O mundo em uma escola
A EMEF que se tornou referência no acolhimento de imigrantes
POR: Beatriz Vichessi, Karina Padial, Gustavo HeidrichMatrícula: 501 alunos no Fundamental 1 e 2
Ideb: Anos iniciais: 5,4 / Meta: 5,8 | Anos finais: 4,2 / Meta: 5,5
Fonte: QEDU
“Aqui tem vida normal. As pessoas ajudam as pessoas.” É essa a resposta de Shahrazad Dakkar, 28 anos, quando perguntam por que ela gosta tanto do Brasil. A síria chegou no país em 2014 com os dois filhos, Mohamed Ghazi, 10 anos, e Mayas Ghazi, 6 anos. Para trás em Damasco, capital do país, deixou o resto da família e os escombros do que um dia foram sua casa e a loja onde trabalhava com o marido. A saudade é imensa, mas ela não pensa em voltar para uma guerra que desde 2000 já matou 400 mil e levou 4,5 milhões ao êxodo, segundo a ONU.
Encontrar uma escola para Mohamed e Mayas foi uma das primeiras providências. A indicação de uma amiga síria que já morava no Brasil foi a EMEF Infante Dom Henrique, escola tradicional do bairro do Canindé, na capital paulista, reconhecida por receber imigrantes. Atualmente, eles representam 20% do total de alunos.
São bolivianos, senegalenses, haitinos, sírios e libaneses... Mais de dez nacionalidades se reúnem nas salas da Dom Henrique, que completou 57 anos. Na maioria, filhos de refugiados ou famílias em busca de emprego. “Todo imigrante que chega é recebido por uma comissão de outros estrangeiros que mostram os ambientes e contam sobre a nossa proposta de Educação. É um acolhimento que faz diferença”, conta o diretor Cláudio Marques, há seis anos na escola.
Mas nem sempre foi assim. A comunidade boliviana, primeira a chegar à escola Dom Henrique e ainda hoje a mais numerosa, sofria preconceito. “Quando cheguei, os bolivianos eram chamados pejorativamente de ‘bolivas’ na escola e eram os culpados por tudo de ruim que acontecia”, lembra. Com a experiência que trazia do mestrado na Universidade de São Paulo (USP) e de 27 anos em escolas públicas, ele reuniu a comunidade e iniciou um trabalho de apresentação da cultura boliviana que culminou em uma visita ao país em 2014 por um grupo formado por alunos, gestores e professores. A experiência inspirou o projeto Escola Apropriada que a cada 15 dias reúne os alunos para a apresentações dos estudantes estrangeiros que mostram um pouco da arte, música, culinária ou histórias dos seus países.
Para dar conta do desafio das línguas, a Dom Henrique tem placas na porta das salas em português, árabe, espanhol e inglês. No corpo docente, três professoras são fluentes em espanhol e uma em árabe. O inglês é a língua comum. Há reforço de português no contraturno para os estrangeiros e, à noite, aulas da língua para os pais.
Ele se orgulha dos resultados que estão além das provas. “Somos vizinhos de escola técnica federal e nenhum aluno tinha conseguido entrar nela. Hoje 30% dos que terminam o Fundamental 2 entram. Criamos uma parceria com o instituto em que os estudantes fazem preparação para a prova de acesso já a partir do 8º ano”, diz. A escola também recebeu convite da Unesco para se tornar uma de suas instituições associadas.
Os bolivianos que eram discriminados hoje estão entre os melhores alunos. Neste ano, a primeira aluna boliviana conseguiu uma vaga em uma universidade pública. Gladys Alconz entrou em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Outro orgulho de Cláudio é o filho de Shahrazad. Mohamed chegou sem falar português e hoje – três anos depois – domina o idioma e é um dos melhores alunos do 5º ano.
Os próximos passos da Dom Henrique serão trabalhar por projetos, inserir novas metodologias de ensino e desenvolver materiais didáticos que contemplem mais a cultura dos países dos alunos imigrantes. “Acreditamos no efeito da escola para mudar as histórias de vida”, finaliza o coordenador pedagógico Carlos Fernandes.
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