Módulo 2: Rodas de conversa
Formação continuada em Educação Infantil
POR: GESTÃO ESCOLARA linguagem oral está presente no cotidiano das creches e pré-escolas. Porém é preciso lembrar que, para se comunicar, não basta saber falar. As crianças têm de se apropriar dos modos sociais de expressão nas diferentes situações do dia a dia: no diálogo, na conversa coletiva, em ocasiões informais ou formais. Isso é possível pela mediação do professor, que interpreta os gestos, apoia a significação da fala, cria contextos comunicativos interessantes e, assim, sustenta, acompanha e alimenta a produção discursiva dos pequenos. Para tanto, o coordenador pedagógico deve fundamentar o trabalho de linguagem e o planejamento de propostas capazes de fomentar uma comunidade cada vez mais falante. Pensando nesse desafio, Silvana de Oliveira Augusto, professora do Instituto Superior de Educação Vera Cruz (Isevec) e coordenadora de cursos a distância do Instituto Avisa Lá, ambos em São Paulo, sugere uma sequência de trabalho que enfoca a discussão sobre a roda de conversa.
Objetivo geral
Formar professores da Educação Infantil, tendo em vista a promoção de experiências fundamentais às crianças de 2 a 5 anos, como ler, conversar, conhecer o mundo natural e social, desenhar e pintar, ouvir e produzir música, dançar e brincar de faz de conta e com jogos de regras.
Objetivo específico deste módulo
- Orientar um plano de formação para a implementação e/ou qualificação da roda diária de conversa em grupo.
Conteúdos
- Características da conversa como prática social de comunicação.
- O papel do pensamento sincrético na conversa das crianças pequenas.
- Intervenções do professor na preparação dos assuntos para conversar em grupo bem como para promover o diálogo entre as crianças.
- O planejamento da roda de conversa.
Tempo estimado
Três meses, com reuniões quinzenais.
Material necessário
Um computador com acesso à internet, uma filmadora e um projetor multimídia.
Desenvolvimento
1ª reunião: Características da conversa
Comece falando informalmente sobre assuntos do cotidiano do grupo e da escola ou curiosidades pessoais. A ideia é aproximar o professor do objeto do conhecimento em si - no caso, a própria conversa - para depois fazer uma reflexão sobre as melhores condições para tal prática. Ao fim do bate papo, proponha ao grupo listar os comportamentos mais comuns. Alguns exemplos do que pode acontecer:
- As pessoas olham para quem fala.
- Ninguém interrompe o colega que está se pronunciando.
- Quem escuta também se manifesta com risos, gestos ou expressões.
- Os integrantes do grupo aguardam um sinal corporal do palestrante antes de se manifestarem.
- Se o assunto é polêmico, todos falam ao mesmo tempo - e nem sempre isso é um problema.
- Há quem faça várias coisas durante a conversa: anota algo no caderno e dialoga com o vizinho sem que isso implique em falta de atenção.
- Nem sempre a discussão segue um único foco. É comum um assunto puxar o outro e a conversa se ampliar.
Registre tudo o que o grupo apontar e levante questões que ajudem a avaliar as rodas com as crianças. Os adultos se dirigem aos pequenos olhando-os nos olhos? Quais as situações comunicativas mais comuns entre os bebês? E entre os maiores? O quanto elas estão próximas da prática real de conversar? De que modo as crianças aprendem a tomar a palavra? Há artifícios para isso - o professor faz rodízio entre elas ou orienta para que elas levantem a mão para pedir a vez? Esses procedimentos são necessários? A turma é estimulada a responder em coro ou a trazer respostas pessoais com relatos, explicações e narrativas? Como ensinar os pequenos a conversar respeitando as características dessa prática social? Conclua sistematizando as ideias que serão utilizadas nas próximas rodas, que devem acontecer diariamente, sempre abrindo as atividades do dia. Veja o exemplo:
Orientações para a roda de conversa
Como propor a roda
- Organizar um espaço adequado, em que todos se sentem confortavelmente e possam se ver.
- Levar assuntos que incentivem o grupo a contar seus relatos, e não apenas a responder ao professor.
- Dispor de novos dados e fontes de informação - como jornal e revistas - para alimentar temas debatidos anteriormente.
O que as crianças aprendem
- A conversar, considerando as falas dos colegas e interagindo com eles.
- A organizar relatos do cotidiano.
- A pensar, ordenar ideias e expressar uma opinião sobre o assunto em questão.
Peça para que os professores observem, ao longo da semana, a rotina das rodas feitas com a turma e escrevam sobre as seguintes questões: quais são as práticas de conversa existentes na sala? Que comportamentos sociais as crianças desenvolveram para conversar em grupo?
Coordenador Disponibilize aos professores o quadro-síntese das orientações para a roda de conversa, pois ele servirá de apoio para a atividade de avaliação no fim desta sequência. Solicite que um voluntário faça o registro das reuniões e compartilhe com todos, criando um histórico do processo de formação do grupo.
Para saber mais sobre o desenvolvimento da linguagem verbal, leia com o grupo um trecho do volume III do Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil, do Ministério da Educação (MEC), disponível aqui.
2ª reunião: Planejamento da atividade
Inicie com um bate papo para compartilhar o que cada professor observou sobre a prática de conversar das crianças. Peça que eles apontem as dificuldades na condução da atividade e planejem uma nova roda, usando como base o quadro de orientações elaborado no primeiro encontro. Para tanto, é interessante apresentar um modelo de roda de conversa com crianças de 4 e 5 anos, disponível aqui. Com base nessa referência, cada um vai construir um plano específico para a sua turma. Ao final, proponha que os docentes troquem informações e os oriente quanto ao registro da prática. Combine com eles um cronograma para a entrega das anotações.
Coordenador Preveja um tempo para o preparo dos materiais que levará a cada encontro. Mantenha a rotina de observação de sala e peça para que os professores anotem as dúvidas que desejam debater nas reuniões pedagógicas.
3ª reunião: Estudo teórico
Os professores devem trocar entre eles os registros das rodas para discutir as semelhanças e diferenças anotadas. Para aprofundar o estudo sobre o sentido da fala das crianças, leia para o grupo a matéria do site de NOVA ESCOLA sobre o pensamento do psicólogo, filósofo e educador francês Henri Wallon (1879-1962), disponível aqui. O autor observou que os pequenos não pensam como os adultos. O que eles dizem, diferentemente do que muitos creem, não é um emaranhado de coisas desconexas, mas organizadas segundo uma lógica sincrética, que mescla realidade e fantasia e tem um sentido próprio. Ajude os professores a significar o que leram com base na relação dessas ideias com a prática de conversar em roda. Peça que eles expliquem os trechos transcritos de rodas de crianças de diferentes idades, relacionando-os às informações da reportagem. O objetivo é ajudá-los a localizar passagens em que se nota o sincretismo do pensamento das crianças e, assim, fazer com que entendam melhor a dinâmica das conversas infantis (leia modelo abaixo).
Registro de uma conversa*
Professora: O peixe anda? Nada?
Criança 1: Assim, ó (disse, mexendo o bumbum e os braços para a frente, simulando os movimentos do nado).
Criança 2: Peixe tem braço?
Criança 3: Não, tem uma asinha assim ó (disse, abanando as mãos). Ele faz assim (imitou o jeito de respirar, com a boca em biquinho).
Criança 1: Tem que tirá toda a água agora pra eles comê.
Criança 3: Olha lá, tá saindo linha!
Criança 4: Eles voam na água.
Criança 5: Eles vão sair! Fecha! Fecha!
Criança 3: Olha, a planta abre, por que ela abre? Tá embaixo, no chão. Vai dormir?
Criança 6: Olha o olho! Ele fecha o olho?
* Registro realizado por Silvana de Oliveira Augusto com crianças de 2 e 3 anos do CEI Casa da Criança, em São Paulo, enquanto elas observavam um aquário.
Coordenador Para a próxima reunião, leia o texto A Linguagem Oral e As Crianças - Possibilidades de Trabalho na Educação Infantil, de Silvana de Oliveira Augusto, disponível aqui. Ele traz mais registros de rodas de conversa que podem subsidiar o grupo caso haja a necessidade.
4ª reunião: Alimentação temática
Mais uma vez, os professores devem trazer os registros do modo como as crianças se expressam, localizando passagens em que se destaca a maneira que elas raciocinam. Reforce a importância de eles ensinarem os pequenos a ouvir e a comunicar suas ideias. Mostrar interesse nos assuntos que eles debatem pode estimular todos a falar. O objetivo é fazer o grupo refletir sobre como promover avanços nas capacidades de cada um pensar e se expressar. Pense junto com eles sobre o que pode enriquecer as conversas entre eles: os relatos da vida cotidiana? A leitura de uma notícia interessante? O debate sobre tópicos da rotina e da vida escolar? As sugestões devem ser aos poucos incorporadas à prática dos professores e essa atividade pode ser retomada sempre que necessário para manter vivas a reflexão e a troca de experiências.
5ª reunião: Filmagem das rodas
Exiba o vídeo de NOVA ESCOLA, disponível aqui, que mostra a roda de conversa em uma escola municipal de São Paulo. Depois, questione o grupo quanto à intervenção durante e após a conversa, tomando como objeto de análise o seguinte fragmento exibido:
Exemplo de intervenção
Professora: Quem quer dizer alguma coisa sobre o jacaré?
Várias crianças respondem em coro: Eu! (dizem levantando as mãos)
Professora: Então, pera aí. Vamos sentar aí, meninas, pra gente poder ouvir aqui? Fala Giovana, o que você sabe sobre o jacaré?
Giovana: Ele... se a gente ficar perto dele, ele morde.
Professora: Como é que é Isabela?
Isabela: Ele bota ovo!
Professora: Ah!
Várias crianças falam em coro: Ah!
Professora: Ele bota ovo!
Luigi: Ele não é galinha (diz em meio às exclamações dos colegas).
Professora: Olha o que o Luigi está falando. Como é que é, Luigi?
Luigi: Ele não é galinha.
Questione os professores que outras interferências podem ser feitas nessa conversa, dispondo as informações em um quadro com duas colunas, segundo exemplo ao lado. Proponha a filmagem das conversas das crianças. Cada um deve avaliar suas próprias intervenções e depois levar a gravação e a análise para apresentar aos colegas se assim o desejarem. Talvez sejam necessárias várias reuniões para esse propósito para que os professores esclareçam todas as dúvidas e adquiram mais experiência.
Coordenador Lembre que a troca de informações entre docentes não visa a reforçar o que eles já sabem e fazem nem apontar erros, mas problematizar as atividades e melhorá-las. Por isso, tome para si alguns focos de análise, escute os relatos para validar aspectos do trabalho e devolva questões que ainda exigem discussão.
6ª reunião: Avaliação da prática
É importante que os professores observem a evolução de trabalho deles com as crianças e o impacto positivo disso nos resultados da escola. Para finalizar, faça uma leitura coletiva do quadro com orientações para a realização de uma roda de conversa. Sugira que o grupo analise as mudanças ocorridas, o que deve ser mantido e o que precisa avançar.
Coordenador A roda de conversa é um momento privilegiado para expandir as competências discursivas das crianças. Mas não é a única. O Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil traz várias possibilidades de trabalho que integram a linguagem oral e a escrita: entrevistas, seminários para a troca dos projetos de estudo, parlendas e brincadeiras cantadas (que também servirão de suporte para as situações de leitura). Em momentos oportunos, organize a troca de práticas entre os docentes, ocasião para cada um sistematizar o trabalho feito e, ao mesmo tempo, ensinar aos colegas o que sabe fazer melhor.
Orientações para a roda de conversa
Durante a conversa
- Dar voz ao que outras crianças têm a dizer, tal como fez com Luigi.
- Colocar uma ideia em debate para que as crianças digam o que sabem e o que pensam sobre o assunto. Por exemplo, se só as galinhas botam ovos.
Após a conversa
- Pensar nas próximas rodas com base nos registros das ideias das crianças e escolher temas de interesse da turma.
- Levar livros e imagens que expliquem como nascem os jacarés e outros animais que têm origem em ovos, bem como os que saem da barriga da mãe.