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Palavra de especialista: Por que os ministérios de Educação e Cultura devem permanecer separados

Pesquisador José Eustáquio Romão discute a importância das duas áreas manterem sua independência

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José Eustáquio Romão
José Eustáquio Romão

José Eustáquio Romão é diretor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Nove de Julho (Uninove), membro do Conselho Nacional de Educação (CNE) e fundador do Instituto Paulo Freire

Tão logo assumiu, o presidente interino Michel Temer anunciou que o Ministério da Cultura seria incorporado ao da Educação. Após forte manifestação popular contrária, liderada especialmente pela classe artística, ele felizmente voltou atrás na decisão. Ainda cabe, no entanto, resgatar a discussão e registrar alguns dos motivos para que essas duas importantes áreas sejam mantidas separadas.

No passado, o Ministério da Cultura já teve suas missões institucionais incorporadas pelo Ministério da Educação. Tanto isso é verdade que o MEC manteve em sua sigla um C que não corresponde mais à sua institucionalidade. É que, quando da criação do Ministério da Cultura (Minc), numa espécie de evolução histórica da Secretaria de Cultura e como resposta às demandas crescentes e complexas de um setor que, cada vez mais, ganhava expressão no país, o órgão matricial não quis perder sua identidade original pelo menos na sigla com que ficou nacional e internacionalmente conhecido.

Vale pensar, nem que seja sinteticamente, e recordar a curta trajetória histórica do Minc. De um lado, na opinião majoritária do segmento artístico e intelectual, tendo sido criado somente em 1985, pelo Decreto n.º 91.144, de 15 de março daquele ano, apenas na segunda metade do século 20, o Brasil teria reconhecido tardiamente a importância da Cultura, tirando-a da subalternidade à Educação.

A maioria dos países desenvolvidos considera a Cultura como um elemento fundante e insubstituível na construção da identidade nacional e, por isso, sempre lhe conferem órgão de escalão mais elevado na estrutura do Estado, pois é por meio dele que se pode dar mais visibilidade aos processos de reconstituição histórica do passado comum e que se expõe ao mundo as realizações superiores do espírito nacional, sem falar nas possibilidades de sua contribuição para a economia de uma nação.

Por meio da Lei n.º 8.028, de 12 de abril de 1990, de novo o Ministério da Cultura foi transformado em Secretaria da Cultura, diretamente vinculada à Presidência da República. Mais uma vez, em nome da economia pública e do equilíbrio orçamentário, orientados pela ortodoxia da concepção econômica liberal (ou neoliberal), que sacrifica, no altar financeiro, qualquer política de interesse da maioria da população, o Ministério da Cultura foi o primeiro a ser sacrificado no país, numa iniciativa inócua e cínica, pois, em geral, é um dos ministérios menos contemplados pelo tesouro público.

A situação se reverteria pouco mais de dois anos depois, pela Lei n.º 8.490, de 19 de novembro de 1992, numa clara demonstração de que a crise econômica não se alterara em nada com o movimento inibidor da cultura.

Com o decreto n.º 4.805, de 12 de agosto de 2003, o presidente da República aprovou a reestruturação do Ministério da Cultura, dando uma significativa expressão no conjunto dos ministérios brasileiros.

Tem sido curioso acompanhar, ao longo da história, a tendência do conservadorismo liberal ou autoritário a ter aversão à cultura nacional. Não se pode esquecer, por exemplo, que o nazismo com seu lema Blut und Boden (Sangue e Terra), deplorava os intelectuais, os artistas e a cultura simbólica, embora exacerbasse o nacionalismo xenófobo.

A redução do Ministério da Cultura a mera secretaria do Ministério da Educação não ajuda nem a Cultura, nem a Educação. As imbricações inextricáveis entre as ações educacionais e as formulações pedagógicas com os traços e as relações culturais não dependem da fusão de ministérios que, aliás, podem se afrouxar, pela subalternização de uma ou de outra função. O governo interino parecia não ter aprendido com a história recente do país. Felizmente, a força da institucionalidade da Cultura anulou rapidamente tal insanidade.

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