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Gestão Democrática na escola: comece já com as crianças

Como um debate sobre o Plano Municipal de Educação mostrou que alunos podem e devem ser ouvidos na gestão da escola

POR:
Priscila Arce
Foto: Getty Images

Muitos autores defendem a importância da participação das crianças e jovens na gestão democrática da escola. Efetivamente, a legislação em nosso país ainda deixa lacunas nas orientações de como fazer essa gestão acontecer na prática. Em linhas gerais, a lei trata apenas da gestão democrática nas escolas públicas, através de conselhos escolares, grêmios e associação de pais e mestres e alguns mecanismos de controle social, mas pouco contribuem para a prática com legislações complementares.

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Francesco Tonucci ficou conhecido entre os brasileiros com seu livro “Com Olhos de Criança” (Ed. Artes Médicas, 1997). A partir de suas ilustrações, ele trouxe o pensamento e a inteligência da criança para o centro do debate de questões importantes para elas – o espaço público, a ausência de escuta dos adultos, família, saúde, a escola e os professores. Tonucci é um dos maiores defensores da participação das crianças nos rumos e decisões que impactam a construção de uma sociedade melhor para todos.

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Sou diretora da EMEF Sebastião Francisco O Negro e em nossa escola praticamos a gestão democrática nas assembleias escolares, como um mecanismo de participação das crianças na gestão da escola e também para o encaminhamento de propostas para conflitos que aparecem na sala de aula e fora dela. A assembleia deste mês funcionou como um micro observatório das metas do Plano Municipal de Educação de São Paulo: perguntamos às crianças o que pensavam a respeito de cada meta e como elas se desdobravam no dia a dia delas.

Em nosso país, as crianças não costumam ser ouvidas no debate público e institucional dos planos destinados a elas ou de políticas públicas e sociais. Isso já começa pela escola em que, muitas vezes, a própria organização não abre espaço para que as crianças expressem ideias em assuntos considerados “sérios” e “de adultos”. Tonucci esclarece que não podemos ensinar de maneira transmissiva tudo o que a sociedade demanda: seria necessário viver práticas que esperamos transformar. Sendo assim, a necessidade que temos hoje não é apenas aumentar conhecimentos, mas mudar comportamentos para construir modos de vida melhores e mais coerentes. Entra aí a importância da gestão democrática com intensa participação, em especial, das crianças e a urgente organização coerente da escola para que isso aconteça.

O resultado sempre surpreende porque a sensibilidade das crianças e as soluções apontadas por elas são muito significativas. Se fossem ouvidas pelo poder público, essas ideias poderiam resultar em mudanças estruturais importantes na escola e na cidade melhorando a vida de toda a sociedade. Ao serem ouvidas pela escola, as crianças levam a equipe escolar a propostas pedagógicas mais construtivas e, progressivamente, transformam a organização da escola, que passa a se orientar a partir da comunhão de diversos pontos de vista – e não apenas da visão dos adultos.

Alunos da eMEF Sebastião Francisco O Negro exercitam gestão democrática   Foto: Acervo pessoal

Levamos as 13 metas do Plano Municipal de São Paulo de forma resumida para uma plenária coletiva da escola, com crianças de 6 a 10 anos. Os professores tiraram dúvidas e responderam questões. As crianças teceram comentários deram opiniões sobre a realidade da escola, com comentários sobre as demandas propostas pelas metas. Uma grande questão que sensibilizou todas as crianças e jovens foi a meta 8, que fala sobre a garantia de um sistema inclusivo – temos muitas crianças usuárias de cadeiras de rodas na escola e ainda não temos uma instituição com acessibilidade, adequada ao modelo universal de prédios arquitetônicos. Todos os alunos foram categóricos em defender o direito dos colegas a uma escola com estrutura adequada com rampas, elevador e mais segurança.

A segunda questão mais tocada foi a de número de alunos por turma: a maioria não concorda com a meta 2 e indica outro quantitativo na relação aluno e professor. Uma turma de crianças indicou que, na impossibilidade de menos alunos por sala, que a escola dispusesse de mais professores.

Com esse debate dividimos o poder que, dessa forma, não se concentra apenas nas mãos dos adultos ou de políticos profissionais, mas nas mãos de todos aqueles que convivem com a resultado das decisões adultas que envolvem as políticas públicas como o PME. O maior aprendizado de todo esse debate foi a importância de ouvir as crianças “de verdade” e não apenas para “fazer de conta”. Um ganho significativo viria com a escuta dos prefeitos, como defende Tonucci. No entanto, considero um bom começo a escola construir sua organização voltada para essa escuta. Vamos começar pelos gestores escolares para que compreendam a função social da autêntica participação das crianças nos rumos dessa vida que acontece na escola. Que tal hoje? Que tal agora?

Desenho da aluna Gabriela, de 6 anos, sobre a participação das crianças na assembleia da escola. Imagem: Acervo pessoal

Priscila Damasceno Arce é diretora da EMEF Sebastião Francisco O Negro, na zona leste de São Paulo-SP. Estudou em escola pública a vida toda e também foi professora e coordenadora pedagógica. É especialista em alfabetização e mestranda em formação de formadores pela PUC-SP.

 

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