Como o protagonismo estudantil venceu nesta escola de São Paulo
Gestão democrática incentivou os alunos a serem protagonistas do próprio aprendizado
POR: Cláudio NetoNeste ano, vi na escola na qual sou diretor, a EMEF Infante Dom Henrique, o mais impressionante significado da gestão democrática nas escolas. Posso assegurar que os resultados são ainda mais surpreendentes, pois, além da qualidade da participação dos estudantes, a democracia na condução do trabalho da escola e nas experiências educativas aproximou os pais e motivou os professores a inovarem pedagogicamente.
São esses os ingredientes de um projeto pedagógico exitoso e reconhecido, que tem como eixo narrativo fundamental a temática da imigração. A coesão e a cooperação foram dois elementos primordiais para os resultados do trabalho no ano de 2017.
Um exemplo de protagonismo dos estudantes foi o projeto “Si, yo te entiendo”, concebido, posto e executado por estudantes de 11 anos de idade, que se sentiram incomodadas com o fato de alguns colegas não participarem da conversa dos alunos estrangeiros, que falam espanhol, durante o recreio. Para que esses colegas não ficassem excluídos, duas alunas de ascendência boliviana apresentaram a proposta de ministrar um curso de espanhol e cultura boliviana para os colegas. O projeto foi iniciado em fevereiro para atender uma turma de 30 interessados e mais de 100 alunos se inscreveram, de modo que tem 70 na lista de espera.
A preocupação em considerar e incluir os outros colegas passa a ser a prova mais expressiva do nível de solidariedade que a prática democrática pode propiciar no ambiente escolar. A gestão democrática na escola instaura uma lógica de solidariedade que passa a irradiar e atravessa todos os segmentos da ação educativa. Se o diretor de escola atua democraticamente, os professores e os alunos darão exemplos abundantes de solidariedade, de cooperação e de valorização do trabalho coletivo.
A partir dessa e de outras práticas implantadas na escola é possível constatar três aspectos importantes que a gestão democrática tem firmado no cenário local: a inovação pedagógica dos professores, a participação mais efetiva dos pais e o protagonismo dos alunos. Outro exemplo é o projeto “Um migrante mora em minha casa”, reconhecido no Prêmio Educador Nota 10. Além dos prêmios, no dia 16 de janeiro, o escritório da UNESCO de Paris certificou a escola, que passou a ser reconhecida como uma das escolas do Programa de Escolas Associadas – PEA/UNESCO.
Posso afirmar também que muitas experiências como a nossa pululam em escolas Brasil afora, uma vez que elas não são mais pontuais ou raras. A instauração de relações democráticas na escola não é mais vista como intangível ou como uma utopia. São muitas as escolas e as organizações sociais que podem ser listadas aqui neste texto como exemplos de inovação. Elas investem na capacidade de criação e na qualidade de participação dos alunos.
Na cidade de São Paulo, podemos citar as Escolas Municipais Desembargador Amorim Lima e Presidente Campos Sales, que têm investido na transformação do currículo e apostado na valorização da autonomia dos estudantes. Inspirado na liberdade de aprendizagem e na formação integral dos estudantes, o Projeto Âncora, que conta com uma escola de ensino fundamental com uma inovadora filosofia educacional, inspirada na Escola da Ponte de Portugal, também é referência no cenário nacional em termos de protagonismo dos alunos. Uma quantidade significativa de escolas públicas está nesse mesmo movimento e em espaço de tempo relativamente curto nós teremos notícias delas.
As escolas que estabelecem práticas democráticas obtêm como resultado o reconhecimento da comunidade escolar, que por sua vez assume maior responsabilidade nas ações educativas, refletindo também em maior engajamento dos estudantes. Quando isso ocorre, os projetos pedagógicos ganham maior qualidade, especialmente no que diz respeito à legitimidade da relação entre alunos e educadores, gerando resultados surpreendentes.
Outro aspecto importante a ser enfatizado é a relação desses projetos com o território no qual a escola está inserida. Todos associam a aprendizagem com a vida do lugar, a partir do questionamento das condições de vida e das relações sociais ali tecidas. A história enquanto saber escolar deixa de ser um conteúdo a ser aprendido mecanicamente e passa a ser ela mesma apropriada e reelaborada pelos estudantes que adquirem outra capacidade de atuação.
Por isso, neste post de dezembro, proponho uma justa homenagem aos meus colegas gestores de escola, aos educadores e aos estudantes pela coragem de enfrentar a dura realidade da Educação no Brasil. Posso dizer que todos nós estamos traçando contornos mais favoráveis e auspiciosos da história da Educação brasileira, sob a inspiração de Walter Benjamin, que dizia que “escrever a história é atribuir aos anos a sua fisionomia”.
Até a próxima!
Claudio Marques da Silva Neto é diretor da EMEF Infante Dom Henrique, em São Paulo. Tem experiência em direitos humanos, formação docente, cultura escolar, indisciplina, violência e gênero. É mestre e doutorando em Educação pela Universidade de São Paulo (USP).
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