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O que dá para aprender com o caso do aluno que senta no colo do namorado

Especialistas dão cinco dicas de como evitar casos como esse

POR:
GESTÃO ESCOLAR
Ilustração: Patrick Cassimiro

Um vídeo que circula nas redes sociais vem despertando polêmica entre professores, gestores e alunos nesta semana. Ele mostra uma discussão que aconteceu na EE Aida Ramalho Cortez Pereira, uma escola de Ensino Médio de Mossoró (RN), entre dois alunos homossexuais e a diretora da instituição, Hévila Cruz. O caso teria ocorrido no início de junho.

Na gravação, feita por Ricardo Silva, de 19 anos, um dos alunos envolvidos, ele aparece dentro de uma sala, sentado no colo do namorado, de 17 anos. Em seguida, a diretora entra na sala e pede para Ricardo sair de cima do garoto. Ricardo, então, questiona a gestora e, sem obter resposta, passa a acusá-la, aos gritos, de homofobia. O registro pode ser visto abaixo:

Não foi a primeira vez que a escola se viu envolvida em polêmicas desse tipo. No ano passado, a mesma diretora teria barrado a entrada de um aluno porque ele vestia saia. A gestora nega que tenha feito isso.

A versão da diretora

Hévila Cruz atendeu GESTÃO ESCOLAR por telefone e contou detalhes do episódio. Segundo ela, tudo ocorreu na sala da rádio da escola, onde se desenvolvem atividades extraclasse. Foi o vice-diretor quem viu primeiro os meninos em posição “inadequada” (termo dela) e pediu que ela fosse ao local averiguar o que ocorria. “E depois aconteceu o que vocês viram no vídeo”, disse Hévila. “Eu só pedi para o garoto sair daquela posição, da mesma forma que eu faço com os casais de meninos e meninas, e nunca tive problemas”, garante.

Mais tarde, a diretora aplicou uma suspensão de três dias para os alunos. Depois, convocou as famílias dos dois jovens, decisão que, segundo Hévila, está amparada no regimento da escola e recebeu apoio tanto da equipe quanto da maior parte dos demais estudantes. “A mãe do Ricardo veio até mim, pediu perdão pelo que aconteceu e disse que o filho estava arrependido pela reação, mas não quer mais voltar para a escola”, relata a gestora. Já a família do namorado ainda não compareceu. 

Hévila lamenta o ocorrido, mas não se arrepende da atitude. “Fiquei chateada pelo que aconteceu. E a repercussão é ruim para a escola e para mim, que fiquei exposta”, comenta. “Mas era necessário chamar a atenção dos dois. Certas posturas no namoro causam constrangimento aos outros”.

Até o fechamento desta reportagem, Ricardo não foi encontrado e seu namorado não respondeu aos contatos via Facebook. 

A avaliação dos especialistas

GESTÃO ESCOLAR pediu que dois especialistas analisassem o vídeo, e ambos concluíram que a abordagem da diretora não foi adequada para a situação. Para Raul Alves, pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem Unesp/Unicamp), embora não seja possível afirmar que o comportamento da gestora tenha sido discriminatório, é comum que escolas encarem de forma menos natural as relações homoafetivas. “Na verdade, as instituições reproduzem – muitas vezes de forma inconsciente –  o estranhamento que a sociedade em geral manifesta diante de relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo”, explica.

Adriana de Melo Ramos, doutora em Psicologia Educacional pela Unicamp que também participa do Gepem, concorda. “Minha experiência mostra que, em muitos casos como esse, o gestor convoca os pais, coisa que não costuma acontecer com os casais heterossexuais”, diz. “Além disso, fica claro que a relação já estava bastante desgastada desde antes, já que a provocação dos alunos foi intencional.” A especialista observa, ainda, que a postura corporal de Hévila denota uma atitude de confrontação, o que pode aumentar a tensão nesses casos, e uma linguagem pouco assertiva, que não comunica com clareza as razões da advertência.

Quem é gestor sabe que situações de conflito como essas acontecem com frequência nas escolas, principalmente quando os alunos são adolescentes, fase em que descobrem a sexualidade e cultivam os primeiros relacionamentos amorosos. Por isso, Adriana e Raul recomendam cinco atitudes importantes que podem evitar o confronto e encaminhar soluções melhores para esses problemas.

1) Pactue as regras para o namoro

Ilustração: Patrick Cassimiro

Assim como outros aspectos da convivência, os relacionamentos devem ser tema de discussões em assembleias e fazer parte dos combinados. A equipe gestora precisa proporcionar aos alunos momentos para discutir o que é e o que não é admissível nas áreas comuns da escola, e em que momentos as demonstrações de afeto podem ocorrer sem gerar incômodos ou constrangimentos. Em geral, os adolescentes aderem mais às regras quando compreendem o sentido delas e se sentem ouvidos. Esses combinados precisam ser os mesmos para casais heterossexuais ou homoafetivos, de forma a promover um convívio respeitoso no ambiente escolar.

2) Avalie cada situação individualmente e com calma

Ilustração: Patrick Cassimiro

Mesmo com os combinados, é possível – e até previsível – que conflitos ocorram. Diante da reclamação de um aluno ou de um professor, analise o contexto. Se a atitude do casal não causou problemas ou constrangimentos aos colegas, tampouco atrapalhou decisivamente o andamento da rotina, talvez nem seja necessária a intervenção. Tudo vai depender da situação concreta. Para essas coisas, não existe fórmula pronta nem caminho fácil para estabelecer os limites. Mas o exercício da ponderação é fundamental.

3) Trate os adolescentes de forma adulta

Ilustração: Patrick Cassimiro

Ao chamar a atenção dos adolescentes, a tendência dos mais velhos é dar ordens diretas e firmes, sem grandes explicações. Mas essa postura não funciona com adolescentes. Nessa fase, os indivíduos tendem a questionar e confrontar a autoridade. Além disso, sentem-se constrangidos diante da exposição diante do grupo. Por isso, quando um casal passar da conta (isto é, transgredir as regras de convívio), chame-o para uma conversa reservada, longe da turma, e explique a sua posição, sem deixar de ouvir os envolvidos.

4) Mostre que o espaço público exige limites

Ilustração: Patrick Cassimiro

Tanto na hora de formular os combinados quanto na mediação dos conflitos, é preciso deixar claro que a cultura constrói certos limites para as carícias em público. Um abraço carinhoso ou um beijo, em geral, não são problemáticos, mas ir além disso pode constranger as outras pessoas por diversas razões. Por isso, em prol da boa convivência, é preciso respeitar limites, tanto em relação aos espaços quanto aos momentos da rotina onde namorar é permitido. Se no pátio pode haver mais liberdade, na sala de aula talvez seja necessário mais comedimento – e isso dependerá dos combinados estabelecidos.

5) Não invada a intimidade dos alunos

Ilustração: Patrick Cassimiro

É comum que em alguns casos, especialmente os que envolvem casais homoafetivos, a escola queira procurar os pais para contar que os filhos estão namorando. No entanto, os alunos, ainda que menores de idade, têm direito à intimidade, como defende Yves de la Taille no livro Três Dimensões Educacionais.  Além disso, muitos adolescentes ainda não contaram aos pais que são homossexuais e, ao fazer essa revelação, a escola pode causar brigas e transtornos ainda maiores.