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Base: reflexões sobre a formação de professores no Brasil

Leia o que dizem três especialistas em formação docente e quais as orientações em relação à Base Nacional Comum Curricular

Linda Darling-Hammond, uma das maiores especialistas em formação de professores durante palestra no Ciclo de Debates em Gestão Educacional, em São Paulo  Foto: Divulgação

Como estão estruturadas as experiências de formação de professores no exterior? Quais iniciativas já estiveram presentes no Brasil nas últimas décadas? O que é importante ter em mente no momento de organizar os momentos de formação continuada? Essas questões fizeram parte do Ciclo de Debates em Gestão Educacional promovido pelo Itaú Social e Instituto Ayrton Senna em São Paulo (assista ao vídeo do evento neste link), que teve como foco a formação de professores no contexto da Base Nacional Comum Curricular.

O evento contou com a participação de Linda Darling-Hammond, uma das maiores especialistas em formação de professores. Em sua primeira visita ao Brasil, a professora emérita da Universidade de Stanford, na Califórnia, reforçou a necessidade de grandes investimentos na preparação de professores para que eles sejam capazes de lidar com as demandas trazidas por essa sociedade em evolução.

O ciclo teve a participação de Elba Siqueira, professora da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora da Fundação Carlos Chargas (FCC), e de Janaina Barros, coordenadora pedagógica da secretaria de educação no município de Seabra (BA) e formadora do Instituto Chapada de Educação e Pesquisa (ICEP). 

A seguir, leia destaques de três das falas realizadas:

LEIA MAIS   Acompanhe o trabalho das secretarias de Educação

Linda Darling-Hammond, pesquisadora da Universidade de Stanford sobre formação de professores em diversos países

“O mundo está mudando: existe tecnologia e muita criação de conhecimento. O trabalho e o cotidiano são outros, se comparados com a realidade de poucos anos atrás. Por isso, há diversos países que repensam seus padrões e currículos. Trabalho na Universidade de Stanford e estudo formação de professores nos Estados Unidos e em outros países, como Cingapura. Noto que muitos dos cursos são organizados com um lado prático e outro teórico, com o objetivo de um melhor ensino dos conteúdos. Os alunos têm um papel de liderança e trabalham em equipe.

Sabemos que, quando adultos, nossos jovens vão trabalhar com conhecimentos que ainda não existem, com uma tecnologia não criada por enquanto e problemas que não sabemos quais serão, e vão precisar lidar com isso! E quais os impactos dessa realidade para os estudantes e escolas? No novo currículo brasileiro, achei interessante que o texto indique a importância de interagir, explorar, colaborar, ter empatia e ética. É importante lidar com a aprendizagem sócioemocional, até porque isso vai ser necessário na aquisição dos conteúdos. Por toda a vida, como já dizia Paulo Freire, as pessoas precisam aprender, se sentirem capazes disso e de desenvolver sua própria identidade como pessoa capaz de saber mais. Neste sentido, os professores devem colaborar para que os alunos aprendam em diferentes contextos, aliando o conhecimento ao que os estudantes já sabem, sem padronização da forma de ensinar. Isso exige grande planejamento dos professores, sabendo como os alunos estão, o que já conhecem, e no que devem avançar. Mas como nem sempre os professores tiveram a vivência de aprender dessa forma, é importante mostrarmos a eles outras maneiras de trabalhar. Às vezes não basta ler para incorporar essas ideias. Além disso, as políticas de contratação, retenção, formação e salário também devem ser levadas em conta porque moldam o desempenho e a aprendizagem profissional dos educadores.”

Elba Siqueira, professora da USP  Foto: Divulgação

Elba Siqueira, professora da Universidade de São Paulo

“Existe uma experiência acumulada na formação dos professores no Brasil nesses 20 anos de vigência do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil e dos Parâmetros Curriculares Nacionais, criados em 1997. Pela primeira vez, a educação era estruturada para atender crianças de 0 a 17 anos, da creche ao ensino médio, com continuidade. Assim como a Base Nacional Comum Curricular, eram organizados conforme as competências, com ênfase à diversidade, ao caráter interdisciplinar e à contextualização do conhecimento. Eles também indicavam a importância de adequação dos materiais didáticos, o que é muito impactante para os processos de ensino e aprendizagem, e foram a base para a criação dos cursos de formação continuada de professores e a matriz para o sistema nacional de avaliação na educação básica. Mas a implementação de fato foi modesta porque os recursos eram pequenos, com vídeos e pequenas formações, com a expectativa de que os sistemas de ensino produzissem seus currículos com base nessas referências.

Os anos seguintes foram bastante auspiciosos para a América Latina, com grandes recursos para Ministério da Educação e para as áreas de educação nos estados e municípios. O governo federal cria um grande aparato para a formação continuada de docentes da educação básica, com estrutura a distância, presencial ou semi-presencial, ações realizadas em colaboração com universidades, outras esferas de governo e iniciativa privada. Houve programas de formação de grande envergadura, com concepções e estratégias muito diferentes, parte voltados para a alfabetização.

Essas iniciativas todas nos trazem algumas lições. Então temos um grande desafio de não jogar fora o conhecimento já criado nesse período, porque os estados produziram materiais preciosos e é preciso recuperar a experiência acumulada, sem incidir nos mesmos erros!

Vimos, por exemplo, que as ações formativas realizadas em larga escala não são suficientes se o educador não tiver apoio nas escolas, quando vai colocar em prática o que aprendeu e se depara com necessidades variadas. Também notamos que embora exista preocupação para avaliar a aprendizagem das crianças, não temos avaliações rigorosas dos programas de formação de professores. Verificamos ainda que nesse período também foram realizados cursos voltados para questões de gênero, diversidade, étnico-raciais, meio ambiente e outras, inclusive desenvolvidos com a colaboração de instituições sociais. Em 2011, publicamos com apoio da Unesco uma publicação que reunia o estado da arte da formação dos professores brasileiros em diversas regiões.

Entre as iniciativas já realizadas, existe a Cefapros, no Mato Grosso, em que os próprios professores da rede levantavam os problemas que estavam enfrentando e discutiam em grupos, procuraram pesquisas e tantavam encontrar caminhos que resolviam as questões. Havia interessante intercâmbio e interlocução em rede, com comunicação entre os educadores.

Em Minas Gerais, houve o Programa de Desenvolvimento Profissional. Os professores envolvidos se organizavam em um grupo de diferentes áreas disciplinares e, em colaboração com a universidade, faziam um projeto e recebiam recursos da secretaria de educação. O objetivo era fazer formações e garantir a implementação do currículo elaborado na rede durante um ano.

No estado do Paraná, o trabalho era realizado por professores experientes, com características inovadoras, que faziam dois anos de uma pós-graduação profissional e deveriam desenvolver metodologias em colaboração com as escolas em que lecionavam e coordenar um trabalho em rede.”

Janaina Barros, coordenadora pedagógica da secretaria de educação no município de Seabra (BA) e formadora do Instituto Chapada de Educação e Pesquisa (ICEP)   Foto: Divulgação

Janaina Barros, coordenadora pedagógica da secretaria de educação no município de Seabra (BA) e formadora do Instituto Chapada de Educação e Pesquisa (ICEP)

“Quando falamos de BNCC, devemos levar em conta muitos aspectos, com olhos atentos para as pessoas e o futuro. Em um grupo de 42 professores em que trabalho, por exemplo, há pessoas tão distintas e com percursos tão variados, como recém-formados ou profissionais experientes. Então é essencial planejar de forma diferenciada para uma efetiva formação dessas pessoas.

Também é importante pensar a BNCC em relação às oportunidades: para quem e para quê são essas oportunidades. Por muitos anos negociamos o que não é possível negociar, e em muitas escolas ainda não temos biblioteca, acesso à internet, quadra de esportes ou espaço para aprendizagem colaborativa. Acredito que as oportunidades que tanto falamos que virão com a BNCC devem incluir possibilidades de a secretaria, a coordenação, a direção e o professor planejarem o trabalho com qualidade. Elas devem contemplar também as mudanças nas formações inicial e continuada de professores, porque os profissionais não estão prontos para implementar a Base.

Falar sobre Base também é falar sobre espaço físico, cuidar das salas e dos espaços abertos, o que confere dignidade e identidade a quem os frequenta. Não estou dizendo que a ausência de condições do espaço físico impossibilita a implementação da Base, mas que ao falar desse assunto, a melhoria dos locais precisa ser considerada.

Ao pensar na BNCC, precisamos também pensar em um projeto de rede, que a secretaria, os coordenadores e os professores saibam o que se quer deles, para saber se as ações estão adequadas e seus resultados também.

Falar do sujeito que forma professores, da secretaria que acompanha, e também de metas, respeito e responsabilidade não é simples, e não queremos que seja simples. É importante que não seja simplificado. Precisamos de garantia de direitos, e não negociar o direito de as crianças aprenderem.”

 

*Este texto foi publicado originalmente na plataforma Conviva Educação e adaptado para o site de Gestão Escolar

Conviva Educação é uma iniciativa da Undime e 12 instituições criada em 2013 para apoiar os Dirigentes Municipais de Educação no trabalho cotidiano. Há conteúdos, ferramentas e áreas de trocas de experiências disponibilizadas gratuitamente. Para conhecer, acesse: www.convivaeducacao.org.br.