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Quem disse que tem que ser só para menina ou só para menino?

Ao aceitar os marcadores de gênero, a escola continua promovendo a desigualdade – quando deveria ser o contrário

POR:
Camila Zentner
Futebol é coisa de menino e de menina: sem marcadores de gênero, brinca quem quer   Foto: Getty Images

Na semana passada fui a uma palestra que trazia alguns dados sobre a educação brasileira. Um deles, em especial, chamou minha atenção: a cada dez docentes, oito são mulheres. É certo que tal informação não é novidade, visto que por muito tempo esta foi considerada uma profissão quase que exclusivamente “feminina” – fazendo uma relação com a maternidade e um possível “dom” que as mulheres teriam para ensinar. Profissões como engenharia mecânica ou aeronáutica, que teriam supostamente características mais masculinas, como a força e a habilidade em matemática, tem em sua maioria homens. Quando vemos mulheres ocupando esses cargos, geralmente há um estranhamento. E eu pergunto: por que isso ainda acontece?

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Na música “Menina Moleca” do grupo Palavra Cantada, a menina que corre, sobe na árvore e decide jogar futebol é chamada de “lelé da cuca”, porque não faz “coisas de menina”. Temos avançado muito nas discussões sobre o assunto da igualdade de gênero, mas será que no nosso dia a dia lá na escola estamos promovendo a igualdade entre meninos e meninas? Ou será que estamos reafirmando essas diferenças e reproduzindo preconceitos e estereótipos?

Repare bem: na escola, assim como na sociedade de modo geral, há diversos “marcadores de gênero”, como são chamadas aquelas separações que automaticamente a gente faz: brinquedos de menino / brinquedos de menina; azul para menino / rosa para menina; no banheiro, a identificação das meninas é a figura de uma bailarina / dos meninos, um jogador de futebol.

Por um momento, você pode pensar: “Mas sempre foi assim! É natural que seja assim!”. Não é. Mesmo vendo essa divisão em crianças bem pequenas, que trazem essa fala de casa,  há ali um pensamento que foi construído historicamente e que lá na outra ponta, na vida adulta, é determinante para que ainda hoje tenhamos tantas diferenças na colocação de cada um no mundo do trabalho. Está presente na mulher que ganha menos que o homem, mesmo exercendo a mesma função; nas mulheres que são sobrecarregadas com tarefas domésticas, somadas ao trabalho que exercem fora de casa; agressões à mulher e por aí vai.

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Então, cabe refletir: o que podemos fazer, enquanto escola, para promover a igualdade, principalmente de possibilidades, para meninos e meninas?

Comece pelo mais simples! Tente eliminar aos poucos os marcadores de gênero, desconstruindo a ideia de que eles são algo natural da vida. Promova a discussão com os professores na escola e questione: “Por que fazer fila de meninos e meninas? Não há outras formas de nos organizarmos pelo espaço escolar?”. O mesmo acontece com os brinquedos e as brincadeiras que são oferecidas para as crianças.

A escola também deve mudar sua postura frente às situações que surgirem quando, por exemplo, um menino é motivo de chacota pelos colegas por querer brincar de boneca. Eu, como educadora, devo fazer a minha intervenção a fim de combater tal discurso, perguntando: “Mas em casa o papai não cuida também de você? Não há brinquedos de menino e outros de menina”.

A desconstrução dos marcadores pode chegar até ao vestuário das crianças. Se eu permito que as meninas venham sempre de saia e sandália de salto, de cara elas já têm o movimento reduzido na escola, não explorando o corpo na sua totalidade, deixando de desenvolver habilidades como saltar, correr e pular como os meninos.

Pensando assim, você pode ampliar o seu trabalho. Desenvolva projetos que tragam tanto práticas masculinas para todos vivenciarem e discutirem, assim como aquelas que tradicionalmente são vistas como femininas. Há alguns anos, nossa escola desenvolveu um projeto idealizado pela professora de Educação Física com futebol. Como era previsto, os meninos amaram e as meninas detestaram. Não porque futebol é coisa de menino e não de menina, mas pela falta de conhecimento e até de habilidade delas, que não acessam essa prática. Durante o desenvolvimento do projeto foram apresentadas as grandes jogadoras do Brasil, como Marta e Cristiane (é importante trazer sempre para a escola referências femininas porque o comum é aparecer somente as masculinas), os meninos e meninas jogaram bola, separados e também juntos em futebol de casal. Ao discutir e descontruir discursos, eles chegaram à conclusão que o esporte é para todos que gostam e querem participar.

Da mesma forma, é importante que as práticas tidas como culturalmente femininas também ganhem visibilidade e sejam validadas na escola, como um projeto de dança ou ginástica.

Só não vale deixar de lado essas questões! Voltando ao dado que citei no início do texto, das mulheres serem a maioria no professorado, proponho o seguinte: por que não aproveitamos essa “vantagem” para combater as desigualdades que nós, mulheres, ainda sofremos? Vamos promover um mundo mais justo para todo mundo! Você vem?

 

Camila Zentner Tesche é formada em Pedagogia com especialização em Educação Infantil pela Universidade de São Paulo (USP) e está na coordenação pedagógica da Escola da Prefeitura de Guarulhos Manuel Bandeira há oito anos. A EPG atende a Educação Infantil e o Ensino Fundamental I e, desde 2015, faz parte do mapa de escolas inovadoras do MEC. Ela se tornou mãe do Felipe há dois anos.

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