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O que Manaus pode ensinar ao Novo Ensino Médio

Há 10 anos, o Amazonas encontrou um modelo para diminuir as dificuldades geográficas, levando Educação para comunidades de todos os municípios do estado

POR:
Laís Semis
No Centro de Mídias de Educação, as aulas são transmitidas ao vivo e possibilitam interação em tempo real com as turmas conectadas. Crédito: Laís Semis

Um dos maiores desafios do Novo Ensino Médio é a flexibilização. Pela reforma aprovada, o currículo da etapa deverá ser composto por até 60% de conteúdos previstos pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e 40% por itinerários formativos em cinco áreas: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Formação Técnica e Profissional. No entanto, as escolas não são obrigadas a ofertar todos.

Enquanto as particulares prevêem garantir o maior leque de opções aos estudantes, a recomendação do Ministério da Educação (MEC) é que as escolas ofereçam ao menos dois itinerários. Mas estados como o Rio Grande do Norte já sinalizam a possibilidade de que algumas escolas conseguirão ofertar apenas um. Levando em conta que 55% dos municípios brasileiros têm apenas uma escola de Ensino Médio regular, a ideia de flexibilização à escolha do aluno pode ficar comprometida pela falta de opções.

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Assim, várias regiões precisarão encontrar caminhos alternativos para superar seus obstáculos regionais. Santa Catarina, por exemplo, prevê o intercâmbio entre municípios próximos para colocar o projeto de pé. Mas e quando as distâncias não permitem essa integração? Um modelo possível pode estar no Amazonas. Há 10 anos, o maior estado do Brasil criou um centro de ensino mediado que permitiu que a escola - e professores especialistas em todas as disciplinas - chegassem em locais em que o Ensino Médio nunca tinha sido acessível.

O que há de tão inovador no Amazonas
O estado do Amazonas tem desafios muito peculiares pela sua geografia. Apenas para traçar um comparativo: São Paulo tem 645 municípios e 44 milhões de habitantes num espaço de mais de 248 mil km². O Amazonas tem apenas 62 municípios e 4 milhões de habitantes, mas estão espalhados em 1,5 milhão de km² (fosse um país, seria o 18º maior do mundo). Além disso, muitas regiões do estado só podem ser acessadas por via aérea ou fluvial - e levam dias pelo rio. Imagine, nesse contexto, as distâncias percorridas pelo transporte escolar. Imagine a logística da merenda. Imagine comunidades rurais com demandas inferiores a dez alunos no Ensino Médio. Imagine que nessas comunidades não existem professores formados nas 13 disciplinas que compõem o atual currículo desta etapa de ensino. Imagine que, mesmo se houvesse, não haveria turmas suficientes para que ele completasse carga horária ou tempo suficiente para percorrer as longas distâncias para trabalhar em diversas escolas. Como viabilizar Educação para esses jovens?

Só há 10 anos, a Secretaria de Educação (Seduc) do Amazonas abriu as portas de uma escola que atenderia 2.109 turmas em todo o estado e que prometia transformar essa realidade: o Centro de Mídias de Educação do Amazonas (Cemeam).

Os estúdios permitem interações tecnológicas, como intervenções sobre os conteúdos da tela. Crédito: Laís Semis

Sete estúdios e uma imensa sala dos professores compõem esse espaço. É nele que tudo acontece, embora nenhum aluno circule por aqui. “Muita gente pensa que se trata de ensino à distância, mas não é. É ensino mediado”, desmistifica Arone Bentes, secretário estadual do Amazonas. “Existe um professor na sala de aula que entra ao vivo e consegue interagir com os alunos em tempo real. É como se nós transformássemos todo o Amazonas numa grande sala de aula, em que a tecnologia ecoasse aquilo que está acontecendo do estúdio”, explica.

A transmissão por IPTV (Internet Protocol Television) das aulas que acontecem nos estúdios do Centro de Mídia chegam às antenas instaladas nas comunidades rurais atendidas pela instituição. Todas contam um armário com uma televisão, um computador, uma webcam, um microfone e uma impressora. Como em uma videoconferência multiponto, o kit permite que haja interação com o centro em tempo real. Toda a metodologia é presencial, mas com mediação tecnológica. “Não é uma transmissão de TV convencional, mas via internet. Comunidades que não têm telefone e celular não pega, com essa antena captam as aulas”, diz Sérgio Araújo.

Ministrar e mediar
No estúdio, dois professores se revezam na explicação. Enquanto um deles está em cena, o outro acompanha o chat com as turmas que estão conectadas àquela aula. Todos são especialistas nas áreas que atuam. Na outra ponta, um professor mediador garante a conexão, cuida da turma, faz o controle acadêmico, aplica, acompanha e corrige as atividades e provas a partir de um gabarito. O mediador acompanha todas as quatro aulas diárias durante todo o ano com aquela turma. “Ele não vai aprofundar nas disciplinas, mas fazer a mediação, auxiliar os alunos na interpretação dos conteúdos”, conta Sérgio. Geralmente, são profissionais com formação conectada à Educação - como Pedagogia ou Curso Nacional Superior. “É como se a função do professor fosse compartilhada. No estúdios, temos um professor que está ministrando o conteúdo e, na escola, temos um professor engajando e dando todo o suporte pedagógico”, considera Sabrina Araújo, professora do Centro de Mídias.

Uma hora antes de cada aula entrar no ar, o trabalho entre estúdio e mediador se inicia. O material que será usado na aula é transferido. Assim, as atividades do dia podem ser impressas e já é possível testar a qualidade da transmissão e pedir suporte técnico do estúdio, se for o caso, para corrigir áudio e vídeo. É também o mediador que aciona o chat no caso de dúvidas e coloca o aluno em rede para fazer sua pergunta - existe uma parte da aula reservada para dúvidas. De acordo com o diretor do Centro de Mídias, embora sejam muitas turmas, é possível administrar as perguntas. “Elas são ordenadas de acordo com a ordem de quem pede a vez. Geralmente, as dúvidas de diferentes alunos são as mesmas. Então, quando um faz a pergunta, outros já se sentem contemplados pela resposta. É muito bem organizado”, pontua Sérgio.

Os dois professores - chamados de ministrantes - se revezam no estúdio e ficam também responsáveis pelo planejamento das aulas. Diferente do que acontece numa escola regular, os trabalhos são pensados em duplas, revisados pela equipe pedagógica e produzidos com o apoio dos técnicos dos estúdios, que também colaboram com ideias de animações e outros recursos que possam deixar as aulas mais dinâmicas ou ilustrar conteúdos. “O que o professor sonha, no Centro, ele tem as condições de fazer para levar ao aluno”, afirma Rossieli Soares, secretário de Educação Básica no MEC e ex-secretário de Educação do Amazonas.

Os professores planejam e apresentam as aulas em duplas. Enquanto um leciona, o outro acompanha o chat com as dúvidas dos alunos. A função é revezada. Crédito: Laís Semis Os professores planejam e apresentam as aulas em duplas. Enquanto um leciona, o outro acompanha o chat com as dúvidas dos alunos. A função é revezada. Crédito: Laís Semis As aulas são transmitidas para todo o estado. Como em programas de TV, antes de entrar no ar, os professores passam por maquiagem. Crédito: Laís Semis As aulas são transmitidas para todo o estado. Como em programas de TV, antes de entrar no ar, os professores passam por maquiagem. Crédito: Laís Semis Além de transmitir as aulas, os técnicos do estúdio acompanham o feedback das transmissões a partir de um chat em que todos os professores mediadores das turmas que estão assistindo as aulas participam. Crédito: Laís Semis Além de transmitir as aulas, os técnicos do estúdio acompanham o feedback das transmissões a partir de um chat em que todos os professores mediadores das turmas que estão assistindo as aulas participam. Crédito: Laís Semis

Rossieli ressalta que a proposta não foi pensada para substituir o professor. “Ele foi pensado para comunidades que não têm docentes e em que não existem condições de fazer o professor chegar até esses lugares porque são isolados”, explica. A parceria entre estados e municípios também é uma característica importante do projeto. “Nunca foi construída uma sala de aula para atender esse projeto”, considera Rossieli. Parte das escolas são do próprio estado, mas a maioria das salas que recebem a transmissão do Centro de Mídia são parcerias com municípios. As salas que atendem o Fundamental durante o dia e à noite estavam ociosas, passaram a receber o Ensino Médio mediado.

Para além das aulas, outras oportunidades
A demanda inicial partiu do Ensino Médio e hoje o modelo contempla também a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e Fundamental 2.  Hoje, quase 14%  dos alunos do Ensino Médio da zona rural são atendidos por essa metodologia. Mas nem só de aulas vive o Centro de Mídias. A tecnologia proporciona um canal entre a Secretaria de Educação do Estado e os municípios. Em todos os centros há duas ou três salas exclusivas para vídeo conferências, uma possibilidade para a formação continuada dos professores que estão no interior. “Também utilizamos a plataforma para explicar procedimentos e normas que mudam dentro da Secretaria”, comenta Sérgio. Segundo eles, é muito mais rápido reunir professores no Amazonas do que em São Paulo ou outro estado por conta dessa tecnologia. O modelo também permite integração com outras secretarias, como a de saúde, para veicular campanhas, por exemplo. “As possibilidades de trabalho são inúmeras. Estamos agora com os aulões para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) aos sábados”, exemplifica Arone Bentes.

“Os Centros de Mídia foram criados pensando nas comunidades mais distantes, mas, hoje, olhamos para essa ferramenta também como uma oportunidade para as cidades maiores”, diz Rossieli Soares. “A tecnologia, embora inovadora, não é a coisa mais impressionante do Centro de Mídias. Os usos pedagógicos que essa ferramenta pode trazer, sim, impressionam”, completa. Uma dessas perspectivas é de que a ferramenta possa inspirar outros estados. Embora o custo seja alto - 57 milhões anuais - o secretário de Educação Básica do MEC afirma que é possível replicar a proposta. Bahia, Piauí e Roraima já estruturaram políticas baseadas no projeto amazonense. “Quando você começa a medir as possibilidades, elas são gigantescas. Cada um estruturou com a sua aplicação pedagógica diferenciada. Na Bahia, por exemplo, o foco é ensino técnico para zonas rurais”, cita Rossieli.

Apesar das dificuldades geográficas, o Amazonas tem nessa ferramenta as condições de ofertar aos alunos a escolha pela Língua Espanhola ou Inglesa, por exemplo, para todas as escolas com qualidade. Bem como, em um futuro próximo, ofertar todos os cinco itinerários formativos propostos pela Reforma do Ensino Médio. E, se quiser, ainda explorar muitas opções de percursos dentro da Formação Técnica e Profissional. Para Eduardo Deschamps, secretário de Educação de Santa Catarina, a possibilidade de poder oferecer diversas trajetórias para o interior sem necessariamente ter o professor especialista em cada um desses locais viabiliza oportunidades. “É uma abertura imensa ter uma pessoa muito boa trabalhando de um centro e o professor em cada comunidade podendo atuar na trajetória em que ele escolher”, considera Deschamps.

“O modelo possibilita de criação de propostas curriculares muito diferenciadas. A tecnologia está à disposição, a questão é como você a organiza a favor da Educação”, diz Rossieli. Deschamps acredita que existem soluções viáveis para todos os desafios postos. “Essa é uma apenas uma amostra do que é possível fazer. Mas temos muitas outras experiências bacanas sendo feitas no Brasil que podem servir de inspiração”, afirma.