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Como ouvir e organizar as demandas e sugestões dos funcionários da escola

Confira um passo a passo para organizar uma assembleia de professores e funcionários

POR:
Camila Zentner
Crédito: Getty Images

Historicamente, a escola foi sendo reconhecida como o lugar destinado a aprendizagem de conteúdos da nossa língua, da Matemática, Ciências, História, Geografia, Arte... Formar cidadãos críticos – embora o propósito constasse em muitos discursos e documentos pedagógicos – foi uma aprendizagem deixada em segundo plano.

Atualmente, educar para a cidadania tem se tornado uma das pautas cada vez mais urgentes das escolas – já que elas são o principal espaço de formação e convivência de crianças e adolescentes. Para promover essa aprendizagem na escola, existem vários dispositivos que promovem a participação democrática, como é o caso das assembleias escolares. Porém, implantar tais práticas na  escola, muitas vezes, não é o suficiente para gerar as mudanças que almejamos. Isso se deve, principalmente, pelo fato de que nós professores e gestores não tivemos essa formação quando éramos alunos, muito pelo contrário, a maioria de nós cresceu em meio a relações autoritárias, onde ficar sentado e em silêncio era a postura ideal.

Do PPP à prática
Em nossa escola, expressamos no projeto político pedagógico (PPP) o desejo de trabalhar com a formação cidadã. Encontramos nas assembleias um caminho para a aprendizagem de nós, adultos. No início, as assembleias de funcionários foram acontecendo ao mesmo tempo que a assembleia de alunos. Porém, com o passar do tempo, estudando mais sobre o assunto, descobri que a prática ideal para quem deseja começar o trabalho com assembleias em sua escola, é começar com a dos funcionários. Ela funciona como um ponto de partida, uma vez que permite que professores e toda equipe coloquem em prática a teoria estudada sobre o assunto. Na medida em que aprendem coletivamente como organizar as discussões e o funcionamento das assembleias, vão se sentindo mais seguros a desenvolver posteriormente com as crianças, algo que antes não tinham vivido.

Para os gestores também é uma aprendizagem extremamente importante, especialmente para aqueles que desejam desenvolver uma gestão democrática. As assembleias de funcionários vão descentralizando a figura do gestor como o único responsável por resolver os problemas da escola. Nessa nova perspectiva, todo o coletivo de funcionários é responsável por discutir e pensar soluções. As relações vão se tornando cada vez mais horizontais e, nesse exercício contínuo, todos vão aprendendo (a começar pelos adultos) a utilizar os espaços de diálogo de forma construtiva visando sempre o bem comum.

O modelo das assembleias:

Quem participa e quais são os papéis da dinâmica
As assembleias são realizadas uma vez por mês, na sala dos professores, com cadeiras organizadas em roda, no dia e horário marcados. Reúnem-se professores de um mesmo período e pelo menos um funcionário de cada segmento (cozinheira, limpeza, secretaria, gestão e estagiários). Em cada assembleia é escolhido um “coordenador”, que neste caso não precisa ser o coordenador pedagógico, mas qualquer membro da assembleia disposto a fazer a leitura da pauta e coordenar as discussões. Também é escolhido um relator, a pessoa responsável pelo registro, em forma de ata, de tudo que foi tratado na assembleia.

A pauta das discussões
A pauta da assembleia é construída ao longo de todo o mês, através de um cartaz que fica exposto em local de passagem de todos os funcionários. No nosso caso, o local escolhido foi o corredor de entrada da secretaria da escola. O cartaz é dividido em duas partes, intituladas: “Precisamos conversar” e “Precisamos aplaudir”. Os títulos foram criação nossa, mas a ideia veio após conhecermos outras escolas que já realizavam essa prática. Nelas, encontramos como mais comum a organização nos blocos com os títulos de “Eu critico” e “Eu felicito”. Ambos os títulos trazem as mesmas intenções, mas buscamos uma linguagem mais propositiva e que dialogasse melhor com o tom que gostaríamos de dar para esse espaço de conversa e participação.

O primeiro bloco (“Precisamos conversar”) é um espaço para críticas. Nele, cada um pode escrever o que observou que não está bom ou alguma situação que o incomodou na escola. Nesse espaço não pode ser citado o nome de pessoas envolvidas na situação, somente os fatos, para evitar a exposição ou o mal-estar entre os colegas. Os autores também não se identificam – podem fazer, se quiserem, durante a assembleia. No cartaz é importante que sejam expostos apenas os temas que desejam ser discutidos, de maneira impessoal.

Crédito: Acervo pessoal/Camila Zentner

Em “Precisamos aplaudir” é diferente: aqui é o espaço do elogio, de destacar o que foi positivo e merece ser aplaudido por todos. Diferente do primeiro bloco, nesta coluna não somente entram os fatos, mas podem também ser citados os nomes. Assim, além de valorizar uma ação que foi bacana, o elogio auxilia na autoestima do grupo.

Objetivos claros e regras construídas coletivamente
Tem um livro que eu gosto muito e tenho utilizado como um guia nessa jornada, chamado Autogestão na sala de aula: as assembleias escolares, do professor Ulisses F. Araújo. O livro traz reflexões importantes sobre o que é cidadania, democracia escolar e Educação baseada na resolução de conflitos através da proposta de trabalho com assembleias escolares. Além disso, traz quatro tipos de assembleia e orientações de como implantá-las. No livro, ele explica que:

“O objetivo de uma assembleia é debater princípios, atitudes, e daí criar as regras de regulação coletiva e as propostas de resolução dos problemas. Discutem-se as brigas na escola, a sujeira da classe, o assédio moral ou sexual, o fato de as aulas estarem sendo prejudicadas por determinados comportamentos – e não quem está cometendo tais faltas. Isso porque as regras não podem jamais ser personalizadas. Ao contrário, têm de ser coletivas.”

A dinâmica da assembleia
No momento da assembleia, o coordenador (escolhido pelo grupo para coordenar o momento) coloca como primeira decisão do grupo, por onde será iniciada a leitura da pauta: pelas críticas ou elogios. Existem estudos que destacam que o ideal é começar pela pauta das críticas e encerrar, nos dez minutos finais da assembleia, com a pauta positiva, para que a reunião termine em um clima mais prazeroso e agradável. Caso a pauta esteja muito extensa, um pequeno grupo de membros da assembleia (como o diretor, o coordenador e um professor) pode reorganizar a pauta agrupando os assuntos semelhantes em um mesmo bloco. A ordem dos assuntos tratada durante a assembleia não precisa ser necessariamente aquela que foi escrita no cartaz.

O relator será a pessoa responsável por registrar o conteúdo de toda a assembleia. É importante que seja feito um em caderno ou livro específico. Desta forma, ali ficará guardada a memória do grupo sobre as assembleias realizadas, não só as demandas e as discussões, mas, principalmente, os encaminhamentos de cada assembleia para a resolução dos problemas. Ao final, todos os presentes assinam. Simbolicamente, a assinatura é importante como uma forma de comprometimento de todos com o que foi estabelecido.

Formatos e suas respectivas dificuldades
Nossa escola optou por realizar a assembleia que reúne todos os funcionários da escola. No entanto, é preciso dizer o quanto isso é difícil de realizar. Geralmente, a equipe que trabalha em outros segmentos da escola, não se sente à vontade para discutir sobre os problemas da escola junto com os professores, que por vezes são a maioria do grupo. Por isso, na hora da assembleia, muitos não aparecem: inventam desculpas, justificam que estão muito ocupados e não participam. Quando vão, alguns deles optam por permanecer em silêncio durante toda a reunião. É um processo vagaroso, de conquista dessas pessoas sobre a importância desse espaço de diálogo.

Muitas escolas escolhem trabalhar com assembleias por segmento. Sendo assim há a assembleia dos docentes, assembleia da gestão, outra da equipe da cozinha, de limpeza, e assim por diante. É outro caminho e que pode ser seguido utilizando as mesmas diretrizes propostas acima: cartaz, periodicidade das reuniões, definição de um coordenador e relator, registro em ata e encaminhamentos. No entanto, neste modelo é necessário abrir espaço para discussões com os diferentes grupos e depois reunir e organizar as demandas e conversas discutidas nestes espaços.

O processo de implementação
Aqui um vídeo de uma escola em Campinas que realiza a prática de assembleias por segmento, de forma rápida e bem explicativa a equipe conta como foi o processo de implantação das assembleias na escola em todos os seus segmentos: direção, professores, funcionários e alunos.

O que vale (usando a palavra no sentido de ser extremamente valoroso mesmo, uma preciosidade!) é investir em formas de resolução de conflitos verdadeiramente democráticas, que desenvolvam na prática entre nós (os adultos) o que a gente tanto preza na Educação das crianças: cooperação, respeito, justiça, solidariedade, não violência, amizade, responsabilidade...

Um abraço,

Camila Zentner

Camila Zentner Tesche é formada em Pedagogia com especialização em Educação Infantil pela Universidade de São Paulo (USP) e está na coordenação pedagógica da Escola da Prefeitura de Guarulhos Manuel Bandeira há 10 anos. A EPG atende a Educação Infantil e o Ensino Fundamental I e, desde 2015, faz parte do mapa de escolas inovadoras do MEC.

Referências:

Araújo, Ulisses F. Autogestão na sala de aula: as assembleias escolares. São Paulo: Summus, 2015.