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Como as escolas podem formar professores para combater o bullying

Educadores devem ser embaixadores da boa convivência e isso não significa a ausência de conflitos, mas sim a capacidade de solucioná-los por meio do diálogo

POR:
Camila Cecílio
Crédito: Getty Images

A empatia, conhecida como a capacidade de se colocar no lugar do outro, foi a estratégia usada por uma escola pública do interior de São Paulo para combater o bullying que vinha sendo praticado contra alunos do Ensino Fundamental. Após perceber um aumento significativo dos casos de violência, a gestão da EMEF Prof.ª Judith Campista César, de Taubaté (SP), decidiu elaborar e implementar um plano de ação para lidar com o problema. As ações que, a princípio, serviram para “remediar” o problema, hoje são ferramentas constantes na prevenção contra o bullying.

A necessidade de enfrentar estrategicamente o bullying surgiu quando a direção percebeu que relatos de agressões verbais e físicas, automutilação e depressão estavam se tornando recorrentes entre os estudantes. “Vimos que alguns alunos não queriam estar ali e, conversando, eles nos relataram que estavam sofrendo violência, que se sentiam humilhados e constrangidos por outros colegas”, conta a professora e coordenadora pedagógica, Jacqueline Leal.

O impacto foi tão grande que, segundo ela, a primeira reação da equipe foi pensar em alternativas para mudar o que estava acontecendo, uma vez que o

bullying estava prejudicando o clima escolar e também o processo de aprendizagem dos alunos. “A aula pode ser incrível, mas se o aluno não se sentir seguro, respeitado, valorizado e ouvido, ele terá muita dificuldade para aprender”, diz Jacqueline.

Formação: instrumento de combate ao bullying

O primeiro passo da equipe escolar foi dado durante um curso sobre Gestão para a Aprendizagem em que as escolas participantes elaboraram um Plano de Ação e o implementaram, tendo como foco diferentes temáticas que fazem parte dos desafios cotidianos das escolas públicas brasileiras. No caso da EMEF Prof.ª Judith Campista César, muitos professores e funcionários já tinham manifestado dificuldade em lidar com a violência e o bullying nos espaços escolares, o que reforçava a necessidade de formação.

O coordenador de Projetos da Elos Educacional, Alex Moreira, afirma que o professor precisa ser um embaixador da boa convivência. “Isso não significa a ausência de conflitos, mas sim a capacidade de solucionar conflitos por meio do diálogo”. Um dos caminhos para isso é a formação continuada dos professores a fim de que eles consigam detectar e combater casos de bullying na escola. “A gente só lida com o diferente se a gente souber”, reforça o coordenador, que fez um estudo sobre o bullying durante seu mestrado em Educação.

É preciso, sobretudo, olhar para o grupo de professores e funcionários, reconhecer a relevância da escola e observar como as relações se dão entre todos. O primeiro passo, de acordo com Alex Moreira, é reconhecer que as relações impactam na aprendizagem. Por isso, admitir e entender as deficiências da escola é essencial para encontrar soluções. “Se você perceber que o bullying acontece já é um ponto positivo, mas o trabalho é como um martelinho de ouro, precisa ser feito de forma contínua e constante”.

O presidente da Comissão Antibullying da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Mogi das Cruzes, Juliano Melo Duarte, concorda que a equipe escolar precisa de formação para lidar com o assunto. “Percebo que, aos poucos, os gestores têm buscado isso, afinal as escolas podem, dependendo do caso, responder judicialmente por danos morais se não fizer nada para combater casos de bullying”, ressalta.

Diálogo é o ponto de partida

Depois de reconhecer o problema e analisar de forma aprofundada o contexto de violência na comunidade escolar e dentro da escola, a gestão da EMEF Prof.ª Judith Campista César partiu para o diálogo. “Conversamos individualmente com as vítimas, agressores e famílias. Depois, em rodas de conversas coletivas, falamos sobre o que estava acontecendo e fizemos uma espécie de acordo em grupos de que essa situação teria que melhorar. Muitos alunos se comoveram bastante, então foi muito bom porque eles se abriram e expuseram o que estavam sentindo”, conta a coordenadora pedagógica Jacqueline Leal.

Com o diálogo estabelecido, o passo seguinte foi desenvolver uma série de ações práticas a fim de melhorar o vínculo entre os alunos e a escola, para que se sentissem mais seguros e valorizados. Nos jogos estudantis, por exemplo, a escola trabalhou a ideia de fair play – “jogar limpo”, em tradução livre – que, no geral, enaltece o espírito de equipe e o companheirismo em atividades.

Uma das tarefas propostas aos alunos foi arrecadar alimentos, em grupos, para doar a instituições de caridade, como asilos. No dia da entrega, os alunos tiveram a oportunidade de trocar experiências com os idosos e desenvolver um olhar mais empático sobre o outro. Na sequência, eles ganharam dias de "trotes", em que alunos do Fundamental II se vestem de super-heróis para os alunos do Fundamental I com o propósito de criar um vínculo entre os mais novos e os mais velhos e evitar atritos entre eles.

Outras atividades que ajudaram a mudar o cenário da escola foram o Dia do Abraço e a criação de uma campanha de conscientização contra o bullying. Para falar sobre o assunto, alunos do 8º e 9º anos produziram um vídeo de pouco mais de três minutos em que interpretam vítimas de violência no ambiente escolar e levantam reflexões sobre a relação entre bullying e casos reais de suicídios de jovens em todo o mundo.

Prevenir é melhor que remediar

Com alunos e equipe escolar conscientizados, os casos de violência escolar e bullying diminuíram da forma como era esperada no Plano de Ação. “Não podemos dizer que não acontece mais porque sabemos que acontece, afinal são quase mil alunos e de ano em ano vão mudando. Mas a diferença é que hoje os alunos estão muito mais abertos e a própria escola tem outro olhar sobre o problema”, diz a coordenadora pedagógica. “Remediar não basta, nosso olhar precisa ser focado no aluno, em seu comportamento, e as ações devem ser contínuas”.

O coordenador Alex Moreira recomenda que pais e professores fiquem atentos a sinais como insistência em faltar à escola; arranhões, machucados, roupas rasgadas; objetos "roubados" que não são explicados pelos alunos; isolamento em momentos de recreação e interação com os demais colegas; comentários sobre não ter amigos na escola, falta de apetite, mudança de humor, baixa autoestima e tristeza aparente. “Esses são alguns comportamentos que podem apontar para o quadro de um aluno que seja vítima de bullying”.

O que diz a legislação

Nos últimos anos, a discussão sobre o bullying passou a fazer parte da esfera jurídica. Hoje, no Brasil, existem duas leis (13.663/2018 e 13.185/2015) com o objetivo de conscientizar as pessoas e prevenir contra o bullying. A mais recente entrou em vigor em maio do ano passado e determina que as escolas estabeleçam ações destinadas a promover a cultura de paz.

Para Juliano Melo Duarte, presidente da Comissão Antibullying da OAB de Mogi das Cruzes, a legislação “caminha a passos curtos”, uma vez que é preciso ter maior efetividade. “Falta aplicabilidade e conhecimento por parte das escolas. Já ouvi gestores dizerem que desconhecem a legislação, então se sentimos isso aqui em São Paulo, imagina nas regiões mais afastadas do país”, diz.  

Criada há pouco mais de quatro meses, a comissão trabalha em parceria com as escolas públicas do município por meio de palestras e distribuição de materiais impressos com informações sobre bullying.

Assim como em qualquer conversa ou ação dentro da escola para combater o bullying, é importante que faça parte de um contexto, defende Alex Moreira, da Elos Educacional. “É preciso criar agendas para discutir o assunto, senão não gera reflexão”, alerta. Ele acrescenta, ainda, que é necessário estar atento a algumas atitudes a serem evitadas, como, por exemplo, expor a vítima diante dos colegas ou esperar que tragédias aconteçam para tomar atitudes.

Como combater o bullying na escola em 13 passos

1 - Observe o comportamento dos alunos
Oriente toda a equipe escolar sobre a importância de observar constantemente os comportamentos dos alunos para melhor entendê-los e ajudá-los. Jacqueline Leal, coordenadora pedagógica da EMEF Prof.ª Judith Campista César, reforça que alunos que não interagem com colegas, que demonstram apatia, choro ou mudança brusca de comportamento devem ser ouvidos, incentivados de maneira respeitosa e acolhedora a expor seus sentimentos e a socializar.

2 - Converse separadamente com a vítima e com o agressor
Converse separadamente com a vítima e com o agressor e procure saber sobre os sentimentos envolvidos na ação do agressor e causados na vítima. Isso dará pistas sobre os motivos reais do agressor e sobre as ações que podem ser realizadas para reestruturação da relação, segundo Jacqueline.

3 - Procure entender melhor a situação
Alex Moreira, coordenador de Projetos da Elos Educacional, aconselha conversar com alunos que possam ter presenciado os momentos de agressão para entender a situação melhor e colher mais informações sobre o caso. “Sempre trazendo os mesmos para uma reflexão e os orientando para que não ocorram fofocas”, acrescenta Jacqueline Leal.

4 - Acione as famílias para relatar o que está acontecendo
Outra dica é acionar as famílias no sentido de relatar o ocorrido, entender como aquela violência tem impactado outras relações dos alunos e conversar sobre os encaminhamentos que serão dados.

5 - Se necessário, encaminhe o caso para outras instâncias
Quando os limites de atuação da escola forem alcançados o ideal é que se encaminhe o caso para outras instâncias. Para isso, é importante que todas as ações anteriores tenham sido registradas, segundo os especialistas.

6 - Não basta remediar, é precisa prevenir
Moreira diz que não basta apenas “remediar” é preciso “prevenir”. Isso exige um projeto pedagógico que tenha as relações e interações como elementos importantes na construção do currículo escolar. Um trabalho de prevenção ao bullying pode passar por ações como a que vem a seguir.

7 - Faça um diagnóstico sobre a convivência escolar
Realização de um diagnóstico sobre a convivência escolar, com a participação de todos os segmentos da unidade de ensino.

8 - Construa um projeto pedagógico com valores
Constituição de um projeto pedagógico que trabalhe pautado em valores como: respeito, colaboração, ética, justiça, gratidão, gentileza, amizade e solidariedade.

9 - Promova rodas de conversas com os alunos
Rodas de conversas e assembleias onde os alunos sejam protagonistas e possam discutir sobre os problemas que estão vivendo, buscando estratégias para a melhoria da convivência escolar.

10 - Reparação dos danos causados
Instauração de círculos de reparação nos quais, por meio do diálogo, agressor e vítima possam conversar e reparar o dano causado.

11 - Formação continuada de professores e funcionários
Formação continuada e em serviço junto aos professores e funcionários para que possam refletir sobre sua prática pedagógica e profissional de maneira a viabilizar um trabalho de mediação e prevenção de conflitos pautado no diálogo, respeito e na generosidade.

12 - Envolva a família nas ações escolares
Envolvimento das famílias nas ações escolares de maneira que eles se tornem ativos no processo de formação dos alunos e também se sintam acolhidos e valorizados.

13 - Construa uma cultura escolar de respeito
O bullying gera dor, sofrimento e tristeza em muitos alunos que sofrem esses atos de violência ao longo de toda uma trajetória escolar. Para mudar esse quadro, segundo Alex Moreira, é preciso construir uma cultura escolar de respeito ao próximo, de maneira que as relações estabelecidas ocorram sem constituir dano emocional ou físico a ninguém. Professores, gestores, funcionários da escola, pais e alunos: todos têm papel importante na construção de uma escola que respeite a todos e a cada um.