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O poder de motivar a comunidade

Ao definir metas claras, gestores envolvem professores, famílias e governo em prol da Educação

POR:
Aurélio Amaral
As etapas da mobilização: como funciona o processo criado pelo colombiano Bernardo Toro. Bruno Algarve e Marcos Rufino

As etapas da mobilização 

Como funciona o processo criado pelo colombiano Bernardo Toro 

1. O Imaginário
É preciso escolher um objetivo comum a ser alcançado. A meta pode ser lançada pelo governo, pelo diretor, um professor, um pai ou um aluno. Para entrar em prática, no entanto, ela precisa ser encampada pela comunidade - o editor, os re-editores e o produtor social (leia abaixo).

2. A Legitimação O engajamento de todos dará relevância ao imaginário. As ações desenvolvidas vão atraindo os familiares, amigos e vizinhos, e assim se cria a sensação de pertencimento ao grupo. Essa legitimação permite dar continuidade ao processo e conquistar a adesão de mais pessoas.

3. A Realização A atuação de todos, cada um em sua área, leva à concretização da ideia inicial.

Quem participa do processo 

- Editor 
Quem é
A equipe gestora ou um representante da escola.
O que faz Formata o imaginário para que ele se torne palpável e todos tenham clareza das ações, forma uma rede de colaboradores (re-editores) e distribui as tarefas.

- Re-editores 
Quem são
A imprensa, os pais, os alunos, os professores, as autoridades e os empresários.
O que fazem Formam uma rede de influência que assume o imaginário e trabalha na divulgação e no engajamento de outras pessoas.

- Comunidade 
Quem é
Gestores, professores, funcionários, autoridades, pais, alunos, empresários e moradores.
O que faz Amplia a rede de colaboradores e garante a legitimação do imaginário - um processo essencial para motivar a ação do produtor social e para a realização do projeto.

- Produtor social
Quem é
O poder público.
O que faz Dispõe de formas para a obtenção de recursos e providencia as condições e a infraestrutura para que a meta seja atingida. O termo é uma analogia ao produtor de cinema. No caso da Educação, é o governo que tem poder sobre a legislação e os investimentos.


Provavelmente, sua escola enfrenta desafios que você não pode resolver sozinho. Por exemplo: para ampliar o número de vagas e professores, é preciso que a Secretaria de Educação libere recursos; para acabar de uma vez por todas com as faltas dos alunos, famílias e docentes têm de se envolver. O problema é que, em geral, parece que ninguém se importa com isso. E aí dá até vontade de desistir.

Pois saiba que você, sua equipe e a escola como um todo têm nas mãos o poder de mobilizar pessoas e que é possível ter a comunidade batalhando pela melhoria do ensino e da Educação. Às vezes, falta apenas um empurrãozinho, um toque de alguém que transforme o desejo em meta, que tenha energia para incentivar o engajamento de todos e divulgar as conquistas como vitórias para que o entusiasmo não morra.

É fácil constatar que a mobilização social vem sendo cada vez mais utilizada para sensibilizar governantes a empreender mudanças em políticas públicas nas áreas ambiental e social. Ora, se essa ação vem dando certo em outros setores, por que não daria na Educação? E por que não mobilizar a comunidade para trazer melhorias para o ensino e a aprendizagem?

Essa ideia é defendida pelo educador colombiano Bernardo Toro, assessor estratégico da Fundação Avina, na Cidade do Panamá (confira como o processo funciona na animação). Ele afirma: "Todos são potenciais voluntários. Só é preciso uma abordagem convincente para instigar o outro a doar a sua energia" (leia a entrevista na próxima página).

Para dar certo, é preciso cumprir alguns requisitos. O primeiro é construir um sonho em comum, que seja compartilhado por todos. No caso da Educação, ele já existe: não há quem não clame por uma escola pública de qualidade. Depois, é necessário contar com uma rede de pessoas dispostas a colaborar - o que também já está posto: são as famílias de alunos, os funcionários, os professores, os empresários e o próprio poder público. O desafio mesmo é conseguir o engajamento deles. É o momento de partir para uma divulgação consciente e massiva em reuniões e eventos festivos - ocasiões com bom potencial para atrair a comunidade e convencê-la a participar.

Vale considerar as opções de interação criadas pelos meios eletrônicos. "Os jovens têm uma grande capacidade de organização e comunicação usando a tecnologia. Porém muitas vezes a instituição escolar fecha os olhos para isso", diz Márcio Simeone, professor da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O que parece estar faltando nessa equação é uma liderança capaz de aglutinar a disposição das pessoas e implementar as ações. Esse líder pode ser o gestor, um pai, um professor ou qualquer outro agente envolvido (leia os casos nas próximas páginas).

"Vale lembrar de distribuir as tarefas de acordo com as habilidades e as competências de cada agente e conseguir o apoio do poder público para que a realização dos objetivos seja validada e tenha apoio estrutural", diz Toro. Afinal, muitas ações dependem de recursos oficiais. Um exemplo: é difícil acabar com as faltas em escolas rurais se as famílias não forem conscientizadas da importância do estudo. Ao mesmo tempo, os pais necessitam de orientação para buscar alternativas na época de colheita para não usarem a mão de obra dos filhos. E uma fiscalização séria certamente ajudará no combate ao trabalho infantil. Nesse caso, a escola é essencial no acompanhamento da presença dos alunos, na investigação sobre o motivo das abstenções e na conversa com a família, os órgãos públicos e os alunos.

Com essas possibilidades de ação, cabe ao gestor expandir o seu papel de líder e encabeçar movimentos que tenham como meta a melhoria da escola e do ensino. Ou indentificar, entre os seus colaboradores, quem possa assumir esse posto e dar todo o apoio necessário. Só não vale ficar parado.

Entrevista: Bernardo Toro

Bernardo Toro. Foto: Marina Piedade
"Todos podem colaborar com a escola"

Muitos potenciais parceiros que simpatizam com o sonho de uma Educação melhor - tanto de dentro como de fora da instituição - deixam de se envolver em projetos simplesmente por falta de informações claras sobre os objetivos e a maneira como podem ajudar. Para Bernardo Toro, o gestor deve buscar convencê-los. Em agosto de 2012, ele esteve em São Paulo a convite da Comunidade Educativa Cedac e do Instituto Votorantim, ambos em São Paulo, e conversou com GESTÃO ESCOLAR.

Como um diretor deve abordar possíveis colaboradores, que, na sua teoria, são os re-editores?
Bernardo Toro Primeiramente, apontando os desafios que a escola enfrenta. Em seguida, explicando o que gestores, professores e familiares engajados já estão fazendo e mostrando como uma nova contribuição da parte deles será importante. É essencial que os re-editores tenham clareza sobre o projeto e suas metas e que sejam convidados a produzir algo dentro de seu campo de atuação. Não se pode esperar, por exemplo, que um professor tome uma medida que cabe à família, ou vice-e-versa.

Muitos alegam falta de tempo para participar de iniciativas da escola. Como envolver as pessoas que trabalham em período integral?
Um bom caminho é fazer um questionário em que eles possam detalhar sua rotina de trabalho e lazer. Se é difícil ir à escola, nada impede que a escola vá à empresa ou aos locais em que os pais frequentam nos fins de semana e solicitar autorização para divulgar os eventos com cartazes. Os proprietários desses estabelecimentos podem ser aliados, cedendo espaço para comunicar as mensagens da instituição.

Uma das estratégias sugeridas para incentivar a adesão a um projeto é a criação de um banco de ideias para divulgar as ações e inspirar mais pessoas. Como funcionaria esse banco?
Ele consiste no agrupamento de pessoas especialistas em resolver um tipo de problema e que possam conversar com seus pares interessados em replicar as soluções. Grupos de e-mails, correspondências internas e redes sociais podem ajudar a formar os bancos de ideias. O melhor exemplo disso é a Wikipedia, a maior enciclopédia do mundo - que é virtual, gratuita e colaborativa. Ainda que não se conheçam, os internautas acessam e trabalham sobre as ideias dos outros, criando a sensação de pertencimento coletivo, que consolida o processo mobilizador.

Rede em ação

Maria dos Anjos Neto. Foto: Héliton

Em Salgueiro, a 513 quilômetros do Recife, a mobilização partiu do produtor social - no caso, o poder público. Em 2009, a prefeitura apurou que 144 crianças e jovens entre 4 e 17 anos estavam fora da sala de aula, dos quais 59 tinham algum tipo de deficiência. "As famílias alegavam ter medo de que as crianças não fossem aceitas ou de as escolas não apresentarem estrutura para atendê-las", afirma Maria Rogeane Ribeiro Bento, diretora de Gestão da Secretaria Municipal de Educação. Ela diz que alguns pais, inclusive, desconheciam o direito à matrícula garantido a seus filhos, conforme consta na legislação que trata da diversidade. A Secretaria percebeu que o imaginário - a ideia de que todas as crianças podem e devem estudar - que conduziria a mobilização tinha de focar os alunos com necessidades educacionais especiais. Os diretores receberam recursos para fazer adaptações físicas e ampliar o quadro de profissionais especializados. As escolas, como editoras, organizaram - em reuniões com funcionários, pais e professores - a rede de re-editores, que deveriam identificar os moradores da comunidade com filhos fora da escola. Conversando com pais, Maria dos Anjos Neto (foto), diretora da EM Maria Nilza, soube do caso de duas crianças com deficiência que não frequentavam as aulas. Ela visitou as famílias e convidou-as para conhecer a instituição e matricular os filhos. A Secretaria acionou ainda alguns re-editores: os agentes de saúde, que visitam os 18 mil domicílios da cidade. Eles passaram por uma formação para conscientizar as famílias do dever e do direito à Educação. Foi assim que a EM Dom Malan passou a atender 25 alunos com necessidades educacionais especiais - eram nove no início. Além do trabalho dos agentes de saúde, a diretora, Rozilda Matias Souza, relata que alguns pais vieram à escola por incentivo de outras famílias. Sinal de que o imaginário se espalhou pela comunidade e a mobilização funcionou.

Tudo começou na escola

Fabiana Bergamo. Foto: Erônemo Barros

A mobilização tem de se espalhar pela comunidade, mas é fundamental que aconteça também dentro da escola. Foi com essa premissa que a equipe da EM Nazira Anache, em Campo Grande, conseguiu, em menos de um ano, combater as faltas e reduzir a taxa de evasão de 3,23% (41 alunos) para 0,45% (cinco alunos). A diretora, Fabiana Bergamo, começou a fortalecer dentro da instituição o imaginário de que nada poderia tirar as crianças do ambiente escolar. Nas reuniões, professores e inspetores foram conscientizados sobre a importância de monitorar as ausências. "Para que não se crie uma cultura de ‘vista grossa’, é preciso que todos tratem as faltas com a mesma seriedade", explica Fabiana. Convictos de que o respeito à assiduidade era um valor inegociável, os docentes tiveram argumentos para solicitar aos pais que assumissem o compromisso de acompanhar a frequência dos filhos e de informar à direção sempre que eles tivessem de faltar. Ainda assim, algumas famílias não compareciam aos encontros, outras não respondiam aos recados ou nem eram localizadas pelos docentes. A escola, então, buscou o apoio da associação de moradores do bairro, que estabeleceu uma rede de comunicação para informar caso um aluno fosse visto na rua em horário de aula. "Nos encontros da associação, conversamos com os responsáveis para que tivessem mais atenção à rotina dos filhos. Aos poucos, outros pais começaram a nos ajudar nessa rede de informações", conta Andréia Luciana da Silva Savio, presidente do grupo comunitário. Além disso, as famílias são convidadas a participar de atividades de fim de semana do programa Escola Aberta. Com mais de uma frente engajada na aproximação entre a comunidade e a escola, todos se envolveram com o imaginário, passaram a valorizar mais a escola e, com a mobilização, as faltas foram diminuindo até atingir os índices atuais.

Quer saber mais?

BIBLIOGRAFIA
Mobilização Social: Um Modo de Construir a Democracia e a Participação
, José Bernardo Toro e Nisia Maria Duarte Werneck, 104 págs., Ed. Autêntica, tel. 0800-2831322, 31 reais 

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