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Na formação continuada não basta (só) tapar os buracos

Nas redes públicas, faltam programas preocupados, de fato, com a continuidade da capacitação docente

POR:
Ana Rita Martins, Arthur Guimarães, Beatriz Levischi, Denise Pellegrini, Gustavo Oliveira, Julia Browne, Maria Slemenson, GESTÃO ESCOLAR

Em tese, a formação continuada tem a função de proporcionar ao professor a atualização com as mais recentes pesquisas sobre as didáticas das diversas áreas, além de reflexão sobre a prática. Isso pode se dar no trabalho pedagógico realizado na própria escola e por meio de programas oferecidos pelo Ministério da Educação (MEC) e pelas secretarias estaduais e municipais de Educação. Em 2007, o MEC alocou 52 milhões de reais para programas desse tipo. As secretarias também investem na capacitação docente - só a rede estadual de São Paulo, a maior do Brasil, destinou no ano passado 115 milhões para o setor. No entanto, em virtude da deficiência de formação inicial dos professores, em muitas dessas ações é necessário abordar temas que já deveriam ter sido aprendidos na universidade.

O problema não pára por aí. Sem critérios bem definidos para a implementação dos programas, acabam sendo oferecidos, a título de formação continuada, cursos de curta duração, palestras e seminários que não têm o poder de acompanhar a evolução do professor nem de mudar a forma como ele trabalha. Paulo César Géglio, doutor em Educação e autor de tese sobre o tema, afirma que é fundamental explicitar o que é formação continuada: "O próprio nome já diz que é um trabalho contínuo. Intervenções pontuais não devem ser chamadas assim. O que contam são os programas de longa duração e, principalmente, a formação na escola, feita com o coordenador pedagógico".

Com a implementação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), em 1998, e sua posterior substituição pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), em 2008, as redes tiveram mais recursos à disposição, o que levou ao aumento na demanda por formação continuada. "Não são raras, porém, as secretarias que procuram programas apenas para gastar recursos e cumprir agendas", salienta Carlos Moreira, mestre em Educação e autor de livros sobre o tema. "Os programas do governo federal, de estados e de municípios geralmente não se focam no que o educador mais precisa, que são os conhecimentos sobre as didáticas de cada disciplina."

Sem ligação com a realidade

Aline Soares, professora da rede municipal de Herval, RS. Foto: Paulo Rossi
Aline Soares, professora da rede municipal de Herval, RS

Foram muitas as oportunidades de aprimoramento pelas quais Aline Soares, de Herval, a 400 quilômetros de Porto Alegre, passou nos últimos sete anos. Em comum, a falta de preocupação em discutir o que ela e os colegas da rede municipal precisam e o que é possível aplicar na sala de aula. "Fiz um curso sobre o uso da tecnologia na Educação, mas não consegui ensinar nada à minha turma com base no que foi visto." Além disso, a maioria dos cursos oferecidos pela Secretaria de Educação tinha outro problema: ensinar as mesmas teorias oferecidas na faculdade. "Perdi a conta das vezes que estudamos Vygotsky, por exemplo."

"Fiz vários cursos teóricos que não tinham nenhuma relação com a sala de aula."

Ações focadas e para todos

Quando o programa é definido nos gabinetes, sem atrelar os objetivos aos conhecimentos de que o professor precisa, os resultados não aparecem na aprendizagem dos estudantes. Algumas redes, no entanto, já começam a determinar grandes temas a serem abordados de acordo com avaliações. São Paulo, por exemplo, atrelou a escolha das capacitações aos resultados do Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo. 

Uma das reclamações mais recorrentes de quem participa de programas desse tipo é a de que os conteúdos ensinados não se relacionam às situações de sala de aula. Segundo Paulo César Géglio, o professor precisa ter acesso às pesquisas das didáticas específicas para, então, adaptá-las ao seu cotidiano. Os programas, portanto, não podem se basear somente em fundamentos, como História e Sociologia da Educação ou Desenvolvimento Infantil - que, aliás, já foram vistos na universidade e não fazem diferença para quem tem à frente uma sala com mais de 30 crianças a serem alfabetizadas, por exemplo.

Outros pontos fundamentais para o sucesso dessa política são analisar constantemente a evolução dos educadores e envolver a equipe completa de cada escola nos programas. Designar somente alguns membros para participar com a tarefa de serem multiplicadores nem sempre dá certo, já que formar outros docentes também é uma competência que precisa ser desenvolvida.

Por isso, a atualização constante é fundamental também para os formadores - que têm necessidades diferentes das de quem está em sala de aula. Um mesmo curso, assim, nunca é adequado para ambos. Cabe ao formador saber como o professor aprende para poder ensiná-lo e estimulá-lo a ref letir sozinho e com os colegas. Ele precisa ainda estar a par do que acontece na sala de aula, buscar textos desafiadores, apresentá-los e discuti-los à luz das didáticas.

Muitos públicos, muitos focos

Janaína Oliveira, coordenadora da rede municipal de Seabra, BA. Foto: Calil Neto
Janaína Oliveira, coordenadora da rede municipal de Seabra, BA

Diretores, vice-diretores e coordenadores pedagógicos têm diferentes funções, mas é comum participarem juntos de atividades de formação em serviço. A coordenadora Janaína Oliveira, de Seabra, a 474 quilômetros de Salvador, frequenta há dois meses o Progestão, oferecido pelo Ministério da Educação. "Não se falou da capacitação de professores e eu senti muita falta." Ela admite que seria difícil debater a fundo o assunto, já que diretores e vice-diretores têm práticas profissionais muito distintas. "O objetivo era treinar a equipe para reformular o projeto pedagógico, mas nem isso aprendemos."

"É difícil aprofundar as discussões se a formação reúne públicos diferentes."

O trabalho no horário coletivo

A atividade desenvolvida por coordenadores pedagógicos durante o horário coletivo é a iniciativa que apresenta resultados mais efetivos. Com base na demanda dos docentes e na evolução dos estudantes, cabe a esses profissionais definir estratégias de atuação. Parte dos estados brasileiros garante pelo menos um coordenador pedagógico em cada escola, mas isso não significa que eles estejam necessariamente formando a equipe. "Infelizmente, nem sempre os coordenadores foram capacitados e sabem como fazer esse trabalho, o que é um passo para se desincumbirem da tarefa", alerta Regina Scarpa, coordenadora pedagógica da Fundação Victor Civita. 

Em estados como Pernambuco e Paraíba, por exemplo, apenas 50% das escolas contam com esse profissional. Sem ele, o planejamento e o constante aprimoramento dos educadores não existem ou são feitos no improviso. Para Telma Weisz, consultora da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, é preciso dar condições para que a escola desenvolva uma formação continuada eficiente. "Isso inclui um planejamento sério, o envolvimento das secretarias, coordenadores e o horário de trabalho pedagógico, do qual deve participar toda a equipe." O tema tem sido alvo de debates recentes, desde que foi aprovada a lei do piso salarial que estabelece um terço do tempo de trabalho do professor para essa atividade. Estados como Paraná e Rio Grande do Sul e capitais como Recife e Cuiabá ainda reservam só 20% das horas de atividade docente para isso.

Enquanto a qualidade da graduação não melhorar, os programas das Secretarias e o trabalho pedagógico em cada escola deverão ser articulados visando melhores resultados. "Temos hoje a formação continuada que é possível e necessária", diz Bernardete Gatti, coordenadora do Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas. O ideal seria que os formados em Pedagogia aprendessem os conhecimentos didáticos nas universidades e, na formação continuada, se aprofundassem nesse estudo. "Não existe essa diretriz e, enquanto não mudarmos isso, continuaremos convivendo com os resultados pífios de nossos alunos."

A falta que o coordenador faz

Genilda Ribeiro, diretora de escola da rede estadual da Paraíba. Foto: Gustavo Moura
Genilda Ribeiro, diretora de escola da rede estadual da Paraíba

Em estados como Pernambuco e Paraíba, por exemplo, apenas 50% das escolas contam com esse profissional (veja o quadro abaixo, que mostra o levantamento feito por NOVA ESCOLA sobre coordenadores e horário coletivo nas redes estaduais e municipais das capitais). Sem ele, o planejamento e o constante aprimoramento dos educadores não existem ou são feitos no improviso. Para Telma Weisz, consultora da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, é preciso dar condições para que a escola desenvolva uma formação continuada eficiente. "Isso inclui um planejamento sério, o envolvimento das secretarias, coordenadores e o horário de trabalho pedagógico, do qual deve participar toda a equipe." O tema tem sido alvo de debates recentes, desde que foi aprovada a lei do piso salarial que estabelece um terço do tempo de trabalho do professor para essa atividade. Estados como Paraná e Rio Grande do Sul e capitais como Recife e Cuiabá ainda reservam só 20% das horas de atividade docente para isso.

Enquanto a qualidade da graduação não melhorar, os programas das Secretarias e o trabalho pedagógico em cada escola deverão ser articulados visando melhores resultados. "Temos hoje a formação continuada que é possível e necessária", diz Bernardete Gatti, coordenadora do Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas. O ideal seria que os formados em Pedagogia aprendessem os conhecimentos didáticos nas universidades e, na formação continuada, se aprofundassem nesse estudo.

"Não existe essa diretriz e, enquanto não mudarmos isso, continuaremos convivendo com os resultados pífios de nossos alunos."

A estrutura das redes

Muitas redes buscam parcerias com as universidades para implementar programas de aprimoramento para seus quadros. Se os cursos de Pedagogia não formam profissionais que sabem ensinar - como concluiu a pesquisa feita pela Fundação Carlos Chagas para NOVA ESCOLA -, a formação continuada não repete apenas os mesmos erros da inicial? "Sim, muitas vezes é o que acontece", admite Maria do Pilar Lacerda, secretária da Educação Básica do Ministério da Educação. "Precisamos ref letir sobre isso para ter uma formação continuada mais eficiente."

A estrutura das redes

Estados
Escolas com coordenador pedagógico
Tempo destinado à hora-atividade
Acre
100%
30%
Amazonas*
100%
25%
Ceará
100%
25%
Distrito Federal
100%
25%
Goiás
100%
30%
Mato Grosso
100%
33%
Minas Gerais
100%
33%
Paraíba
50%
25%
Paraná
100%
20%
Pernambuco
50%
25%
Piauí
100%
20%
Rio de Janeiro
69,2%
25%
Rio Grande do Sul
68%
20%
Roraima
100%
20%
Santa Catarina
100%
20%
São Paulo
100%
20%
Tocantins
97%
20%

*Não há um coordenador por escola. A função é exercida pelas coordenadorias de cada distrito

Capitais
Escolas com coordenador pedagógico
Tempo destinado à hora-atividade
Belo Horizonte, MG
100%
20%
Belém, PA
100%
25%
Boa Vista, RR
100%
33%
Cuiabá, MT
100%
20%
Florianópolis, SC
77%
30%
Goiânia, GO
100%
43%
João Pessoa, PB
100%
25%
Natal, RN
100%
33%
Palmas, TO
100%
20%
Porto Alegre, RS
100%
25%
Recife, PE
95%
20%
Rio Branco, AC
100%
25%
Rio de Janeiro, RJ
87%
25%
Vitória, ES
100%
25%

Fontes: Secretarias Municipais e Estaduais de Educação os estados de Alagoas, Amapá, Bahia, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Pará, Rio Grande do Norte e Rondônia e Sergipe e as cidades de Aracaju, Campo Grande, Curitiba, Fortaleza, Macapá, Maceió, Manaus, Porto Velho, Salvador, São Luís, São Paulo e Teresina não enviaram as informações solicitadas no prazo combinado com NOVA ESCOLA

A boa formação continuada

Para que seja assegurada aos professores a oportunidade de aprimorar seu trabalho, é necessário que os programas conjuguem uma série de fatores. As iniciativas citadas a seguir comprovam que a capacitação em serviço...

Conhece a realidade local
Consultar os professores durante o planejamento da formação torna os estudos mais coerentes e focados nas reais necessidades da rede. O programa Escola que Vale - uma parceria entre a Fundação Vale do Rio Doce, prefeituras municipais e o Centro de Educação e Documentação para Ação Comunitária - organiza os cronogramas de estudos nas localidades onde atua, como Serra Pelada, a 800 quilômetros de Belém, depois de conversar com os docentes e entender suas necessidades.

Usa formadores experientes
Quem já lecionou para um determinado nível de ensino tem mais facilidade para entender os dilemas vividos por quem está nessa posição. E isso faz toda a diferença. No Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita, da Universidade Federal de Minas Gerais, a maioria dos formadores é composta de professores da rede municipal de Belo Horizonte. O resultado é que eles falam a mesma língua que os participantes do programa - e conseguem se fazer entender melhor.

Valoriza o contexto profissional
Diferentes profissionais têm expectativas e objetivos diversos ao participar de uma formação. Por isso, é essencial agrupá-los de acordo com a área de atuação, o que torna as discussões mais aprofundadas. Na Secretaria de Educação do Estado do Paraná, isso já é realidade. Nas escolas, a grade de horários é organizada de forma a permitir que os professores de cada disciplina tenham um mesmo dia da semana sem aulas. Assim, podem se reunir para estudar durante o horário coletivo na escola e participar dos programas da Secretaria.

Prevê estudo contínuo e para todos
O ciclo de aprendizado funciona bem quando todos se aperfeiçoam. A atualização constante de toda a equipe pedagógica da rede faz parte do Projeto Chapada, promovido pelo Instituto Chapada de Educação e Pesquisa. Em Boa Vista do Tupim, a 318 quilômetros de Salvador, professores, coordenadores e diretores aprendem sempre. Formadores e seus tutores também se mantêm estudando para garantir bons resultados
na rede.

Ajuda a formar novos quadros
A escola jamais deve formar seus professores apenas com a ajuda de programas externos. O estudo contínuo durante o horário de trabalho pedagógico é necessário para desenvolver o potencial formativo da própria equipe escolar. O programa Além das Letras, do Instituto Avisa Lá, incentiva essa autonomia. O município de Umuarama, a 580 quilômetros de Curitiba, passou pela formação e, além de se responsabilizar pela própria equipe, passou a tutorar um município vizinho: Xambrê.

Tem foco no conhecimento didático
Para que a criança avance, o professor precisa saber o "quê" e o "como" ensinar. Esse conhecimento didático inclui uma série de intervenções de ensino, comprovadas por pesquisas. No Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia de Pesquisa e Ação, de Porto Alegre, os formadores ensinam os educadores a detectar o nível de aprendizado em que cada estudante se encontra e discutem intervenções para lidar com a
diversidade da classe.

Quer saber mais?

BIBLIOGRAFIA
Ensinar - Tarefa para Profissionais, Delia Lerner (org.), 406 págs., Ed. Record, tel. (11) 3286-0802, 46 reais 

Formação Continuada de Professores - Entre o Improviso e a Profissionalização, Carlos Eduardo Moreira, 80 págs., Ed. Insular, tel. (48) 3232-9591, 12 reais 

Questões da Formação Continuada de Professores, Paulo César Géglio, 104 págs., Ed. Alfa-Omega, tel. (11) 3062-6400, 42 reais