Avaliando a avaliação
Projeto de formação melhora a qualidade das provas e dá à coordenadora da Bahia o título de Gestora Nota 10
POR: Elisângela FernandesGestor, o que você faria se, ao analisar as notas dos alunos, percebesse que, em todas as disciplinas, apenas 40% deles tiveram o desempenho esperado? Concluiria que há dificuldade na aprendizagem ou que as avaliações não conseguiram verificar os conhecimentos dos estudantes?
Janaina Oliveira Barros, coordenadora pedagógica da EM Professora Ivani Oliveira, em Seabra, a 456 quilômetros de Salvador, apostou na segunda opção. A análise das avaliações foi o ponto de partida do projeto Narrativas do Professor Que Ensina e Aprende na Escola, com o qual ela obteve informações para aprofundar a prática docente e, por isso, ganhou o título de Gestora Nota 10 do Prêmio Victor Civita Educador Nota 10 de 2013.
Primeiro ela tabulou o desempenho de cada estudante nas provas de todas as áreas, colocou em gráficos o porcentual de acerto de cada questão e comparou as perguntas com a produção das turmas e o planejamento de aula dos professores. Qual não foi sua surpresa ao constatar o descompasso entre os conteúdos propostos e os ensinados.
Nos grupos, durante a formação por área, Janaina apresentou os dados e perguntou quais fatores poderiam explicar médias tão baixas. Indisciplina, falta de registros adequados nos cadernos e desinteresse dos jovens pelos conteúdos escolares foram os problemas citados. "Ao apresentar os resultados para todos, eles se assustaram ao perceber que estavam responsabilizando os próprios alunos pela não aprendizagem", lembra a coordenadora.
Depois, ela levou avaliações de um professor e o caderno de um dos melhores alunos da turma para o grupo analisar. Assim, muitos se deram conta de que as provas não dialogavam com o material trabalhado em sala e de que o nível de dificuldade das avaliações nunca esteve nas propostas de ensino.
O grupo elegeu então a avaliação como ponto de partida para retomar os objetivos que norteiam o planejamento das aulas e acompanhar a evolução dos alunos. Essa seria a base para pensar em estratégias que levassem à superação das dificuldades de ensino.
Ao longo da formação, os professores foram questionados sobre o motivo de algumas atividades aparecerem em branco nos cadernos dos estudantes. Geralmente, eram aquelas em que eles foram convidados a justificar, relacionar ou comparar ideias. "Por que isso ocorre? Eles não querem fazer a atividade ou não sabem registrar esse tipo de reflexão?", perguntou Janaina. As informações a ajudaram a analisar, junto com os docentes, as condições didáticas que precisavam ser asseguradas para promover avanços.
"Quero saber se a turma percebe quais escolhas o autor tomou para que escrevam melhor.", responde Rosely Dias, professora de Língua Portuguesa.
Um dos pontos mais significativos do projeto foi o estudo de caso. Ela pediu que cada professor disponibilizasse para o grupo uma prova e os registros de uma aluna. Como tarefa, os docentes tinham de comparar os dois documentos e fazer recomendações para melhorar a elaboração da avaliação. O papel de Janaina foi problematizar as sugestões que já faziam parte da rotina deles e as que teriam de ser incorporadas. As propostas foram registradas e houve a recomendação para que todos as utilizassem na preparação das avaliações seguintes. Ao longo do semestre, a coordenadora acompanhou de perto a elaboração das provas, usando para isso tanto as reuniões coletivas como as individuais, discutindo os possíveis caminhos para aperfeiçoá-las.
Por fim, no planejamento da recuperação, os docentes receberam a orientação para consultar todas as provas dadas até então, selecionando e reelaborando as questões mais significativas que ajudariam a contatar a ampliação dos conhecimentos. Eles tinham de tornar os enunciados mais claros e objetivos, evitando as "pegadinhas", e transformar as questões fechadas em abertas. O grupo percebeu, por exemplo, que não é possível colocar foco na prova em um conteúdo que foi discutido apenas superficialmente na aula. Se o professor considerar aquele tópico importante, precisa deixar isso explícito aos alunos e orientá- los sobre como sistematizar, resumir e registrar no caderno para o estudo ser eficaz.
Débora Cristina Oliveira Braga, professora de Inglês afirma: "Aprendi a retomar o plano de ensino e as atividades feitas em classe e nas tarefas de casa antes de elaborar a prova. Agora sei exatamente o que e como avaliar e como usar os resultados".
Depois de seis meses de trabalho, Janaina acredita que tanto ela quanto a equipe docente já colheram muitos frutos: a iniciativa levou à melhoria do ensino e, consequentemente, da aprendizagem. O apoio do diretor, Lauro Roberto Ferreira, foi fundamental para implementar uma rotina de planejamento e estudo, pois ele respeita a atuação da coordenadora, garantindo que ela tenha oito horas de planejamento quinzenal com cada professor; disponibilizando espaço para projetos pontuais e apoiando o uso de ferramentas formativas, como o acesso às salas de aula para fazer observação, filmar e acompanhar de perto o desenvolvimento das turmas. "A maior qualidade de Janaina é a capacidade de estabelecer um vínculo profissional com os professores para que todos os alunos aprendam. Além disso, ela estuda muito e ajuda a equipe a planejar", afirma Lauro.
Hoje, nenhum docente deixa de compartilhar com Janaina uma amostra das provas. Juntos, eles decidem como progredir nessa tarefa para que ela traga resultados efetivos no desempenho das turmas.
- Veja o vídeo sobre a importância do diagnóstico para o trabalho da coordenação pedagógica:
Os desafios decorrentes do processo de municipalização
É impossível falar do projeto de formação realizado por Janaina sem mencionar o contexto no qual ele foi realizado. A escola sempre teve alta procura por estar no centro da cidade e por apresentar notas razoáveis no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) - 4,8, o maior do município. A imagem institucional foi reforçada pela boa taxa de aprovação dos alunos do 9º ano no processo seletivo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), onde muitos vão para cursar o Ensino Médio. No entanto, com a passagem da administração estadual para a municipal, iniciada em 2011, a comunidade desconfiou de que a qualidade do ensino poderia cair e cerca de 80 estudantes, de um total de 240, pediram transferência para outras unidades.
No ano seguinte, a escola começou praticamente do zero, com a chegada de novos funcionários administrativos e novas equipes gestora e pedagógica. Com um ano de muito trabalho, a confiança foi recuperada: pais e responsáveis ficaram dois longos dias na fila para fazer a matrícula no início de 2013. Após passar por uma reforma que ampliou o número de salas de aulas, as matrículas saltaram de 240 para 472. Para dar conta da demanda, 13 novos professores foram transferidos para se juntar aos únicos três que lá permaneceram da equipe anterior.
A infraestrutura da escola, porém, continua um desafio. Há apenas uma sala para os professores, que é usada tanto para os encontros formativos como para o descanso entre as aulas. Não há biblioteca nem laboratório de informática e, devido ao processo de municipalização e do aumento de matrículas, não há livros didáticos em número suficiente para todos os estudantes - o que torna o caderno e as anotações feitas em sala o único material de consulta para a grande maioria dos alunos.
Do público atendido pela escola, cerca de 40% são beneficiários do Programa Bolsa Família e a maioria mora na zona rural. Por isso, além de continuar com a boa aprovação no IFBA e o crescimento no Ideb, o maior desafio da escola é garantir a equidade e não deixar que ninguém fique para trás.
Quem é Janaina
Nasceu na zona rural de Iraquara, município vizinho a Seabra, e aos 17 anos foi aprovada em um concurso público como coordenadora. Antes, porém, assumiu o posto de professora por seis meses. Depois, foi convidada a integrar o primeiro grupo de coordenadores pedagógicos. Inexperiente, ela conta que fcava constrangida em fazer a formação dos seus antigos professores no ensino médio, ao mesmo tempo que se sentava com eles, como aluna, na universidade estadual da bahia (uneb), em Seabra, onde todos cursavam Pedagogia. "Assim como eu, eles também tinham apenas magistério e faziam a primeira graduação", lembra. nos primeiros anos, ela enfrentou muita resistência nos lugares em que trabalhou, sobretudo por não ter o conhecimento necessário para exercer a função. esse cenário só mudou quando ela teve orientação específca para a coordenação pedagógica do Instituto Chapada de educação e Pesquisa (Icep), em Palmeira, a 440 quilômetros de Salvador. "Lá descobri o que signifca fazer formação continuada e a diferença entre acompanhar e vigiar, entre planejar e simplesmente ditar o planejamento", diz, orgulhosa.
Quer saber mais?
BIBLIOGRAFIA
Avaliação da Aprendizagem - Componente Pedagógico, Cipriano Carlos Luckesi, 448 págs., Ed. Cortez, tel. (11) 3611-9616, 65 reais
Avaliar para Aprender, Domingos Fernandes, 222 págs., Ed. Unesp, tel. (11) 3242-7171, 35 reais
O Jogo do Contrário em Avaliação, Jussara Hofmann, 176 págs., Ed Mediação, tel. (51) 3330-8105, 39 reais