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O que os gestores fazem para lidar com falta de merenda

O problema está presente de norte a sul no Brasil e exige que diretores tenham muito jogo de cintura

POR:
Caroline Monteiro
Foto:  Andre Borges/Agência Brasília/Creative Commons

Merenda escassa, atraso na entrega dos ingredientes, problema com licitação e fornecedores, alimentos vencidos, poucos merendeiros para muitos alunos. Falta alimentação escolar e não falta escola que passe por esses problemas. É um cenário recorrente na Educação brasileira, sobretudo em momentos de crise econômica como a atual.

Seja qual for a causa, que pode ir de seca ou excesso de chuva até desvio de verba, o fato é que as crianças e adolescentes não devem ficar sem alimentação enquanto estão na escola. A merenda impacta diretamente na aprendizagem e muitas famílias dependem das refeições escolares para sustentar seus filhos. Por isso, muitos gestores são obrigados a transformar um limão em limonada na hora de gerenciar as refeições e assegurar o direito dos alunos.

Para entender o que pode ser feito e como é a rotina nas escolas que sofrem com falta de alimentação escolar, NOVA ESCOLA entrevistou diversos diretores e especialistas em Educação. Confira:

Contato com os órgãos responsáveis

Reportar o problema para a Secretaria de Educação é o primeiro passo para entender se a situação é momentânea ou específica a uma única unidade. Se nada for resolvido, fale com o Conselho de Alimentação Escolar (CAE) do município, órgão que fiscaliza os recursos federais destinados à merenda e as condições sanitárias e de higiene dentro das escolas.

Segundo José Arimateia Bezerra, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará, a comunicação do problema deve ser feita de imediato, oficialmente e por escrito porque diminui as chances de o diretor ser responsabilizado por omissão ou erro. Com o papel em mãos, protocolado, é mais fácil explicar para as famílias e alunos que ele está se esforçando para solucionar a questão. Para o professor, é importante dividir com a cadeia responsável para impedir que o problema vire uma bola de neve. "Manter a comunicação clara com a família também é importante", diz.

Adaptações no cardápio

A verba da EEEM Roque Gonzales, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, não é suficiente para cumprir o cardápio passado pela Secretaria de Educação. Com apenas três funcionárias na cozinha e dinheiro insuficiente, a equipe é obrigada a mudar a lista para alimentar todos os alunos.

“O cardápio enviado pela secretaria é enorme, parece de restaurante, mas a verba não atende às exigências", diz Sibila Mossmann, merendeira da unidade. Isso ocorre com o pão, que deveria ser servido cinco vezes na semana. Sibila explica que, como não é possível cumprir a demanda, duas vezes por semana é preciso substituí-lo pela bolacha e não é permitido que os alunos repitam a refeição.

As próprias receitas sofrem pequenas "manobras" para render mais, como encorpar o molho da carne. Sibila também tenta planejar com antecedência as refeições que exigem bastante esforço manual. "Somos só três funcionários na cozinha, então tento sempre adiantar alguns preparos, como descascar os legumes, para não atrasar a alimentação", diz.

Cantina como complementação

Em Marataízes, no Espírito Santo, a diretora da EMEIEF Boa Vista do Sul, Marlucia Brandão, também precisa ser bastante estratégica para gerenciar a merenda, que não é suficiente para as 322 crianças de 4 a 5 anos atendidas na escola. "Nossa carta na manga é a cantina. Vendemos nela alimentos que as crianças adquiriam fora da escola, no comércio vizinho, como pastel assado ou mini pizza. Com o lucro, compramos os itens que faltam na merenda". A tática de Marlucia é autorizada e supervisionada pela Secretaria de Educação do município, desde que ela não venda na cantina alimentos presentes no cardápio da merenda.

"Conseguimos de 30 a 40 reais por dia com a lanchonete, o que é um bom reforço para comprarmos ingredientes como temperos, arroz, óleo ou qualquer outro item que não venha na semana". Na rede de Marataízes, as escolas recebem diretamente os gêneros alimentícios. Em muitas cidades, as unidades têm a própria verba para fazer as compras.

Projetos de horta na escola

Na EMEF Benedita Gomes, em São Miguel do Guamá, no Pará, os alunos eram liberados até uma hora mais cedo porque faltava merenda. "Começamos a verificar um número maior de crianças retidas e aumento da distorção idade-série. Os pais passaram a não trazê-las para a escola porque não tinha alimentação suficiente”, diz a professora Inapoan Menezes Ferreira. A alternativa encontrada foi criar um projeto de horta na escola, que pode ser usado para plantar temperos e verduras para salada. Inapoan explica que foi apenas um paliativo, mas a solução temporária pode ajudar alguns gestores nos momentos mais críticos.  

Doações

Há casos em que os próprios professores e funcionários fazem doações quando precisa. "Sabemos que é um problema do poder público e que é obrigação deles fornecer merenda adequada, mas a realidade não é essa e não podemos deixar nossos alunos sem alimentação, por isso, muitas vezes, fazemos as doações", argumenta Marlucia Brandão.

Na rede em que ela trabalha, os itens jamais podem ser solicitados para as famílias. Isso foi feito por um tempo na EMEF Benedita Gomes, em São Miguel do Guamá (PA). Os familiares dos alunos doavam verduras e frutas, mas o hábito se perdeu. "Deixou de ser permitido porque a secretaria disse que isso prejudicaria o governo", explica a professora Inapoan Ferreira.

Foco na formação

Segundo o coordenador da Secretaria de Educação de Miranda do Norte, no Maranhão, Renato Moreira Silva, que também é formador de diretores, é preciso reforçar aos educadores a importância de acompanharem de perto a gestão dos alimentos. Como o profissional é o elo entre a secretaria e a escola, ele precisa saber prontamente se falta um ingrediente ou se o gás acabou, para conseguir manejar a tempo e não deixar as crianças sem alimentação.

"Nós indicamos que os gestores acompanhem de perto a entrega dos ingredientes e verifique já naquele momento se falta algo e se os produtos estão dentro da validade e próprios para o consumo. Se o diretor percebe que parte dos tomates estão podres, por exemplo, ele deve recusar o recebimento", explica.

Apesar das opções para driblar a falta de alimentação, Cleuza Repulho, especialista em Educação, reforça a necessidade de compartilhar e pedir auxílio aos órgãos públicos. Na opinião dela, ter de pensar em alternativas dentro da escola sobrecarrega a equipe gestora. “Às vezes, a escola pensa em guardar os alimentos para usá-los caso faltem, mas não tem espaço para estocar comida, que pode estragar; ou então a escola fica suscetível a roubos. É um problema muito grave que deve ser sempre compartilhado com a gestão pública, mesmo que a solução não chegue prontamente", diz Cleuza.

Ficar no pé da prefeitura trouxe resultados à rede de Katia Berredo, coordenadora da Casa do Professores e formadora de gestores escolares, em Arari, no Maranhão. Ela viu uma melhoria grande na merenda nos últimos cinco anos. "A Secretaria de Educação finalmente entendeu que a merenda é essencial", diz.

O mesmo aconteceu em São Miguel do Guamá, no Pará, cidade da professora Inapoan. "Conseguimos fazer com que a os órgãos públicos reconhecessem seriamente a importância da alimentação escolar para aprendizagem dos alunos e hoje não temos problemas relevantes com a merenda", diz.

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