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Por que é importante que os alunos conheçam sua própria identidade étnica

POR:
Ewerton de Souza
Foto: Getty Images

Começamos novembro. E com esse mês se intensifica a discussão em torno das relações étnico-raciais. Aproveito, meus amigos, para pegar esse bonde e trazer à nossa conversa quão importantes são as ações da escola para a afirmação de identidades e o quanto isso está relacionado ao sentimento de pertencimento a esta ou aquela etnia.

De fato, o campo das relações étnico-raciais é vasto e as possibilidades de trabalho com o tema infinitas. Contudo, o primeiro passo, a meu ver, consiste na desconstrução de imagens sedimentadas na sociedade quanto ao negro e ao indígena, bem como em trazer para o centro do currículo essas etnias.

Um exemplo. Em 2015, trabalhamos um projeto sobre os direitos da pessoa indígena. Numa das rodas de conversa cujo objetivo era conhecer que imagens do indígena estavam na cabeça do nosso alunado, um educando partilhou: “Vivi muito tempo em Parelheiros. Lá a gente via muito índio na ‘cidade’. Mas era muito tranquilo! Eles eram ‘domesticados’”.

Compreender o indígena como domesticado e – por oposição – como selvagem é uma categorização fundamental do projeto de colonização que vivenciamos ao longo desses séculos. Uma imagem reforçada sistematicamente em obras de arte, textos literários, livros didáticos, produções de TV, discursos políticos e religiosos... É  necessário estudar muito para desconstruir essa imagem que foi enfiada em nossa cabeça. E, mais uma vez, é nosso papel como educadores problematizá-la e desconstruí-la.

No projeto, seguimos aquela dica de sempre, ouvir o educando. Partimos dessa fala para discutir o que é ser selvagem e, dentro dos parâmetros de barbárie, quem realmente tem sido modelo de selvageria: o índio ou o homem branco ocidental? Resultou num trabalho de colagem muito bonito com a provocação “Quem é o selvagem?” junto a um espelho, no centro, cercada de fotos das mais diversas atrocidades cometidas por pessoas civilizadas.

Fomos além, expusemos os educandos a um mosaico de imagens dos indígenas das mais diversas etnias, porque índio não é tudo igual, e pedimos que eles buscassem naquelas belíssimas fotos traços físicos que eles reconhecessem em si. Ao final alinhamos as fotos dos indígenas com fotos dos nossos educandos de acordo com as semelhanças que eles indicaram.

Não deu outra, o trabalho vertia, na comparação das fotografias, o quanto trazemos dessa ascendência pré-colombiana. Porque muitos de nós, educadores e educandos, temos sangue indígena em nossas veias. No entanto, é muito mais fácil ostentar com orgulho um sobrenome italiano que admitir os traços indígenas que muitas vezes se desenham em nossos rostos. E isso por um motivo óbvio: ninguém gosta de carregar estigmas. Daí que, junto a um trabalho de desconstrução e problematização de discursos tido como verdades inquestionáveis, faz-se necessário e urgente resgatar a autoestima dos nossos educandos valorizando as marcas étnicas que eles trazem em si. É preciso construir o orgulho de ter em seu rosto traços indígenas e negros. E nisso a escola pode dar uma grande colaboração!

O resgate d consciência negra

Lembro de outro trabalho que realizamos por ocasião do Dia da Mulher Negra, em 25 de julho. Passei nas salas convidando as educandas para participar de sessões fotográficas que desenvolveríamos para um painel. No entanto, poderiam participar do projeto somente aquelas mulheres que se autodeclaravam negras. Em uma das turmas que entrei, tivemos a adesão de duas mulheres que foram imediatamente censuradas por uma terceira educanda que sentenciou: “Vocês não podem fazer essas fotos, não! Se eu, que sou mais ‘escurinha’ que vocês, não sou negra, vocês também não são.” O clima gerou um mal estar na turma. Mas a partir do momento em que as colegas iam voltando da sessão de fotos e contando como se sentiram valorizadas ao participar da proposta, outras alunas foram se declarando negras e pedindo para participar desse painel.

O resultado do trabalho era um mosaico de diversidade que me deu outra lição importante: discutir relações étnico-raciais não é colocar o branco de um lado e o não branco de outro. Há toda uma complexidade que precisa ser contemplada. E isso pode ser pensado a partir do alerta do grande sociólogo Boaventura de Sousa Santos:  Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades”. 

Numa educação para as relações étnico-raciais, o binômio diferença/igualdade deve ser problematizado e considerado dentro do jogo social. Nosso anseio pela igualdade não pode sufocar as diferenças existentes entre os sujeitos, gerando uma massa sem rosto e sem história.

Portanto, são muitas as tarefas curriculares da escola nessa temática, mas tudo começa em tornar positivamente visível o sujeito que foi historicamente colocado à margem. Penso em duas abordagens complementares iniciais para a educação para as relações étnico-raciais:

1) denunciar esses estigmas escancarando a injustiça social presente neles;

2) afirmar as marcas étnicas tornando-as motivo de orgulho para os sujeitos que as ostentam em si.

É óbvio que isso perpassa toda a escola, todos os seus agentes, inclusive nas mínimas coisas. Não dá para tornar a escola como espaço da diversidade étnico-racial reduzindo a “cor de pele” a um único lápis da caixinha, mas isso dá corda para outra conversa...

Ewerton Fernandes de Souza é coordenador geral no CIEJA Clóvis Caitano Miquelazzo, escola da prefeitura de São Paulo que lida exclusivamente com Educação de Jovens e Adultos, especialmente na faixa etária dos 15 aos 18 anos. Foi um dos 50 finalistas do Prêmio Educador Nota 10 de 2017.