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Gestão: o desafio de repensar a organização da oferta educacional no século XXI

No que diz respeito à qualidade da oferta, o país segue com carência de políticas mais assertivas e de caráter continuado

POR:
Haroldo Corrêa Rocha, Andressa Buss Rocha
Crédito: Arquivo/Agência Brasil

Os desafios do Direito à Educação pública no Brasil estão comumente atrelados a aspectos relacionados à universalização do acesso e a qualidade educacional com equidade. No entanto, há ainda um terceiro elemento, que precisa ocupar espaço importante na agenda dos gestores públicos no Século XXI: a “necessidade de repensar a organização da oferta educacional pública” frente às mudanças demográficas e seus desdobramentos.

Segundo dados levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2018 a taxa de fecundidade no Brasil ficou em 1,77 filho por mulher em idade reprodutiva. É menos de dois filhos para cada mulher brasileira e representa a metade do que era em 1980, quando foi de 4,07 filhos. Essa drástica redução tem impacto direto e rápido sobre a demanda por matrículas na Educação Básica e precisa ser considerada no planejamento e execução de políticas na área.

Embora a universalização do acesso à Educação Básica na faixa etária obrigatória – de 04 aos 17 anos de idade – ainda não tenha sido alcançada de forma plena, hoje cerca 99,2% das crianças de 06 a 14 anos e 87,2% dos jovens de 15 a 17 anos estão na escola, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE. Notadamente, esse é o indicador no qual o Brasil mais apresentou avanços em Educação na última década.

Quanto à qualidade da oferta, o país segue com carência de políticas mais assertivas e de caráter continuado. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), menos da metade das crianças brasileiras de 08 anos de idade tem proficiência considerada adequada em leitura (45,3%) e matemática (45,5%). No Ensino Médio a situação é ainda mais dramática – apenas 1,62% e 4,52%, respectivamente, têm nível de aprendizagem satisfatório em língua portuguesa e matemática. Assim, apenas 2 milhões de jovens chegam aos 19 anos de idade com Ensino Médio completo – cerca 63,5% do total, segundo o IBGE.

Diante dessas estatísticas, uma pergunta que pode surgir é: Mas por que então falar num terceiro desafio aos gestores, “a necessidade de repensar a organização da oferta educacional”, se a universalização, acesso e qualidade ainda estão aquém dos patamares desejados? Faz sentido justamente porque as mudanças demográficas, se bem apropriadas, são estratégicas para racionalizar o uso dos recursos públicos, uma vez que os sistemas educacionais passam a ter gradativamente menos matrículas para gerenciar, podendo direcionar excedentes para áreas como a valorização da carreira docente e expansão da Educação em tempo integral, por exemplo.

Um primeiro passo que pode ser dado por gestores públicos de Educação é mapear a estrutura pública à disposição dos cidadãos e planejar o conjunto de matrículas, a partir de um regime de colaboração. Hoje, salvo experiências pontuais, cada rede de ensino ou escola – seja municipal, estadual ou federal – faz o seu planejamento para captação de matrículas sem considerar o seu entorno. Assim, numa mesma quadra de um bairro tem-se uma “certa dispersão de oferta e de demanda”, resultando em escolas de redes diferentes ou até da mesma rede ofertando série/ano nos mesmos horários, gerando ocupação parcial das turmas e turnos das escolas envolvidas.

Nesse contexto, a tecnologia pode ser uma grande aliada na melhoria da gestão de oferta de matrículas. Ter sistemas informatizados, compartilhados entre escolas de uma mesma rede ou entre redes, nos quais seja possível conhecer em detalhes a capacidade de atendimento de cada unidade, em termos de turnos e salas de aula disponíveis mostra-se de grande auxílio.

Para além do conhecimento de toda a oferta disponível, há ainda a possibilidade da busca por parcerias com companhias de abastecimento de água e fornecimento de energia, por exemplo, visando obtenção de bases de dados que permitam a georreferenciação dos estudantes, a partir do registro de códigos de energia elétrica ou de água das residências, conectando localização da demanda (estudantes) e da oferta (escolas públicas).

O uso de sistemas informatizados também possibilita o recebimento de solicitações online de matrículas, de forma centralizada, durante período pré-estabelecidos de tempo, e alocação mais eficiente dos estudantes a partir da demanda real por vagas, as características do público solicitante e a capacidade de atendimento total das redes envolvidas numa Chamada Pública de Matrículas.

A necessidade de repensar a organização da oferta educacional, no sentido aqui tratado, deve ainda envolver a organização interna de cada escola, quer seja em termos de especialização na oferta de determinadas etapas e modalidades de um modo geral, considerando o universo de unidades de uma mesma rede ou redes, ou ainda por turno de funcionamento. Os ganhos relacionados a tal prática são de natureza eminentemente pedagógica, uma vez que criam maior unidade em torno do público atendido e da equipe escolar envolvida.

Uma vez realizadas as etapas de

  1. mapeamento da oferta global a partir de regime de colaboração;
  2. adoção de sistemas informatizados de gerenciamento de oferta e matrículas;
  3. parcerias para georreferenciação de estudantes;
  4. organização interna de oferta de cada escola da rede ou redes

há espaço para monitoramento das taxas de efetivação dessas solicitações pelo público em geral e a densidade das turmas das escolas ao longo do ano.

Como a solicitação de matrícula não envolve custo direto para quem demanda, é comum que uma família ou responsável entre com pedido de vaga em várias escolas ou redes, com receio de ficar sem atendimento. Uma vez atendida, essa pessoa não retorna às outras instituições para informar que a vaga não lhe interessa mais. Assim, é preciso que os gestores criem mecanismos de monitoramento da efetivação das matrículas para que não vejam ampliadas ficticiamente suas taxas de abandono nas séries/anos, bem como os custos com manutenção de turmas com densidades reais bem inferiores às estabelecidas em legislação, onerando a quantidade de vínculos de trabalho e a folha de pagamento mensal do magistério.

A chegada ao século XXI trouxe consigo mais um elemento a ser considerado pelos gestores públicos, que não se trata necessariamente de um problema, mas uma potencial fonte de solução para outros desafios, desde que bem apropriada e posicionada no contexto das políticas públicas na área. Alguns caminhos a serem seguidos são apontados neste artigo e, claro, não são os únicos. O importante é que tais elementos passem a compor as agendas estratégicas, tanto pelo retorno em termos de redução dos desperdícios de recursos públicos quanto em razão de que os valores que venham a ser poupados em razão da melhor organização das redes possam ser revertidos em ações que efetivamente contribuam para o alcance dos desafios que migraram do século passado para o atual, ou seja, a “universalização do acesso” e a conquista da “qualidade educacional com equidade”.

 

Haroldo Corrêa Rocha é ex-secretário de Educação do Estado do Espírito Santo e atualmente Secretário Executivo de Educação do Estado de São Paulo. Andressa Buss Rocha é ex-sub-secretária de Planejamento e Avaliação da SEDU-ES.