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Como transformar a Educação Infantil?

Com a BNCC, temos que deixar claro não só o que queremos para a infância, mas também como organizamos isso no cotidiano da gestão

POR:
Andrei Müzel e Cristiana Berthoud
Criança desenha com canetas coloridas apoiada em uma mesa
Foto: Getty Images

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) estabeleceu dois eixos para a Educação brasileira: primeiro que a educação precisa ser Educação Integral e estabeleceu também que a escola deve trabalhar Competências, e isto é formar. Assim, com a BNCC temos uma Educação Integral que busca a formação Integral do sujeito.

De 12 a 14 de novembro a Undime – SP (União Nacional de Dirigentes Municipais) vai realizar seu seminário técnico com o tema “BNCC e a Educação da Infância: Caminhos Possíveis para um currículo transformador”, com palestras, debates e mesas redondas sobre o assunto. Não existem receitas e, por isso mesmo, chamamos de Caminhos Possíveis.

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No seminário serão propostas reflexões sobre o momento que estamos vivendo no processo de implementação da BNCC e do Currículo Paulista.

Pensamos que existem muitos caminhos possíveis de transformação da Educação, porém, alguns invariavelmente tem que estar presentes: Políticas Públicas e Gestão Municipal; Avaliação na Educação Infantil; Formação de Professores e Coordenadores; Projeto Político Pedagógico da Escola e Currículo e Inclusão da Família como Parceira e Aliada da Escola.

Os Caminhos Possíveis fazem parte, na verdade, de tudo aquilo que assumimos em nossas Secretarias no dia a dia. Mas, agora, é chegado o momento de repensar essa gestão pedagógica que fazemos. Com a BNCC, temos que deixar claro não só o que queremos para a infância, mas também como organizamos isso cotidianamente na gestão.

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Políticas públicas

O estudo e implementação da BNCC devem permitir ao município investigar e trazer para a escola aquilo que de fato já se tem como aprendizagem significativa em cada município. Estamos trazendo uma aprendizagem significativa que valoriza o sujeito, que propõe a transformação social?

Quais os caminhos possíveis e como os organizamos no nosso dia a dia? A concretude de uma gestão de Educação Infantil é exatamente entender como todos esses caminhos se articulam.

Nós, Dirigentes Municipais de Educação (DME), como gestores que somos das políticas públicas em nossos municípios, podemos fazer deste caminho um caminho de transformação? Vamos refletir inicialmente o que envolve políticas públicas. Estão envolvidos o atendimento da criança pequena, a matrícula, a permanência dessa criança e o sucesso dessa criança na escola.

O que a BNCC tem a ver com isso nesse momento? Muitas das reformulações que teremos que fazer, devem se transformar em políticas públicas. Como exemplo, tem uma ação de políticas públicas muito forte que é o posicionamento da data corte em 31 de março; isso vai implicar em reorganizações, inclusive curriculares. Outra questão é a dimensão pedagógica. Como eu (enquanto DME) organizo essa dimensão pedagógica na minha Secretaria? Quem são os gestores disso? O que eu tenho como proposta para o município, para essa educação da infância?

Por mais que acreditemos que as escolas têm que assumir questões específicas da comunidade, apesar dessas questões específicas de cada território, é preciso sim que haja a construção de uma Proposta Pedagógica enquanto Secretaria de

Educação. Talvez o DME possa trazer as representatividades desse território para elaborar juntos, por exemplo.

Quais as vantagens, para a Escola, de trazer o território e a família para a “mesa de negociação”? Pensamos que, em uma perspectiva de Educação Integral e Formadora, se as políticas públicas forem isoladas e unilateralmente elaboradas, se exclui a possibilidade de uma construção dialógica e participativa que, uma vez mais, confina a Educação intramuros. Corremos o risco de repetir o que vem ocorrendo com a Educação Pública nas últimas décadas, com a sociedade considerando que Educação da Infância é um “problema” da escola. Na verdade, Educação da Infância é uma corresponsabilidade social e Educação Integral se faz com, para e por comunidades educativas – e isso demanda conhecimento mútuo e instâncias participativas de negociação.

As políticas públicas têm como premissas a oferta da vaga, a permanência da criança e a qualidade dessa permanência. O que está sendo feito realmente? Porque ofertar vaga não é simplesmente matricular a criança, é muito mais complexo do que isto. Significa questionarmos o que será feito com essa criança na escola; o que efetivamente é ofertado a ela, não só a vaga. E, ainda, lembrando que a discussão e garantia da qualidade tem que partir do Gestor Municipal. A gestão implica em controle, avaliação, promoção, fiscalização, articulação, portanto, esses critérios têm que partir do próprio gestor.

Os DMEs precisam analisar qual oferta da Educação Infantil desejam fazer. Não oferta de matrículas, mas oferta daquilo que será proposta para a vida da criança pequena. Claro que as demandas sociais de vagas precisam ser acolhidas e se transformarem em políticas públicas de atendimento, porém, como esse atendimento será feito, depende do tipo de Educação Infantil que se quer oferecer. Um grande desafio é, também, ampliar vagas sem esquecer das crianças que já estão na escola.

A concepção pedagógica precisa ser reconhecida em uma perspectiva de humanização. E cabe, mais uma vez, ao gestor municipal liderar processos de estudos que definam o objeto de construção da proposta pedagógica

Avaliação

Como a avaliação se articula com a prática pedagógica? De modo direto e desafiador, porque queremos uma Educação Integral, porém, temos dificuldade de avaliar integralmente.

Temos que começar avaliando a oferta da Educação Infantil, deixando claro que o discurso da qualidade precisa justamente trazer a clareza dos indicadores; o que define uma Educação de qualidade? Quais são esses indicadores? E, como, a partir desses indicadores, avaliamos as experiências que são ofertadas às crianças e como são ofertadas às crianças?

Não podemos esquecer que não tem sentido avaliarmos a criança na escola, de forma isolada, como se seu desenvolvimento ocorresse apenas ali. Como, então, avaliar esse sujeito em formação, por apenas um dos agentes responsáveis por essa formação, a escola? Como avaliar de forma global a formação integral da criança, considerando todos os seus endereços sociais, corresponsáveis que são, por sua formação? A escola, a comunidade escolar, o território estendido e a sua família? Porque o sujeito é incompreensível – e, portanto, não passível de avaliação –, sem levar em consideração seu contexto social.

Formação de professores e coordenadores

Quem faz o currículo acontecer de fato, no dia a dia da escola, a partir do momento que se inicia a implementação da BNCC? São os coordenadores pedagógicos e os professores que fazem o currículo acontecer diariamente na escola. Temos um planejamento, mas temos um plano de ensino que se torna realidade via ação do professor em sala de aula, enfim, essa gestão é extremamente importante.

Como podemos articular uma formação humanizadora, também integral, de um adulto que vai ser o articulador direto da BNCC no “chão da escola”? Tarefa altamente desafiadora para a escola, que deveria e poderia ser dividida com outras instâncias formativas.

Talvez, se conseguíssemos abrir nossas escolas para as comunidades e territórios (aí incluindo certamente famílias e comunidade escolar), em uma mudança extraordinária de paradigma no qual todos se sentissem corresponsáveis pela formação da infância – pilar da Educação Integral – pudéssemos buscar caminhos mais concretos de formação continuada para os profissionais da Educação Infantil.  

Neste sentido, acreditamos que envolver famílias, professores e demais profissionais que atuam na Educação, em cada município, neste momento de estudo e apropriação da BNCC, seja um caminho possível e válido de transformação.

O estudo aprofundado da BNCC pelos professores, coordenadores e gestores é uma etapa imprescindível neste processo e deve ser balizado pela ideia de um currículo com a diversidade de direitos de aprendizagem.

Projeto Político Pedagógico e Currículo

O PPP das Instituições de Educação Infantil e das instituições que também tem Educação Infantil é o documento balizador e articulador de toda a transformação possível e desejada. O documento de empoderamento e de autonomia de uma escola é, sem dúvida, seu projeto político pedagógico. E, nesse momento, o que estão fazendo as Secretarias, as Redes, os Sistemas de Ensino? Escrevendo um currículo ou observando, investigando o que se tem enquanto sociedade e, a partir desse processo investigativo é que se está construindo um Projeto Político Pedagógico transformador?

Quem são os atores envolvidos na elaboração ou reelaboração do PPP? Se acreditamos – e a BNCC nos convida a isso –, que a criança é ator principal do projeto de Educação da Infância, ela está sendo incluída no processo? Suas famílias, as representantes legítimas dos valores e da cultura da Infância, estão sendo incluídas? Como podemos envolver toda a comunidade escolar e o território nesse processo? Aos respondermos a estas perguntas, estaremos construindo caminhos para a construção de uma verdadeira Educação Integral e Formadora de pessoas.

Essa é a contribuição da Undime para a implementação da BNCC.

Criança levanta o braço sentada no chão de uma sala de aula
Foto: Getty Images

Currículo

Um Currículo Transformador é aquele que forma o sujeito e, para isso, precisamos pensar como a escola forma respeitando aquilo que o sujeito tem por direito. Por exemplo, brincar é um direito da criança.

É muito receosa a questão de trazer uma educação infantil que de fato brinque, porque propõe junto com isso um grande desafio para a prática do professor. Porque somos filhos de uma pedagogia, de uma educação, mas temos que propor outra. A sociedade se reconfigura continuamente e fazer um deslocamento daquilo no qual eu fui formado e assumir hoje um outro caminho para formar, é um grande desafio.

Um currículo transformador tem que ter clareza de que currículo é aquilo que de fato se faz na escola, no dia a dia. E a transformação é o caminhar da nossa vida, é o discurso da função social da escola.

Currículo Transformador, neste momento, se caracteriza pelo próprio Acordo Nacional de se assumir uma Base Nacional, um documento que seja compartilhado com todos. Temos muitas experiências na Educação Infantil que são exitosas, a questão da BNNC da Educação Infantil não acontece por uma questão apenas de fragilidades ou de experiências ruins, mas sim porque queremos olhar para o todo.

Temos que ter a consciência que o currículo não é um processo estanque. Esse conceito de currículo como uma listagem daquilo que vai se aprender, não se sustenta mais. A BNCC precisa trazer clareza às escolas daquilo que a sociedade deseja para a infância.

Os direitos de aprendizagem podem e devem ser garantidos pelo BRINCAR. Investigando suas necessidades como sujeito de direito e se estruturando em práticas que entendam a criança como protagonista de seu processo de formação. Experiências múltiplas que permitam que a cultura da infância e seus elementos orgânicos e de direitos encontrem sua sustentação de fato no brincar. Para que isto ocorra, é necessária uma mudança de paradigma, visto que a ideia de brincar é tradicionalmente ligada à entretenimento, a “não fazer nada” (de importante).

E construir um currículo que exclua a família e o território no qual a Infância se inclui é construir um currículo fragmentado, incompatível com os eixos norteadores que a BNNC propõe – de integralidade e de formação da Educação. O currículo tem que representar, em cada escola, os valores sociais de seu território, os valores e práticas da Infância de cada família dos alunos daquela escola. O fazer cotidiano em sala de sala – aquilo que realmente é o currículo –, tem que espelhar e traduzir os fazeres e saberes que a criança vivencia e traz de todas as suas experiências sociais.

Família parceira

Refletindo novamente que Educação agora tem que ser necessariamente Integral e Formativa, precisamos rever conceitos. Apesar de Educação Integral ser um conceito que todos reconhecem e consideram saber seu significado, precisamos incorporar as premissas desta perspectiva educacional. Educação Integral implica em território, implica em conhecer o contexto. Temos que parar de apenas ensinar e começar a formar. Não podemos achar que podemos ensinar (sozinhos) e nem muito menos achar que podemos formar, sem levar em consideração a família. Infelizmente, está quase fora do imaginário da Educação o papel da família; ela foi sempre considerada um público complementar, a ser integrado em ações pontuais apenas.

A prioridade na implementação da BNCC deveria ser: repensar o que é a Educação Integral e como se forma a pessoa. Trabalhar desenvolvendo competências é formar, não ensinar conteúdo. São estes os Eixos Estruturantes do processo de implementação.

Tradicionalmente, em nossa Educação, lugar de família sempre foi do lado de fora do portão, mesmo que este, eventualmente, sempre tenha sido aberto para festas, comemorações e reuniões de pais.

Não entrando na celeuma da participação da família nas escolas e do quão difícil é, e sempre tem sido, fazer com que a família cruze esses portões e participe da vida escolar, agora nos encontramos no momento de efetivamente transformarmos a relação da escola com a família e a relação da família com a escola se efetivamente desejarmos, de maneira integral, formar o sujeito.

E, sem uma profunda mudança de paradigma, qual seja, do que realmente é formar a criança respeitando seu protagonismo e seu contexto social, ou seja, seu território, não é possível transformar a relação entre família e escola.

A criança tem como seu primeiro endereço a família, transforma e é por ela transformada continuamente, o mesmo acontecendo com a escola que frequenta, com o bairro no qual vive, com sua cidade e com seu país, enfim, com todos os endereços sociais que vai adquirindo e construindo ao longo da vida.

Há muitas experiências bem-sucedidas de iniciativas, projetos e programas que fazem mais do que incluir a família pontualmente em ações da escola e que a transformam em aliadas no processo educacional da criança. Este é o momento de buscarmos, avaliarmos e testarmos essas iniciativas e mesmo construirmos, junto com as famílias e a comunidade novas vias de comunicação e interação. Precisamos de disponibilidade para o diálogo e de humildade ao reconhecermos que Educação não é tarefa só nossa e delegarmos parte dessa responsabilidade.

A escola é, depois da família, o endereço social principal da criança ao longo da Infância. Assim, se abrirmos o diálogo e a partilha entre Família e Escola, garantimos a Formação Integral da criança em seu território natural. Isso é BNCC de fato!

Andrei Alberto Müzel é Dirigente Municipal de Itapeva. Cristiana Mercadante Esper Berthoud é Dirigente Municipal de Tremembé. Ambos são integrantes da diretoria da Undime-SP

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