Quando alguém vai assumir a responsabilidade pela Educação?
Lei prevista no PNE completa dois anos e meio de prazo vencido sem aprovação. Penalidades já foram amenizadas e discussão segue sem data
POR: Laís SemisO Plano Nacional de Educação (PNE) previu a aprovação da Lei de Responsabilidade Educacional (LRE) no prazo de até um ano a partir de 25 de junho de 2014. Dois anos e meio se passaram e o texto do Projeto de Lei (PL) 7420/06, que apensa outros 18 projetos relacionados ao tema, poderia ser aprovado na segunda semana de dezembro na Comissão Mista destinada a analisar o assunto – mas, mais uma vez, o processo foi adiado. Para começar a valer, a proposta ainda deve percorrer um longo caminho de discussões nos plenários da Câmara e do Senado Federal.
O projeto da Lei de Responsabilidade Educacional vem sendo debatido há 10 anos e visa assegurar o padrão de qualidade na Educação Básica, instituído por metas e avaliações oficiais, além de responsabilizar os gestores públicos pelos resultados. Assim, prefeitos e governadores que não garantirem as condições necessárias para o avanço do ensino e não apresentarem melhorias podem ser punidos.
Falta de prioridade
De maio a dezembro deste ano, sete reuniões foram marcadas pela Comissão Mista para discutir e votar o parecer do relator do projeto. No entanto, cinco delas foram desmarcadas e outras duas adiadas por falta de quórum. Em 2015, foram seis reuniões deliberativas canceladas. Para Alessandra Gotti, advogada membro da Comissão de Direito Educacional e Políticas Públicas em Educação da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB/SP) e integrante do Movimento Todos pela Educação, essa tramitação longa, iniciada em 2006, mostra que a Educação não tem sido tratada com a devida importância na agenda política do país. “É necessário que haja um olhar para a eficiência dos investimentos na área e que este seja capaz de garantir uma Educação de qualidade. Para isso, é preciso ter um referencial, como propõe o projeto ao criar um padrão de qualidade, e responsabilizar os gestores públicos pelos retrocessos injustificáveis”, diz.
Apesar de já existirem mecanismos legais que tratem do tema - como os parágrafos 1º e 2º do artigo 208 da Constituição Federal e o artigo 5º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Carlos Roberto Jamil Cury, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) explica que “a LRE tem a finalidade de reunir, em um lugar só, o que já existe e definir com maior clareza eventuais dificuldades de interpretação”.
O que está em discussão
A atual versão do texto do PL define 22 tópicos - que vão de infraestrutura até avaliação do desempenho docente - ainda a serem organizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Eles deverão ser desdobrados em dimensões, componentes e indicadores que possibilitem a avaliação e a classificação das redes em “abaixo do básico”, “básico”, “adequado” e “superior”. Além disso, como forma de prestação de contas, os gestores públicos devem apresentar relatórios sobre o cumprimento, êxitos e dificuldades na implementação do padrão de qualidade.
Com base nessas informações e na comparação dos indicadores atingidos no final de cada gestão com os da equipe anterior, prefeitos e governadores serão avaliados pelo trabalho realizado na área e, caso não tenham apresentado avanços, deverão responder por isso (de uma maneira que ainda será definida). Serão medidos o desempenho médio da rede e dos estudantes nos exames do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e a proporção de alunos incluídos nos níveis considerados suficiente e desejável de aprendizado de acordo com as escalas adotadas nessas avaliações. Só não haverá aplicação de responsabilização caso seja comprovado que foram garantidos os insumos e processos estabelecidos no padrão de qualidade e os recursos públicos foram destinados adequadamente para a área. Nesses casos, entende-se que o gestor fez o que estava a seu alcance.
Punição indefinida
O projeto original, apresentado pela então deputada federal Raquel Teixeira, professora e hoje secretária de Educação do Estado de Goiás, previa que o descumprimento dos avanços educacionais caracteriza-se como ato de improbidade administrativa. Portanto, a punição variaria de acordo com a gravidade do fato, podendo ir do ressarcimento do dano até perda da função pública e suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos. Na nova proposta de texto, a penalidade foi amenizada: a condenação pode ser em dinheiro ou pelo cumprimento de providências que assegurem o resultado prático equivalente, como prevê a Lei nº 8.429. Para Alessandra, a alteração representa um retrocesso. “Se existe sistema para avaliar as condutas e investimentos na área, é preciso prever uma penalidade para quem não o seguir de forma injustificada. A inovação da LRE era justamente a configuração de que o retrocesso acataria a improbidade administrativa. A ação civil pública não acrescenta nada porque já está previstaem nosso ordenamento jurídico desde a década de 80”, explica Alessandra Gotti.
Fred Amancio, secretário de Educação do Estado de Pernambuco e presidente do Conselho Nacional dos Secretários de Educação (Consed), acredita que o grande avanço trazido pela LRE seria dar transparência para o desenvolvimento da Educação. Mas ele pontua que houve pouca discussão sobre o projeto que está sendo votado e que ainda é necessário aprimorar o texto. “A estrutura precisaria estar mais madura para colocar sob a responsabilidade direta do gestor um conjunto grande de indicadores que dependem de financiamento. No atual contexto político-econômico do país, estaríamos estipulando uma meta sem a garantia de financiamento do processo. Além disso, é muito subjetivo definir o que é uma justificativa aceita ou não para o retrocesso”, afirma. “Apesar de ser um projeto antigo, ele passou muitos anos parado e não acredito que ele esteja maduro para ir para votação no Congresso”, pondera. Para reverter essa situação, ele sugere dividir a votação do projeto em duas etapas: uma focada na criação de indicadores e na obrigatoriedade de transparência – e outra sobre o processo de responsabilização.
Jamil Cury também aponta que é preciso ter cuidado com a atribuição de penalidades. “Uma coisa é o desvio ou violação de verbas, que gera a responsabilização do gestor. Outra é a responsabilização pela qualidade, levando em conta o trabalho de um só governo, quando se sabe que as mazelas, os descuidos e as omissões não nasceram naquele mandato”, analisa. Por isso, para ele, é importante os Planos Nacional, Estaduais e Municipais de Educação estarem sistematizados. Assim, além dos gestores terem um guia, pode-se cobrar com mais ênfase a atuação dos mandatários.
Outras referências
Alguns estados brasileiros já possuem Lei de Responsabilidade Educacional. Pernambuco é um desses casos. No entanto, a lei estadual segue uma linha diferente da que está em debate no Congresso: ela determina apenas que, ao final do mandato, prefeitos e governadores apresentem um relatório com certos indicadores referentes aos últimos quatro anos. Portanto, não há punição àqueles que estagnarem ou retrocederem nos resultados.
A advogada Alessandra faz um paralelo com as instituições privadas que já têm muito claro o estabelecimento de metas, a busca por resultados progressivos e a prestação de contas. “O mesmo deveria acontecer na administração pública, ainda mais do que na privada já que o investimento é financiado com dinheiro público”, defende.
O papel do diretor
Independentemente de como se encaminhar as penalidades aos gestores públicos, a responsabilização é prevista apenas para os chefes do poder executivo. No entanto, isso não exclui a participação dos secretários de Educação e dos diretores escolares no processo. Alessandra destaca que esses profissionais têm um papel dentro de toda a estrutura e um compromisso com as metas definidas. “O chefe do executivo vai estar alinhado com a Secretaria, que vai estabelecer uma série de atribuições e metas envolvendo o trabalho realizado dentro das escolas”, explica. “Isso vai gerar uma cultura dentro da área e vários setores terão que trabalhar para garantir o alcance dos indicadores estipulados. Os diretores, portanto, não serão punidos pela LRE, mas sua atuação pode ser avaliada de outra forma”, conclui.
Enquanto a Lei de Responsabilidade Educacional anda a passos de tartaruga, sem nenhuma previsão pra ganhar espaço na agenda pública, a PEC 55 seguiu na frente, como a lebre da fábula. Com isso, a LER precisa ser discutida tendo em vista mais um fator essencial: o redimensionamento dos recursos para a Educação nos próximos anos.
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