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Cristian Cox: "A universidade precisa da escola"

Mais sobre Gestão da aprendizagem Reportagens Estágio: uma oportunidade de aprender na prática Seis características do professor do século 21

POR:
Aurélio Amaral
Cristian Cox. Foto: Marina Piedade
Cristian Cox

Dos anos 1990 para cá, o Chile alcançou muitas vitórias: universalizou o acesso à Educação básica, avançou nas avaliações externas e reduziu a lacuna de aprendizagem entre os mais ricos e os mais pobres - embora a segregação social nas escolas ainda seja a segunda maior entre os 65 países participantes do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa).

Muitas dessas conquistas têm origem na reforma de parâmetros conduzidos pelo sociólogo Cristian Cox, coordenador da Unidade de Currículo e Avaliação do Ministério da Educação chileno. "Ainda que haja críticas à flexibilidade do currículo, todos concordam que as expectativas de aprendizagem são claras", afirma. A formação inicial docente, no entanto, não acompanhou essas mudanças.

Nos últimos oito anos, o país experimentou uma explosão na quantidade de estudantes de Pedagogia e de instituições de ensino superior, especialmente privadas. O número de matrículas triplicou e o de universidades particulares cresceu 533%. Porém a qualidade não acompanhou essa velocidade e é a principal preocupação dos gestores públicos. A última Prueba Inicia - exame opcional para os recém-formados - apontou que 69% dos professores iniciantes não dominam os conteúdos que devem ensinar.

Como diretor da Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Chile (PUC-Chile), Cox busca resolver esse desafio dando mais ênfase ao ensino de didáticas e conteúdos e valorizando os programas de estágio dos futuros mestres. Em dezembro de 2012, ele esteve no Brasil a convite da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Lemann, em São Paulo, quando concedeu a seguinte entrevista a GESTÃO ESCOLAR.

Por que a universidade deve dar mais espaço à prática?
CRISTIAN COX Quanto maior for seu contato com o dia a dia da sala de aula, mais preparado o professor estará quando assumir uma turma. Isso parece óbvio, mas as faculdades dão pouca atenção aos estágios. Nos anos 1990, a PUC-Chile exigia apenas um período no fim do curso. Os graduandos tinham de ir atrás de escolas que os aceitassem e não havia nenhuma avaliação. Nesse formato, fica difícil articular os aprendizados da observação in loco com as aulas de Pedagogia.

Como assegurar que o estágio contribua de fato para a formação?
Investindo em planejamento e supervisão. Hoje temos quatro disciplinas práticas obrigatórias, com objetivos específicos para cada ano da graduação. Há um coordenador responsável por formar a rede de escolas colaboradoras - contamos com 50 - e orientar os quase 100 supervisores que se encontram semanalmente com os professores que recebem os estagiários. Os titulares da graduação participam das reuniões uma vez por mês e, com base nelas, preparam intervenções nas aulas. Além disso, os supervisores definem parâmetros de avaliação.

Que características têm as instituições escolhidas para serem parceiras da universidade?
Dois terços são unidades privadas que contam com financiamentos do governo e o restante é formado pelas públicas e por aquelas que são estritamente particulares - numa divisão que corresponde, no geral, mais ou menos à realidade escolar chilena. A localização e o perfil socioeconômico são variados. O principal critério de seleção é a garantia, por parte da escola, de que o graduando vai acompanhar sempre aulas bem conduzidas. Para isso, o coordenador do programa conversa com os diretores antes de selar o acordo para ter certeza de que toda a equipe pedagógica está comprometida e é bem formada. Não podemos escolher trabalhar em uma escola em que apenas um docente tem boa preparação. Todos devem ser bons.

Essa cooperação traz benefícios para ambas as partes?
Sem dúvida. Dar orientação a um estagiário é uma oportunidade de o professor refletir sobre a própria prática. Há também o encontro semanal com os supervisores acadêmicos, que funcionam como momentos formativos para o docente. Além disso, essas instituições são convidadas para os seminários e eventos organizados pela universidade, têm acesso à nossa biblioteca e contam com descontos na inscrição de cursos de extensão e pós-graduação. A faculdade também ganha com isso: estar dentro das escolas é uma oportunidade de detectar possíveis lacunas na graduação.

O que precisa mudar no currículo dos cursos de Pedagogia?
Na PUC-Chile, há 15 anos, as teorias da Educação ocupavam quase toda a grade curricular. Hoje esses temas respondem por 30% do programa. Os outros 70% são dedicados aos conteúdos disciplinares e à didática. Muitas instituições de ensino superior ainda têm receio de assumir seu caráter formativo profissionalizante, como se isso significasse necessariamente um distanciamento da academia. Não é verdade. O contato mais estreito com a prática pedagógica pode contribuir para as pesquisas - que, muitas vezes, são distanciadas do professor.

Que espaço têm as didáticas específicas de Língua, Matemática e Ciências nesse modelo de currículo?
Um espaço cada vez maior, embora ainda estejamos longe do ideal. Como a pesquisa e a especialização nessas áreas são incipientes e pouco divulgadas, uma solução é investir em núcleos formativos, que nada mais são do que cursos desenhados e oferecidos por duplas de acadêmicos: um da Faculdade de Educação e o outro do departamento de uma área do conhecimento. Isso requer um esforço grande de negociação não só entre os profissionais que vão trabalhar juntos mas também entre os centros da universidade. Ambos precisam abrir mão de parte do seu tempo para permitir o planejamento desses cursos em conjunto.

Como esse tipo de formação pode ajudar a reduzir a desigualdade do sistema educacional?
A diferença de nível de aprendizagem de acordo com a classe socioeconômica ainda é muito grande. Por isso, a faculdade precisa preparar profissionais que dominem estratégias para ajudar os alunos com mais dificuldade. Eles também precisam saber trabalhar com os diferentes repertórios e realidades dos jovens. Na nossa faculdade, nos próximos anos, pretendemos incluir na grade curricular cinco disciplinas voltadas para desenvolver essas competências em contexto urbano e rural. Assim, o estudante poderá se graduar como especialista em situações de pobreza e desigualdade.

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