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Estou com medo: o que fazer quando professores e gestores se sentem vulneráveis

Saiba como lidar com tensão, frustração e medo trabalhando questões de saúde emocional

POR:
Nairim Bernardo
Crédito: Getty Images

Dias após o enterro das vítimas da tragédia na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano (SP), uma mensagem com a foto de uma arma circulou entre alunos. No texto se lia "Vou matar todo mundo nessa p... as 11 hrs quem ficar ficou". Bastou isso para o medo se instaurar na escola. Qual aluno? Será que é verdade?

Após o tiroteio em Suzano, outras escolas receberam ameaças falsas ou indicativos de que poderiam ser as próximas a sofrer algum tipo de ataque. Para as crianças e adolescentes, episódios como esse podem deixar traumas. O mesmo pode acontecer com professores, que precisam lidar com as ansiedades dos alunos e as suas próprias. Diante de tanta apreensão e medo, fica a pergunta: como seguir lecionando quando você se sente fragilizado e vulnerável no próprio ambiente de trabalho?

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A tragédia de Suzano ou episódios envolvendo violência na escola podem servir como um gatilho para o profissional dizer “Chega”. O psicanalista e especialista em saúde do professor Chafic Jbeili acha que muitos professores estão nesse ponto. “Com o ataque em Suzano, acredito que uma quantidade significativa de professores que já operava em seu limite físico e mental pode adoecer e entrar de licença médica ou até mesmo antecipar eventual decisão de mudar de área”, diz. Para ele, é essencial que os professores encontrem a melhor maneira de preservar sua saúde emocional. “As pessoas mais suscetíveis aos males ocasionados pelo estresse pós-traumático são aquelas que não têm técnicas adequadas ou as técnicas que têm são ineficazes para lidar com determinadas situações do dia a dia”, diz.

GESTÃO ESCOLAR conversou com pais, educadores e especialistas para entender como o fato ocorrido na Raul Brasil e as ameaças a outras instituições impactam outras escolas e o que pode ser feito para que a saúde emocional de todos seja preservada.

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Medo

Natalia Guimarães é mãe de uma criança que frequenta a Escola de Desenvolvimento Infantil da rede municipal do Rio de Janeiro e faz parte do Conselho Escola e Comunidade. Ela conta que a Escola Municipal Finlândia, uma das parceiras da instituição em que sua filha estuda e que está localizada próxima a sua casa recebeu ameaças. Um adolescente mandou uma mensagem no grupo de alunos (veja na imagem abaixo). Uma cópia foi encaminhada para os professores, que acionaram a coordenadoria de Educação, que por sua vez mobilizou os pais e a polícia.

“Desde aquele dia, os procedimentos de segurança e o clima nas escolas da região mudou”, conta Natalia. Segundo ela, o caso da escola Raul Brasil foi muito comentado na região e a ameaça deixou pais, professores e gestores mais inseguros. Ela tomou a iniciativa de observar mais de perto o comportamento dos alunos – e pediu a outros pais e responsáveis que façam o mesmo. “Já pedi ao responsável da van que realiza o transporte da minha filha ficar mais atento ao comportamento dos estudantes. Estou sempre falando com os pais e com os educadores para eles observarem mais e conversarem com os jovens. Estamos com muito medo do comportamento violento dos jovens. Eu mesma tenho evitado ir e levar minha filha para lugares onde há muitos adolescentes”, conta Natalia.

Para reverter esse cenário de medo e tensão, é imprescindível trabalhar projetos de clima escolar com ações pontuais, mas com um plano de longo prazo que olhe para alunos e também professores, gestores e funcionários da escola – se possível envolvendo toda a comunidade escolar. Os projetos podem incluir palestras com especialistas e parcerias com instituições e profissionais capazes de oferecer ajuda emocional.

Na visão de Ana Carolina D’Agostini,  mestre em Psicologia da Educação pela Columbia University e consultora de Saúde Emocional de NOVA ESCOLA, as competências socioemocionais precisam ser trabalhadas de diversas formas, em um projeto permanente (não só quando um fato específico chama a atenção) e com toda a escola. “Sei que pode parecer irreal para algumas pessoas, mas em todas as disciplinas podem ser trabalhadas as questões socioemocionais: empatia, autocontrole, decisões responsáveis, autoconhecimento, habilidades sociais. E esse tipo de trabalho não tem que ser visto como mais uma tarefa jogada no colo do professor e sim tornar-se uma visão da escola”, afirma. Quando saúde emocional é colocada como um valor indispensável, os benefícios atingem não apenas para os alunos, mas toda a equipe escolar.

 

Tensão

A gente está com 30 alunos em uma sala de aula e não sabe o que se passa na cabeça de cada um”. Raiza Luara, professora de Sociolotia do Ensino Médio em uma escola estadual de Almirante Tamandaré, no Paraná, sabe que muitos alunos “admiram” atitudes extremistas e preconceituosas. “Percebo que alguns se sentiram acuados e com medo do que aconteceu em Suzano, mas outros demonstraram uma certa admiração e legitimaram a ação dos atiradores”, comenta. Isso faz com que mesmo ameaças vazias se transformem em “armas” de poder entre alguns alunos, que ao dizer que fariam o mesmo passam a ser vistos com receio – em sua visão, “respeito” – por outros colegas.

Cintia Lene é professora de História na rede pública municipal de Poços de Caldas (MG) e conta que em uma das escolas na qual leciona, um aluno mostrou aos colegas uma máscara de caveira similar a que foi usada por um dos assassinos da tragédia de Suzano. “O caso virou notícia e foi bastante aumentado pela mídia da região. Mas mesmo não se tratando de uma situação muito grave, estamos sim em estado de alerta constante agora”, diz ela. Cintia diz que é comum a escola dar muita atenção aos alunos considerados “problemas” e esquecer os que estão sempre quietos ou que têm bom desempenho escolar. “Quando algo acontece, os mais bagunceiros costumam reagir na hora; mas percebo que violências com proporções maiores são, geralmente, tomadas por pessoas com histórico de serem alunos mais retraídos e/ou que sofriam bullying. Por isso, estamos tentando ampliar o nosso olhar”, diz a professora.

Para a psicóloga Ana Carolina D'Agostini, é comum que algumas pessoas, mesmo não tendo sido afetadas diretamente, fiquem traumatizadas após um fato como o ocorrido na Escola Raul Brasil, com medo de que aconteça novamente. “É delicado seguir o ano escolar como se nada tivesse acontecido. É preciso parar e falar a respeito, tanto com os alunos quanto entre a equipe escolar. Esse é um momento importante para disseminar ainda mais as informações sobre saúde emocional, bullying, autocuidado e redes de apoio”, afirma a psicóloga.

 

Estresse

“Parece que quando a gente entra para dentro do portão da escola, todos os nossos problemas precisam ficar do lado de fora”, diz a professora Cintia Lene. “As pessoas esquecem que professores têm questões familiares, emocionais, de saúde, financeiras. E é muito desgastante ter uma demanda de trabalho tão grande e ainda ter que lidar com tantos alunos, que também têm seus problemas pessoais. Uma situação de violência na escola é a exposição inegável de mais um problema. Chega uma hora que você ‘explode’, na sua casa ou até mesmo com um aluno ou colega de trabalho. Foca-se muito na saúde mental do aluno mas esquece-se a do professor”, desabafa Cintia.

O psicanalista Chafic Jbeili diz que o estresse pelo acúmulo de trabalho e pela pressão sentida devido às demandas profissionais e sociais precisa encontrar uma contrapartida, que pode ser uma atividade relaxante ou diretamente ligada ao bem-estar. “Programas de saúde e bem-estar com base na meditação, yoga, entre outras práticas integrativas podem amenizar o impacto do estresse no dia a dia do professor e evitar o acúmulo de sobrecarga emocional”, aponta ele.

É importante também que no ambiente de trabalho haja muito respeito entre colegas, além do apoio constante da equipe técnica e programas de qualidade de vida no trabalho. Para promover essa ação, a equipe escolar pode, por exemplo, realizar oficinas em que um professor ensine algo para o grupo ou mesmo procurar parcerias com instituições ou pessoas que estejam dispostas a realizar esse tipo de atividade na escola. Para Chafic, também seria interessante que professores recebessem um adicional salarial para investir em sua saúde e carreira.

 

Frustração

“Para nós, professores, olhar o caso de Suzano é como ter nosso trabalho e esforço jogados fora”. O desabafo da professora Cintia Lene se assemelha a muitos dos comentários deixados nas redes sociais nos dias que se seguiram à tragédia em Suzano. E é fácil entender essa frustração. “Não passamos só conteúdos, mas nos preocupamos em conversar com os alunos sobre a vida deles. Em muitos casos, uma abertura que eles não têm dentro de casa procuram ter conosco. Quando um aluno comete uma violência dessas, ou mesmo outra de menor grau, nos perguntamos se deixamos ele ‘passar batido’ ou se o nosso trabalho é inútil”, diz Cintia.

Trabalhando com o Ensino Médio há quatro anos, Raíza Luara se sente praticamente na obrigação de abordar casos de violência como o de Suzano ao conversar com seus alunos nas aulas de Sociologia. “Mas para isso eu preciso falar de violência e daí surgem questões como a violência de gênero, homofobia, racismo, bastante frequentes entre alguns alunos. E, infelizmente, posso sofrer represálias por tratar desses assuntos”, diz. 

Excesso de trabalho, cobranças (por parte da gestão, dos pais e responsáveis e até mesmo dos alunos) e falta de reconhecimento da profissão são reclamações constantes dos educadores. Soma-se a isso o enorme sentimento de responsabilidade. “Os professores precisam mudar esse pensamento de que eles têm que dar conta de tudo. Por mais que eles possam provocar grandes mudanças na vida dos alunos, nem tudo depende deles”, aponta Ana Carolina. Ela sugere um olhar mais aprofundado para dois dos pilares das habilidades socioemocionais, que são o autoconhecimento e o autocuidado. “Através deles podemos conhecer e respeitar nossas limitações”.