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Conversar para resolver conflitos

Quando a escuta e o diálogo são as regras, surgem soluções pacíficas para as brigas

POR:
Karina Padial
Eliane Holanda, docente da EE Walter Negrelli, conversa com a representante do 7º ano sobre a sua turma. Foto: Marina Piedade
Momento de tutoria Eliane Holanda, docente da EE Walter Negrelli, conversa com a representante do 7º ano sobre a sua turma

Alunos que brigam com colegas, professores que desrespeitam funcionários, pais que ofendem os diretores. Casos de violência na escola não faltam. A pesquisa O Que Pensam os Jovens de Baixa Renda sobre a Escola, realizada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) sob encomenda da Fundação Victor Civita (FVC), ambos de São Paulo, revelou que 11% dos estudantes se envolveram em conflitos com seus pares nos últimos seis meses e pouco mais de 8% com professores, coordenadores e diretores. Poucas escolas refletem sobre essas situações e elaboram estratégias para construir uma cultura da paz. A maioria aplica punições que, em vez de acabar com o enfrentamento, estimula esse tipo de atitude e tira dos jovens a autonomia para resolver problemas.

Segundo Telma Vinha, professora de Psicologia Educacional da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e colunista da revista NOVA ESCOLA, implementar um projeto institucional de mediação de conflitos é fundamental para implantar espaços de diálogo sobre a qualidade das relações e os problemas de convivência e propor maneiras não violentas de resolvê-los. Assim, os próprios envolvidos em uma briga podem chegar a uma solução pacífica.

Por essa razão, é importante que, ao longo do processo de implantação, alunos, professores, gestores e funcionários sejam capacitados para atuar como mediadores. Esses, por sua vez, precisam ter algumas habilidades como saber se colocar no lugar do outro, manter a imparcialidade, ter cuidado com as palavras e se dispor a escutar.

O projeto inclui a realização de um levantamento sobre a natureza dos conflitos e um trabalho preventivo para evitar a agressão como resposta para essas situações. Além disso, ao sensibilizar os professores e funcionários sobre o tema, é possível identificar as violências sofridas pelos diferentes segmentos e atuar para acabar com elas.

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Pessoas capacitadas atuam em encontros individuais e coletivos

Há duas formas principais de a mediação acontecer, segundo explica Lívia Maria Silva Licciardi, doutoranda em Psicologia Educacional, Desenvolvimento Humano e Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A primeira é quando há duas partes identificadas envolvidas. Nesse caso, ambos os lados se apresentam ou são chamados para conversar com os mediadores - normalmente eles atuam em dupla para que a imparcialidade no encaminhamento do caso seja garantida - em uma sala reservada para esse fim. Eles ouvem as diversas versões, dirigem a conversa para tentar fazer com que todos entendam os sentimentos colocados em jogo e ajudam na resolução do episódio, deixando que os envolvidos proponham caminhos para a decisão final.

A segunda forma é utilizada quando acontece um problema coletivo - um aluno é excluído pela turma, por exemplo. Diante disso, o ideal é organizar mediações coletivas, como uma assembleia. Nelas, um gestor ou um professor pauta o encontro e conduz a discussão, sem expor a vítima nem os agressores. "O objetivo é fazer com que todos falem, escutem e proponham saídas para o impasse. Assim, a solução deixa de ser punitiva e passa a ser formativa, levando à corresponsabilização pelos resultados", diz Ana Lucia Catão, mestre em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Ela ressalta que o debate é enriquecido quando se usa outros recursos: filmes, peças de teatro e músicas ajudam na contextualização e compreensão do problema.

No CEF 602, no Recanto das Emas, subdistrito de Brasília, o Projeto Estudar em Paz, realizado desde 2011 em parceria com o Núcleo de Estudos para a Paz e os Direitos Humanos da Universidade de Brasília (NEP/UnB), tem 16 alunos mediadores formados e outros 30 sendo capacitados. A instituição conta ainda com 28 professores habilitados e desde o começo deste ano o projeto faz parte da formação continuada. "Os casos de violência diminuíram. Recebo menos alunos na minha sala e as depredações do patrimônio praticamente deixaram de existir. Ao virarem protagonistas das decisões, os estudantes passam a se responsabilizar por suas atitudes", conta Silvani Carlos dos Santos, diretora da escola.

O projeto obteve outras conquistas. Até o ano passado, o CEF 602 era a única instituição do Distrito Federal cujas carteiras tinham o assento e o encosto de ferro. Ao perceberem que esse fato incomodava os alunos - como se fosse uma violência estrutural -, eles organizaram uma assembleia, recolheram cerca de 500 assinaturas da comunidade e enviaram um ofício à Coordenação Regional de Ensino (CRE), que realizou a troca do mobiliário. O sucesso da ação levou o então coordenador pedagógico, Francisco Celso, a assumir a recém-criada diretoria de mediação de conflitos da CRE, que atua em todas as unidades sob sua responsabilidade.

Aluno ajudante e professor tutor contribuem para a cultura da paz

Mediadores do projeto Estudar em Paz, do CEF 602, discutem soluções para os conflitos entre os colegas. Foto: Leonardo Prado
Conversa em roda Mediadores do projeto Estudar em Paz, do CEF 602, discutem soluções para os conflitos entre os colegas

Desde 2011, as escolas na Espanha precisam elaborar um plano de convivência contemplando diretrizes para a promoção de uma cultura da paz. Além das assembleias e dos encontros de mediação, também são adotadas outras práticas. Uma delas é a do aluno ajudante, na qual alguns jovens são destacados para realizar o acolhimento dos novos colegas e identificar casos que possam evoluir para o bullying. Há também professores tutores realizando atendimentos individualizados aos estudantes que apresentam problemas relacionados à disciplina.

Na EE Walter Negrelli, em Osasco, na Grande São Paulo, o Projeto Conviver criou a figura do professor-coordenador para cada turma. Ele tem um caderno no qual anota as observações referentes a cada criança e os comentários que outros docentes e alunos fazem sobre a turma em geral. Com isso, são planejadas conversas e ações. "A equipe passa por formação duas vezes por ano. Durante os encontros de planejamento semestral, discutimos o projeto e analisamos formas de intervenção com base em situações reais", diz Cynthia Assato, coordenadora pedagógica.

"Essas propostas trazem um retorno muito grande para as instituições, que conseguem resultados satisfatórios. É preciso, porém, planejá-las criteriosamente", afirma Suzana Menin, professora da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp). No ano passado, a pesquisadora mapeou 1.062 experiências de Educação visando a não violência. A maioria delas apresentava problemas como a baixa adesão da direção às propostas sugeridas pelos docentes, a inexistência de formação dos envolvidos, a ausência de diretrizes no projeto político-pedagógico (PPP), a vinculação das ações a uma única disciplina e a descontinuidade diante da rotatividade de professores e da equipe gestora.

Para evitar que essas questões impeçam a implantação de um projeto em sua escola, acompanhe a sugestão que Lívia Maria Silva Licciardi elaborou exclusivamente para GESTÃO ESCOLAR.

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