Conversar para resolver conflitos
Quando a escuta e o diálogo são as regras, surgem soluções pacíficas para as brigas
POR: Karina PadialAlunos que brigam com colegas, professores que desrespeitam funcionários, pais que ofendem os diretores. Casos de violência na escola não faltam. A pesquisa O Que Pensam os Jovens de Baixa Renda sobre a Escola, realizada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) sob encomenda da Fundação Victor Civita (FVC), ambos de São Paulo, revelou que 11% dos estudantes se envolveram em conflitos com seus pares nos últimos seis meses e pouco mais de 8% com professores, coordenadores e diretores. Poucas escolas refletem sobre essas situações e elaboram estratégias para construir uma cultura da paz. A maioria aplica punições que, em vez de acabar com o enfrentamento, estimula esse tipo de atitude e tira dos jovens a autonomia para resolver problemas.
Segundo Telma Vinha, professora de Psicologia Educacional da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e colunista da revista NOVA ESCOLA, implementar um projeto institucional de mediação de conflitos é fundamental para implantar espaços de diálogo sobre a qualidade das relações e os problemas de convivência e propor maneiras não violentas de resolvê-los. Assim, os próprios envolvidos em uma briga podem chegar a uma solução pacífica.
Por essa razão, é importante que, ao longo do processo de implantação, alunos, professores, gestores e funcionários sejam capacitados para atuar como mediadores. Esses, por sua vez, precisam ter algumas habilidades como saber se colocar no lugar do outro, manter a imparcialidade, ter cuidado com as palavras e se dispor a escutar.
O projeto inclui a realização de um levantamento sobre a natureza dos conflitos e um trabalho preventivo para evitar a agressão como resposta para essas situações. Além disso, ao sensibilizar os professores e funcionários sobre o tema, é possível identificar as violências sofridas pelos diferentes segmentos e atuar para acabar com elas.
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Pessoas capacitadas atuam em encontros individuais e coletivos
Há duas formas principais de a mediação acontecer, segundo explica Lívia Maria Silva Licciardi, doutoranda em Psicologia Educacional, Desenvolvimento Humano e Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A primeira é quando há duas partes identificadas envolvidas. Nesse caso, ambos os lados se apresentam ou são chamados para conversar com os mediadores - normalmente eles atuam em dupla para que a imparcialidade no encaminhamento do caso seja garantida - em uma sala reservada para esse fim. Eles ouvem as diversas versões, dirigem a conversa para tentar fazer com que todos entendam os sentimentos colocados em jogo e ajudam na resolução do episódio, deixando que os envolvidos proponham caminhos para a decisão final.
A segunda forma é utilizada quando acontece um problema coletivo - um aluno é excluído pela turma, por exemplo. Diante disso, o ideal é organizar mediações coletivas, como uma assembleia. Nelas, um gestor ou um professor pauta o encontro e conduz a discussão, sem expor a vítima nem os agressores. "O objetivo é fazer com que todos falem, escutem e proponham saídas para o impasse. Assim, a solução deixa de ser punitiva e passa a ser formativa, levando à corresponsabilização pelos resultados", diz Ana Lucia Catão, mestre em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Ela ressalta que o debate é enriquecido quando se usa outros recursos: filmes, peças de teatro e músicas ajudam na contextualização e compreensão do problema.
No CEF 602, no Recanto das Emas, subdistrito de Brasília, o Projeto Estudar em Paz, realizado desde 2011 em parceria com o Núcleo de Estudos para a Paz e os Direitos Humanos da Universidade de Brasília (NEP/UnB), tem 16 alunos mediadores formados e outros 30 sendo capacitados. A instituição conta ainda com 28 professores habilitados e desde o começo deste ano o projeto faz parte da formação continuada. "Os casos de violência diminuíram. Recebo menos alunos na minha sala e as depredações do patrimônio praticamente deixaram de existir. Ao virarem protagonistas das decisões, os estudantes passam a se responsabilizar por suas atitudes", conta Silvani Carlos dos Santos, diretora da escola.
O projeto obteve outras conquistas. Até o ano passado, o CEF 602 era a única instituição do Distrito Federal cujas carteiras tinham o assento e o encosto de ferro. Ao perceberem que esse fato incomodava os alunos - como se fosse uma violência estrutural -, eles organizaram uma assembleia, recolheram cerca de 500 assinaturas da comunidade e enviaram um ofício à Coordenação Regional de Ensino (CRE), que realizou a troca do mobiliário. O sucesso da ação levou o então coordenador pedagógico, Francisco Celso, a assumir a recém-criada diretoria de mediação de conflitos da CRE, que atua em todas as unidades sob sua responsabilidade.
Aluno ajudante e professor tutor contribuem para a cultura da paz
Desde 2011, as escolas na Espanha precisam elaborar um plano de convivência contemplando diretrizes para a promoção de uma cultura da paz. Além das assembleias e dos encontros de mediação, também são adotadas outras práticas. Uma delas é a do aluno ajudante, na qual alguns jovens são destacados para realizar o acolhimento dos novos colegas e identificar casos que possam evoluir para o bullying. Há também professores tutores realizando atendimentos individualizados aos estudantes que apresentam problemas relacionados à disciplina.
Na EE Walter Negrelli, em Osasco, na Grande São Paulo, o Projeto Conviver criou a figura do professor-coordenador para cada turma. Ele tem um caderno no qual anota as observações referentes a cada criança e os comentários que outros docentes e alunos fazem sobre a turma em geral. Com isso, são planejadas conversas e ações. "A equipe passa por formação duas vezes por ano. Durante os encontros de planejamento semestral, discutimos o projeto e analisamos formas de intervenção com base em situações reais", diz Cynthia Assato, coordenadora pedagógica.
"Essas propostas trazem um retorno muito grande para as instituições, que conseguem resultados satisfatórios. É preciso, porém, planejá-las criteriosamente", afirma Suzana Menin, professora da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp). No ano passado, a pesquisadora mapeou 1.062 experiências de Educação visando a não violência. A maioria delas apresentava problemas como a baixa adesão da direção às propostas sugeridas pelos docentes, a inexistência de formação dos envolvidos, a ausência de diretrizes no projeto político-pedagógico (PPP), a vinculação das ações a uma única disciplina e a descontinuidade diante da rotatividade de professores e da equipe gestora.
Para evitar que essas questões impeçam a implantação de um projeto em sua escola, acompanhe a sugestão que Lívia Maria Silva Licciardi elaborou exclusivamente para GESTÃO ESCOLAR.
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