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Os propósitos formativos do planejamento docente

Ao analisar os planejamentos dos professores, o coordenador articula as ações pedagógicas, orientando a equipe a ajustá-los aos objetivos de aprendizagem e ao PPP

POR:
Mônica Matie Fujikawa
Mônica Matie Fujikawa. Foto: Gabi Portilho
Mônica Matie Fujikawa Mestre em Educação pela Universidade Metodista de São Paulo

A instituição escolar demanda a produção de diversos registros para a organização, gerência e condução de seu trabalho. Eles cumprem uma função importante na organização e planificação do trabalho pedagógico, mapeando o percurso das ações, as escolhas e os encaminhamentos nas diversas instâncias da gestão escolar. Afinal, como toda instituição, "(...) as escolas buscam resultados, o que implica uma atividade racional, estruturada e coordenada. Ao mesmo tempo, sendo de caráter coletivo, essa atividade não depende apenas das capacidades e das responsabilidades individuais, mas também de objetivos comuns e compartilhados, de meios e ações coordenadas e controladas dos agentes do processo" (Libâneo, Oliveira e Toschi, p. 344).

Visando a articulação nas diversas instâncias da gestão, a escola dispõe de variados registros que devem manter coerência com os princípios de seu projeto político-pedagógico, documento orientador das iniciativas ali desencadeadas. A elaboração desses documentos no decorrer do trabalho escolar - permeado de percalços e avanços, projeções e realizações, hipóteses e constatações, dilemas e suposições - permite objetivar as questões que ocorrem nessa realidade. Isso não significa cristalizar as ações, as atitudes e os comportamentos, considerando-os imutáveis ou determinados porque jazem escritos. Mas implicam considerar as possibilidades que o registro escrito apresenta na revelação da realidade capturada, permitindo observar também o que se revela pela ocultação de dados na escrita (Fujikawa, 2006, p.135).

Como a produção e análise dos registros podem se converter em boas oportunidades formativas em vez do caráter meramente burocrático que costuma revesti- los? Quais os sentidos atribuídos a eles? Que informações relevantes eles oferecem para a avaliação e a revisão da prática pedagógica? Neste artigo, vamos nos deter nas possibilidades que a discussão e o estudo dos planejamentos bimestral ou trimestral apresentam para a reflexão e compreensão do trabalho realizado na escola.

Os registros revelam aspectos significativos do trabalho desenvolvido - as intenções pedagógico-educacionais, os objetivos de trabalho, os percursos metodológicos e seus encaminhamentos, a sequência e o encadeamento de ações, os propósitos das atividades, dentre outros. Eles podem se converter em oportunidades formativas no processo de apropriação e revisão do conhecimento produzido no cotidiano das práticas pedagógicas quando dão visibilidade e materialidade para o "pensar sobre o fazer". Ao serem tomados em consideração para apropriação do pensamento prático e teórico do educador (Freire, 1995), ampliam as perspectivas de análise, possibilitando o fortalecimento da dimensão coletiva da docência e desencadeando a integração das perspectivas individuais e coletivas do trabalho no contexto escolar. "Uma das dificuldades do trabalho coletivo está no confronto de expectativas e desejos dos sujeitos envolvidos. Dificuldade que precisa de condições especiais para ser superada. Uma dessas condições está na compreensão de que uma visão comum sobre a escola, um eixo aglutinador dos seus sujeitos, só pode ser construído a partir das visões particulares, das expectativas de cada um sobre a escola que se pretende organizar" (Bruno, 1998).

Estudo dos planejamentos: o papel do coordenador

Numa organização complexa como é a escola, muitas são as instâncias de gestão, de planejamento e de atuação/ responsabilização. O coordenador pedagógico tem um papel importante como um dos articuladores de todo o trabalho coletivo: "O lugar do coordenador revela-se fundamental na medida em que ele se constitui numa liderança técnico-pedagógica, sendo corresponsável pela articulação entre diversas interlocuções - dirigentes, professores, diretores, alunos, famílias, comunidade e órgãos centrais, sem perder de vista as implicações e os desdobramentos de todo o processo educativo (Batista e Cols., 2001). Assim, diz Hass (2000): 'Na coordenação é possível buscar parceiros, fazer conceituações, planejar, executar e acompanhar muito de perto o desenvolvimento das ações'." (Batista, 2001).

A organização dos planejamentos bi ou trimestral possibilita um mapeamento do trabalho realizado em âmbitos gerais (projeção e registro das propostas de um determinado período que, por sua vez, deve se inspirar em documentos mais abrangentes, como a matriz curricular ou o plano anual) e mais específicos (objetivos de trabalho, seleção de conteúdos e propostas de ensino, instrumentos de avaliação), assinalando as intencionalidades, as escolhas e decisões tomadas no percurso. Permite ainda análise sobre o que se realiza, assim como movimentos de projeção visando potencializar processos de ensino e aprendizagem, esclarecendo as intenções educativas da escola.

O coordenador pedagógico acompanha o processo avaliando a coerência entre o que está nos planejamentos (declarações sobre o que se pretende fazer) com aquilo que de fato se realiza; as coerências entre intenção/ação e desejo/realidade. Verifica cuidadosamente, com o professor ou com o grupo de professores, os objetivos estabelecidos para a disciplina e para o segmento/série/grupo, as escolhas didático-metodológicas, as propostas de ensino e as expectativas que se pretende atingir.

A análise desses documentos gera questionamentos sobre "o fazer e pensar sobre o fazer" (Freire,1999), movimento que permite a problematização da prática pedagógica, exigindo do coordenador e dos professores clareza e rigor na análise da coerência entre a idealização e a concretização das suas ações e na procura de fundamentos que as justifiquem. Freire (1999) ressalta a importância da reflexão crítica sobre a prática na formação de professores: "É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se confunda com a prática. O seu 'distanciamento' epistemológico da prática enquanto objeto de sua análise, deve dela 'aproximá-lo' ao máximo. Quanto melhor faça essa operação, tanto mais inteligência ganha da prática em análise e mais comunicabilidade exerce em torno da superação da ingenuidade pela rigorosidade. Por outro lado, quanto mais me assumo como estou sendo e percebo a ou as razões de ser de porque estou sendo assim, mais me torno capaz de mudar, de promover-me, no caso, do estado de curiosidade ingênua para o de curiosidade epistemológica" (pp. 44, 45).

No exercício constante de atribuição de sentidos e de verificação das intencionalidades presentes nas práticas pedagógicas, a análise e o estudo dos planejamentos constituem possibilidades privilegiadas para a reflexão, compreensão e revisão do trabalho. Alguns aspectos e indagações podem orientar esse estudo, ampliando o espectro de análise e de conhecimento da prática:

  • Que informações os planejamentos revelam sobre o trabalho de fato realizado?
  • Que concepções sobre ensino, aprendizagem e avaliação orientam a elaboração do documento?
  • O processo de elaboração estabelece diálogos com os pares e com outros documentos - da escola e oficiais?
  • Leva em consideração o sujeito que aprende?
  • Possibilita a análise das hipóteses de trabalho dos professores?
  • Com que frequência esses documentos são revistos, retomados e reelaborados?
  • Eles são tomados como referência para a reflexão e reavaliação das escolhas e a adequação das propostas de trabalho?
  • A análise do material sugere encaminhamento de trabalho para os professores e coordenadores? Que intervenções sinaliza como necessárias?
  • O documento indica que o professor (ou a escola) privilegia o quê? Em detrimento do quê? Quais os excessos e as faltas?
  • As propostas didáticas são coerentes com os objetivos e concepções de ensino e de aprendizagem da escola?
  • Os propósitos das atividades são claros e fazem sentido para o professor? Apresentam desafios para os alunos?
  • Que espaços há na escola para que os professores avaliem, reflitam, discutam e decidam conjuntamente sobre as ações previstas?

A análise conjunta evidencia o que necessita ser enfatizado, consolidado, enfraquecido, revisto, replanejado, alterado, revisitado e revigorado, visando o fortalecimento do trabalho coletivo e a melhoria dos processos de ensino e de aprendizagem. A reflexão permanente sobre o que se idealiza (projeção) e o que se realiza (concretização) dão a professores e coordenadores a oportunidade de expressar seus pensamentos e hipóteses sobre o trabalho e confrontar as diferentes crenças e concepções que orientam as ações. Confronto esse que leva a novas possibilidades de leituras e análises, na medida em que evidencia os elementos sinalizadores de revisão e de alteração da prática pedagógica, implicando e responsabilizando os profissionais com o trabalho realizado.

Sentidos atribuídos ao ato de planejar

Dessa forma, o ato de planejar pode apresentar novos sentidos para professores e coordenadores:

  • O de pertencimento no coletivo da escola Ao formalizar as antecipações, previsões e hipóteses sobre o trabalho a ser realizado, articulando-as e integrando-as com as de outros professores e em consonância com o PPP, o professor integra e fortalece a rede de conhecimentos construída na escola.
  • O da construção da autoria Ao documentar as hipóteses, mapear os percursos e avaliar as decisões tomadas, o professor assume a autoria de suas escolhas e revela seus posicionamentos diante de opções e concepções de trabalho.
  • O da partilha de conhecimentos Ao se constituir como objeto de estudo e reflexão por parte de coordenadores e professores, o planejamento possibilita o confronto de pontos de vista e interpretações do trabalho realizado. No processo de socialização, cada um expõe ao(s) outro(s) as suas perspectivas de análise da realidade, possibilitando a discussão e a partilha de experiências e concepções. Esses momentos geram oportunidades de construção de relações mais colaborativas, nas quais as responsabilidades pelo trabalho coletivo possam ser assumidas por todos os que participam dessa construção.

Isabel Alarcão (2001, p. 25) designa por escola reflexiva uma "organização que continuadamente se pensa a si própria, na sua missão social e na sua organização, e se confronta com o desenrolar da sua atividade em um processo heurístico simultaneamente avaliativo e formativo". A autora sugere ainda que "a escola que se pensa e avalia em seu projeto educativo é uma organização aprendente que qualifica não apenas os que nela estudam mas também os que nela ensinam ou apoiam esses e aqueles. É uma escola que gera conhecimento sobre si própria e, desse modo, contribui para o conhecimento sobre a instituição chamada escola" (Alarcão, ibid, p. 13).

Tomando por base essa perspectiva, a organização e a elaboração de registros na escola geram conhecimento sobre si própria, quando:

  • A produção se orienta para a organização e sistematização do trabalho construído coletivamente, evidenciando as intencionalidades presentes nas escolhas, decisões e ações.
  • O espaço da formação de professores possibilita a exposição, o confronto e a discussão sobre as práticas e os conhecimentos construídos.

Atribuir valor e ressignificar continuamente os documentos produzidos, colocando-os a serviço da sistematização do trabalho pedagógico, é um dos papéis do coordenador. O tratamento oferecido aos planejamentos dos professores (que devem refletir o seu pensar sobre o trabalho docente), o olhar atento e perscrutador para as escolhas e os percursos teórico-metodológicos que nele constam, o estudo meticuloso das concepções que orientam os caminhos e a avaliação que verifica a coerência dos propósitos e propostas com o PPP constituem fatores que potencializam os propósitos formativos dos planejamentos.

Nessa perspectiva, a formação de professores ocupa um lugar de destaque no processo de aprendizagem de coordenadores e da equipe docente e nas possibilidades que apresenta para o desenvolvimento desses profissionais. Apresenta-se também como um espaço privilegiado para, com base em possibilidades reais do que pode ser feito, projetar e promover mudanças gradativas e significativas, transformando a realidade de acordo com o que se deseja.

Referências bibliográficas

Alarcão, Isabel. Escola Reflexiva e Nova Racionalidade. Porto Alegre: Artmed, 2001

Batista, Silvia Helena. S. Coordenar, Avaliar, Formar: Discutindo Conjugações Possíveis. In: Almeida, Laurinda e Placco, Vera M.N.S. (Orgs). O Coordenador Pedagógico e o Espaço da Mudança. São Paulo: Edições Loyola, 2001

Bruno, Eliane B. G. O trabalho coletivo como espaço de formação. In: Guimarães, Ana A. e Mate, Cecília H. et. al. O Coordenador Pedagógico e a Educação Continuada. São Paulo: Loyola, 1998

Freire, Madalena (org.). Observação, Registro, Refexão. Instrumentos Metodológicos I. São Paulo: Espaço Pedagógico, 1995

Freire, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999

Fujikawa, Mônica Matie. O Registro Como Pretexto e como Objeto De Refexão da Prática Pedagógica: um Exercício de Parceria entre Coordenadora e Professores. Dissertação de Mestrado, São Paulo, Universidade Metodista de São Paulo, 2004

Fujikawa, Mônica Matie. O Coordenador Pedagógico e a Questão do Registro. In: Almeida, Laurinda e Placco, Vera M.N.S. (orgs.). O Coordenador Pedagógico e Questões da Contemporaneidade. São Paulo: Edições Loyola, 2006

Fujikawa, Mônica Matie. A Escrita como Pretexto de Refexão da Prática Pedagógica e como Estratégia de Intervenção na Formação de Professores. In: Prado, G. & Soligo, R. (org.) Porque Escrever é Fazer História: Revelações, Subversões, Superações. Campinas, SP: Graf, 2005

Libâneo, José, Oliveira, João F. e Toschi, Mirza S. Educação Escolar: Políticas, Estrutura E Organização. São Paulo: Cortez Editora. 2010

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