Ir ao conteúdo principal Ir ao menu Principal Ir ao menu de Guias
Notícias
5 4 3 2 1

É preciso acolher com mais cuidado a juventude na EJA

POR:
Ewerton de Souza
Turma de jovens e adultos no CIEJA Clóvis Caitano Miquelazzo, São Paulo. Foto: Ewerton de Souza

Quando digo em uma conversa que eu sou professor, percebo nos olhares das pessoas um misto de admiração e pena por realizar tarefa tão nobre e tão difícil em nossos tempos.  Então, aprofundando o papo, explico que trabalho em uma escola que atende exclusivamente a jovens e adultos. Geralmente o rosto dos meus interlocutores se enternece, trazendo talvez à mente a imagem do vovô ou da vovó na sala de aula. Mais de uma vez notei o espanto quando expliquei que, na verdade, parte expressiva dos meus alunos, praticamente metade, são de jovens entre 15 e 18 anos, e não poucos em conflito com a justiça. Já vi semblantes mudarem da ternura para a ojeriza.

Essa situação expressa perfeitamente a diferença entre a ideia que as pessoas fazem da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e a transformação pela qual esta modalidade tem passado. Estudos e dados dos sistemas de ensino têm comprovado tal realidade. Cada vez mais jovens migram do ensino regular para a EJA. E isso só constata o fracasso das políticas públicas em acolher os adolescentes em escolas comuns.

E por falar em acolhida, talvez esteja aí, não a receita, mas o caminho, para a Educação de Jovens e Adultos. Essa modalidade já acolheu principalmente pessoas que, por razões de falta de acesso, não tiveram oportunidade de estudar na idade considerada adequada. Agora, a EJA se vê no desafio de receber e criar um espaço acolhedor para um público que até teve acesso à escola, mas cujo sucesso ficou comprometido pelo equívoco das práticas educacionais e pelo vácuo de uma série de outras políticas sociais.

Diante desse quadro digo: acolher é preciso! Semana passada tive uma grata surpresa ao atender como coordenador um aluno para o qual havia dado aula há uns sete anos. À época, ele era um desses jovens de 15 anos que havia parado na EJA porque a escola não o comportava mais, com toda a carga semântica que comportar pode sugerir.

VEJA TAMBÉM: A professora Marcia Friggi tomou um soco. E nós, o que aprendemos?

Era um garoto difícil que acabou sendo recolhido pela Fundação CASA e, mais tarde, já maior, indo para a "penita", como ele mesmo contou. "Avançou" várias séries lá. Disse que era importante estudar, porque diminuía a pena e dava o privilégio de ficar "nos pavilhão de cima”. Depois de tudo isso, ainda jovem, com 22, veio nos procurar porque não lê nem escreve e queria "aprender de verdade".

Nesse dia, o menino me ensinou algo: em algum momento lá atrás posso ter fracassado com ele, mas num ponto crucial nós acertamos. Ele se sentiu acolhido pela nossa escola. Tanto que, depois de tanto tempo e de ter passado por tantos lugares, nos procurou assim que se viu livre, porque sentiu que ali, naquela comunidade escolar, havia um vínculo e um lugar para ele.

Em relação a esse aluno, ainda precisamos realizar novas sondagens, avaliar e planejar, mas o fundamental conseguimos: cativamos esse menino e mostramos que nos importamos com ele. E essa é a primeira porta para o diálogo. Ao nos tornarmos referência para esse jovem, começamos a fazer diferença em sua vida. E assim acontece no trabalho de muitas escolas Brasil afora.

Por isso repito: acolher é preciso! Quantas vezes, como coordenadores, ouvimos até de professores e principalmente de educandos mais velhos, que o lugar desses jovens não é na EJA, como se o J não estivesse ali, na sigla desta modalidade?

Eu diria sim, o lugar desses jovens é conosco porque o denominador comum da EJA é o fato de que trabalhamos com pessoas que foram excluídas de alguma forma da sociedade. E esses jovens gritam ora violentamente, ora silenciosamente por inclusão. Portanto, o acolhimento é essencial e acolher é tanto abrir portas e caminhos quanto se abrir.

Mas o que fazer para receber bem esses alunos?

Se há alguma receita para acolher, eu diria que não pode faltar a escuta e o interesse pelo universo desses alunos. Quem deve dar o primeiro passo somos nós, educadores, conscientes do nosso papel e muito mais capazes de fazê-lo que nossos educandos. Veja algumas dicas:

1. Envolva toda a comunidade escolar

O que tem dado certo em nossa comunidade escolar, por exemplo, é discutir a questão com todos os envolvidos. Começando por nós, coordenadores, e passando por professores, educandos e demais funcionários, porque o acolhimento começa na porta da escola: é um tratamento cortês, é uma orientação atenciosa, é a forma como se oferece um lanche ou se recebe na sala de aula.

A nós, educadores em sentido lato, cabem algumas tarefas importantes: a primeira delas é considerar a urgência desta discussão. O educando da EJA, quando não se sente acolhido, simplesmente vai embora. No caso do jovem, é mais uma porta que se fecha. Às vezes, como infelizmente já vi, a última porta.

2. Procure entidades e profissionais parceiros

Outra tarefa nossa é a de buscar, com a equipe gestora, parcerias. Tem dado muito certo conosco. Centros psicossociais e de assistência social, ONGs, responsáveis pelas medidas socioeducativas, unidades básicas de saúde, todos são importantes para aproximar a escola desses jovens, quebrar resistências, conhecer suas histórias e traçar estratégias de motivação para a aprendizagem.

3. Proporcione oportunidades de discussão

Certamente, outro papel fundamental de nossa parte é a criação de espaços e momentos formativos para falar de juventude, e de juventude na EJA. Têm sido profícuas as conversas com a equipe escolar. Muitas vezes, percebi que a sensibilização de professores e demais funcionários pode começar pelo resgate de suas próprias trajetórias como jovens. Lembrar da irreverência e do questionamento típicos dessa fase certamente ajuda na compreensão desses educandos.

4. Iniba os conflitos geracionais

Quem trabalha com EJA sabe também que é muito forte nessas turmas o conflito geracional. Por isso é importante, em parceria com os professores, criar tempos na aula para a turma se pensar enquanto coletivo. Certamente acolher não é ser permissivo. É importante abrir um canal de diálogo com o educando jovem para mostrar a ele que "o certo é certo, na guerra ou na paz”, como diriam os Racionais MC's na música "A Vida É Desafio".

No entanto, tenho percebido que frequentemente as expectativas dos educandos mais velhos entram em rota de colisão com a forma de se relacionar e aprender dos mais jovens. Nesse momento, discutir a relação de forma clara e amistosa pode estabelecer uma parceria entre jovens e adultos que dará um ganho de qualidade para a aula, fazendo casar experiência de vida dos mais velhos com o dinamismo dos mais jovens.

Enfim, meus caros colegas, parafraseando o poetinha, Vinícius de Moraes, e finalizando essa primeira conversa, Educação é a arte do encontro embora às vezes haja tanto desencontro na Educação. De qualquer forma, é importante não desanimar, afinal se não formos nós, educadores, quem o fará?

Ewerton Fernandes de Souza é coordenador geral no CIEJA Clóvis Caitano Miquelazzo, escola da prefeitura de São Paulo que lida exclusivamente com Educação de Jovens e Adultos, especialmente na faixa etária dos 15 aos 18 anos. Foi um dos 50 finalistas do Prêmio Educador Nota 10 de 2017.