167-9900, 52,08 reais
Pensamento e Linguagem, Lev Vygotsky, 530 págs., Ed. Martins Fontes, 99 reais