Em busca da identidade
Depois de trabalhar o respeito à diversidade, escola de Diadema envolveu a comunidade na escolha de um nome condizente com a nova realidade
POR: Renata Roberta Bernardes Mathias SoutoO nome das instituições não é apenas uma alcunha, um título ou uma designação. Ele é impregnado de significado e, por isso, faz parte da imagem do local. Mas o que fazer quando ele pouco representa a identidade do grupo? Há alguns anos, nossa escola sofreu esse dilema. O nome era EMEB Jardim Inamar - o mesmo do bairro onde ela está localizada, na periferia de Diadema, na Grande São Paulo. Porém, na última década, passamos por um grande processo de transformação e queríamos mostrar à comunidade essa mudança também pela troca de nome.
Devido à urbanização acelerada do entorno, nosso público deixou de ser só de filhos de famílias pobres, a maioria migrantes das regiões Norte e Nordeste, e se tornou mais heterogêneo, recebendo também crianças de classe média que se mudaram para o local. Começamos a ter problemas com comportamentos discriminatórios e preconceituosos. Era comum ver os maiores rindo do cabelo "ruim" de um colega e as garotas querendo ter cabelo liso. Observávamos também os menores trocando os bonecos negros pelos brancos na hora de brincar. Recebemos crianças com deficiência que eram constantemente desrespeitadas pelo grupo.
Em 2006, a professora Mislene Pereira sugeriu implantar um projeto institucional com foco no respeito à diversidade. A equipe gestora abraçou a ideia e o tema passou a ser tratado nas nossas formações. No primeiro semestre, a ênfase foi na inclusão de alunos com deficiência e, no segundo, na diversidade racial. Introduzimos nas rodas de leituras obras como O Cabelo de Lelê e Bruna e a Galinha d'Angola, e, nas sessões de cinema, filmes como Kiriku e a Feiticeira e Azur e Asmar - pois todos eles tratam sobre outras culturas. Para as turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA), que até então atendíamos, organizamos atividades culturais. Uma delas foi um debate sobre o curta Vista Minha Pele, de Joel Zito Araújo, que faz uma releitura da história do Brasil invertendo o papel de negros e brancos, para discutir como o preconceito se manifesta nas expressões usadas no dia a dia. Já no fim do ano, percebemos a mudança no comportamento e a melhora do clima escolar. As crianças passaram a valorizar características culturais que as diferenciavam das outras e os estudantes com deficiência eram mais respeitados.
Em 2010, com a notícia de que a nossa escola seria ampliada para dar conta da demanda - hoje atendemos 820 crianças -, vimos uma ótima oportunidade de mudar o nome da instituição para que ele refletisse a nossa nova identidade coletiva. Para garantir que a futura denominação nos representasse de fato, organizamos uma eleição. Divulgamos a proposta para os docentes, funcionários, alunos da EJA e as famílias. O passo seguinte foi mobilizar os docentes para sugerirem os nomes. Durante a reunião de pais antes da data do pleito, apresentamos as opções e uma breve biografia das personalidades - entre elas, Zumbi dos Palmares (1655-1695), líder do famoso quilombo do período colonial e símbolo da consciência negra e luta contra o racismo; Dorina Nowill (1919-2010), fundadora de uma instituição para deficientes visuais; e Carolina Maria de Jesus (1914-1977), moradora de uma favela em São Paulo, catadora de papel e escritora, que produziu cinco livros com base nas anotações feitas em cadernos que encontrava no lixo. Na semana da eleição, montamos a urna em uma sala e um cronograma para que os professores se revezassem na fiscalização. Os pais votaram nos horários de entrada e saída e a equipe da escola nos intervalos entre as aulas. Foram 429 votos e venceu Carolina Maria de Jesus. A escolha do novo nome demonstrou que a reflexão sobre igualdade estava incorporada ao nosso cotidiano.
Fizemos, então, o pedido formal de alteração de nome para a Secretaria de Educação, apresentando uma justificativa com o requerimento. Em 2011, a solicitação foi deferida e a placa de identificação da escola substituída. Tivemos de alterar todos os registros nos órgãos públicos. Embora seja raro, algumas correspondências ainda chegam com o nome antigo. Nesse caso, fazemos questão de avisar cada um dos emitentes. Ter um novo nome foi a culminância do trabalho - cujas diretrizes estão incluídas no projeto político-pedagógico (PPP) - que tornou o respeito à diversidade parte da nossa identidade.
Renata Roberta Bernardes Mathias Souto é vice-diretora da EMEB Carolina Maria de Jesus, em Diadema, na Grande São Paulo.
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