Aprendemos com os alunos a resolver conflito entre professores
POR: Eurismar Silva Ribeiro
Garantir que a aprendizagem dos alunos aconteça é a principal tarefa do coordenador pedagógico. Além disso, ele também lida com outros problemas: indisciplina e desinteresse de alunos, relações conflituosas entre docentes, falta de professores, entre outras. São situações que acontecem diariamente nas escolas, influenciam o desempenho dos estudantes, e se não forem bem encaminhadas, o coordenador não dá conta do seu objetivo principal, que é a aprendizagem.
Há sete anos atuo como coordenadora pedagógica em Sobral, no Ceará, e tenho vivenciado várias situações desafiadoras. Vou compartilhar uma delas aqui com vocês:
Trabalhei numa escola do campo, que atendia alunos do Ensino Infantil II ao 9º ano. Tínhamos problemas de indisciplina, desinteresse e muitos conflitos, principalmente no Ensino Fundamental II. Se não bastassem os problemas com os alunos, a direção e a coordenação pedagógica enfrentavam também a falta de compromisso entre alguns educadores, além de fofoca e desunião. Existia uma nítida separação entre os professores do Fund I e Fund II, ou seja, cada modalidade de ensino tinha seu grupo.
A gestão da escola já tinha tentado tudo o que sabia com os estudantes e professores, porém sem êxito. Foi diante dessa situação que resolvemos estudar e procurar por soluções diferentes. Encontramos algumas obras e vários textos na internet do especialista em pedagogia escolar Ulisses Ferreira de Araújo, que propunha um trabalho democrático na escola. Vimos também vídeos com a pedagoga Telma Vinha, e um com a experiência de assembleias da Escola Comunitária de Campinas, em São Paulo. Estudávamos nos momentos de planejamentos com os professores.
Para resolver as situações conflituosas entre os alunos, optamos por trabalhar com assembleias de classe no ensino Fundamental II, em que a situação estava mais caótica. O professor de História Claudio Bessa se propôs a realizar as assembleias nas aulas que ministrava. Depois de certo tempo, os professores viram que os alunos estavam conseguindo resolver boa parte dos seus problemas através do diálogo. Eles estavam mais conscientes do seu papel, respeitosos, mais críticos e colaboradores. Claudio falou: “Sei que o projeto não vai mudar os meninos e meninas da noite para o dia, mas já notei mudanças bem significativas, pois alguns pequenos conflitos que ocorriam na sala foram totalmente abolidos, algumas brincadeiras de mau gosto foram aos poucos parando. A parte mais interessante da assembleia é a participação dos alunos, pois até os tímidos se pronunciam e dão suas opiniões sobre algum fato que aconteceu.”
Se deu certo com os alunos, pode funcionar com os professores?
Com os bons resultados da assembleia dos alunos, propomos aos educadores resolver seus problemas da mesma forma. Começamos do jeito que fazíamos com os adolescentes, construindo um cartaz que serviu como pauta. Os docentes que se sentiam prejudicados pelos colegas iam até a sala de professores, onde ficava a cartolina, e escreviam suas crítica para serem discutidas, sem citar o próprio nome. E todo mês, no encontro geral de professores, era reservada uma hora do tempo para discutir os problemas, propor soluções e encaminhamentos. Assim como os alunos, tivemos que trabalhar as regras de funcionamento da assembleia, pois alguns docentes não respeitavam a vez de falar dos colegas ou monopolizavam as falas, por exemplo. Foram muitas emoções! Em alguns momentos houve até choro de desabafo.
Na pauta tinha de tudo! Reclamavam do colega que compartilhava o armário e deixava aberto e bagunçado, dos objetos que sumiam, falavam dos professores que vinham lanchar primeiro e deixavam os demais sem lanche ou com o lanche todo remexido, das pessoas que deixavam os colegas no ônibus quente esperando por elas o dia todo, do quanto se sentiam mal diante de comentários maldosos sobre seus trabalhos. Até a diretora teve algumas de suas ações criticadas e procurou se organizar.
Mas nas assembleias não tinha só queixas, não! Havia também a pauta das felicitações. Um professor felicitava outro pelo bom trabalho desenvolvido na sua sala, por uma atitude legal que fortalecia o grupo ou por uma ação de solidariedade e cuidado com um companheiro. Depois de certo tempo os professores estavam mais unidos e fortalecidos. Isso repercutiu no trabalho de cada um que participou. Eles passaram a ouvir mais seus alunos e a incluir a opinião dos discentes nas decisões tomadas em sala.
Os alunos por sua vez se sentiam mais respeitados e faziam questão de falar sobre esse assunto. Até declaravam estar mais felizes na escola. Na época, produzíamos um jornal por bimestre e os estudantes decidiram produzir uma edição somente com a temática das assembleias (clique aqui para ler). Ficaram registrados muitos relatos de alunos e professores sobre esse trabalho. No início gastávamos mais tempo do que o previsto com a pauta, pois era problema demais para resolver. Contudo, aprendemos a fazer a gestão do tempo através do coordenador da assembleia que se candidatava para gerir as falas, o tempo e fazer a ata onde constava a pauta discutida, os acordos feitos e encaminhamentos a serem tomados.
Mas, apesar das assembleias, era necessário conversar individualmente com os professores mais resistentes para aderir à nova forma de resolver os conflitos, tendo alguns que achavam uma perda de tempo e nunca apresentavam soluções, só queixas. Teve até professor que se sentiu pressionado pelos colegas a mudar de atitude e admitiu isso, assumindo a responsabilidade pelos problemas causados e se desculpando com os companheiros durante uma reunião. Foi uma experiência singular!
E vocês, coordenadores? Já tentaram algo parecido? Contem suas experiências.
Até a próxima!
Eurismar Silva Ribeiro é coordenadora pedagógica no CEI Dolores Lustosa, em Sobral, Ceará, desde outubro de 2015. É pedagoga e tem especialização em psicopedagogia institucional e em gestão escolar.
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