É hora de mudar de escola! O que fazer com as crianças do primeiro ano?
A criança não deixa de ser criança quando muda da Educação Infantil para o Ensino Fundamental. Mas às vezes a gente esquece isso
POR: Ewerton de Souza
As crianças terminaram a Educação Infantil e vão para o primeiro ano. E agora? Esse, sem dúvida, é o maior desafio tanto para as escolas de Educação Infantil quanto para aquelas de Ensino Fundamental. No caso das primeiras, impõe-se a tarefa de prepará-las; para as últimas, de recebê-las.
Muitas vezes o desafio é da rede, pois implica duas escolas. No entanto, mesmo se as crianças prosseguirem na mesma unidade, a empreitada não é menor, uma vez que o ponto principal do problema está no conflito entre a cultura da Educação Infantil e a cultura do Ensino Fundamental.
Então, vamos dispor a questão em vista de um princípio essencial: a criança não deixa de ser criança quando ingressa no primeiro ano do Ensino Fundamental.
Embora seja uma obviedade, um olhar rápido e comparativo entre uma sala do último ano da Educação Infantil e outra do primeiro do Fundamental já comprovará o desrespeito a esse princípio.
Me lembro de certa vez em que ouvi o relato de uma professora que propôs levar sua turma de Educação Infantil para visitar a escola de Ensino Fundamental para a qual eles iriam no ano seguinte. As falas das crianças denunciavam a violência do processo de transição. Elas se admiraram com as carteiras enfileiradas; estavam acostumadas a sentar em mesas coletivas. No refeitório, perceberam que comeriam em pratos de plástico, com colheres, e não poderiam se servir. Em sua escola, já estavam acostumadas a se servir, a usar talheres de metal e a comer em pratos de vidro. Quando chegaram à sala de leitura, a primeira coisa que lhes aconselharam era o silêncio, seguido de toda a burocracia do empréstimo de livros. Bem diferente dos cantinhos de leitura a que estavam acostumadas. Isso porque elas nem tinham efetivamente começado a estudar na escola.
Talvez essa experiência deflagre a lista de aspectos da escola de Ensino Fundamental sobre o qual vale a pena a equipe escolar se debruçar e refletir. Discutir esses aspectos pode ser um primeiro passo para diminuir os impactos dessa transição.
Mas gostaria de chamar a atenção para algumas questões pedagógicas deste momento de encontro entre essas duas etapas da Educação Básica. O que cada uma pode fazer para suavizar a transição?
Comecemos pela segunda etapa. O primeiro ponto é compreender que é necessário mais que receber, acolher as crianças. Em outra oportunidade, devo falar um pouquinho mais sobre acolhida, mas o fundamental aqui é dispor a recepção das crianças em vista dos “estranhamentos” que elas sentirão na transição. Ajudam as rodas de conversa, a apresentação da escola e a escuta dos novos estudantes sobre suas primeiras impressões. A escola tem parquinho? Se não, por quê? É uma coisa a se pensar...
“Mas agora é hora de aprender e não de brincar”, diria alguém. Redondo engano! Como diz o trocadilho, alfabetizar é fundamental, mas criança não deixa de ser criança. Vai continuar a brincar independentemente da etapa em que se encontre, mesmo com novas responsabilidades. Assumamos: mesmo para nós, adultos já condicionados, 5 ou 6 horas de cadeira em frente a uma lousa é massacrante.
Analisando a questão mais a fundo, vemos que o parquinho é somente colateral. Precisamos compreender que a dimensão lúdica da criança deve ser considerada e colocada em perspectiva com as novas aprendizagens. Afinal, brincando, essencialmente a criança aprende. Um projeto que considere isso na sua disposição dos tempos, espaços, interações e materiais estará indo ao encontro de seus alunos.
Quanto ao que pode ser feito na escola de Educação Infantil, creio que passa por alguns pontos nos quais essa etapa já é forte, como o trabalho com a linguagem por meio da consciência fonética e a exposição à palavra escrita a partir da interação com livros.
Mas dá para fazer mais. Gostaria de frisar especialmente a importância do registro do desenvolvimento da criança. Se a escola de Educação Infantil conseguir encaminhar os registros de desenvolvimento de suas crianças para as escolas de Ensino Fundamental que as receberão, será um grande gesto de comprometimento no processo de transição. Interessa aos professores do primeiro ano saber como esta criança está ingressando. Como ela se relaciona com a palavra escrita? Do que ela gosta? Como interage com as histórias contadas? E com os coleguinhas? Entre muitas outras perguntas.
Se as escolas ainda conseguirem marcar momentos de conversa entre as equipes escolares, será um gesto comum de cuidado com as crianças. Se conseguirem levar as crianças para visitarem a futura escola, como fez a professora cuja experiência relatei, tanto melhor.
Não é fácil fazê-lo. Sabemos da correria das rotinas das escolas, principalmente em final e começo de ano. Sabemos que há redes grandes demais, em que saber para onde vai o seu estudante, ou de onde ele vem, é muito difícil. Porém, apesar de difícil, é um caminho possível, e talvez o mais adequado, se queremos ajudar nossas crianças nesta transição.
Ewerton Fernandes de Souza é coordenador geral no CIEJA Clóvis Caitano Miquelazzo, escola da prefeitura de São Paulo que lida exclusivamente com Educação de Jovens e Adultos, especialmente na faixa etária dos 15 aos 18 anos. Foi um dos 50 finalistas do Prêmio Educador Nota 10 de 2017.
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