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Como o replanejamento pedagógico ajuda a corrigir problemas de aprendizagem

Transparência e objetividade no diagnóstico ajudam a mostrar caminhos que professores e estudantes devem seguir

POR:
Samanta Dias
Mulheres reunidas em torno de uma mesa branca em um escritório de plano aberto, discutindo
Foto: Getty Images

O início do primeiro semestre e a retomada do ano letivo no segundo semestre são momentos importantes para repensar e planejar as ações que estão sendo e ainda serão desenvolvidas pela escola. No caso do início do segundo semestre, a reflexão se torna ainda mais específica, levando em consideração tudo o que já foi realizado nos dois primeiros bimestres. E outra diferença é que, se o começo de cada ano escolar é tempo de adaptação, a entrada no segundo semestre é o período adequado para uma reflexão sobre o que já foi feito e, talvez, correção nos rumos através do replanejamento pedagógico.  

“Eu faço uma analogia com o sinal de trânsito, o primeiro semestre parece que está tudo liberado, é uma etapa de readaptação na escola, dos professores conhecerem os estudantes, mas no meio do ano aquela luz verde já ficou laranja, é hora de parar, refletir e agir”, afirma o professor Hércules Gontijo, do Departamento de Matemática da Universidade de Brasília (UnB) e membro do Programa de Pós-Graduação em Educação da universidade.  

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Fazer uma boa leitura crítica dos dados sobre o aproveitamento escolar dos estudantes é um dos elementos mais importantes que os gestores precisam adotar na hora de fazer essa reflexão. As avaliações externas e internas são as maiores fontes de informação, neste caso, para que gestores e professores planejem estratégias que favoreçam a recuperação e aprendizagem dos estudantes, mas Gontijo dá uma dica para engajar os docentes, mesmo quando o diagnóstico é que correções precisam ser feitas.

Clareza e objetividade (e tecnologia)

Gontijo comenta que muitas vezes os estudantes não conseguem manifestar as dúvidas, indicar aquilo que não conseguiram aprender, e por isso não adianta apenas falar para o professor que a turma teve notas baixas. “Se o professor não conseguiu entender exatamente onde está a dificuldade do aluno, é difícil ele se envolver numa atividade de replanejamento e repensar os recursos didáticos que ele leva para a sala de aula. Quando entendem qual o percurso cognitivo que os estudantes estão fazendo e como não estão alcançando sucesso, então os professores se convencem de que eles realmente precisam mudar a prática”, avalia. 

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A dica para identificar os problemas de forma mais clara e objetiva é reservar algum tempo para acompanhar os estudantes no desenvolvimento de alguma atividade. “Seria um momento em que o coordenador poderia estabelecer um diálogo com o estudante na hora da resolução dos problemas. Poderia perguntar ‘por que você pensou desta forma?’, ‘você acha que existe outro caminho para chegar à solução’?”, sugere o professor da UnB. E esta é uma prática que os próprios professores podem adotar na sala de aula para guiar seu trabalho. 

Com uma ajuda da tecnologia, Raquel Morbarch, supervisora do Centro de Ensino Fundamental 102 Norte (CEF 102 N), uma escola do Distrito Federal com turmas do sexto ao nono ano do Ensino Fundamental, aumentou a clareza e a transparência sobre os dados de desempenho dos estudantes. 

Desde o ano passado, a escola reservou parte do orçamento para comprar um aplicativo que compila os gabaritos das avaliações, que seguem o modelo de múltipla escolha, e gera gráficos a partir desses dados. Os dados podem ser acessados por todos os professores e, inclusive, pelos estudantes. “Coordenação pedagógica coletiva é fundamental, assim como os dados tabelados. Avaliando os gráficos juntos não tem erro, é dado estatístico”, destaca a supervisora.  

“Nós fizemos a reunião de coordenação pedagógica coletiva ainda antes do nosso recesso e percebemos, por exemplo, que na turma do sétimo ano os estudantes não conseguiram diferenciar perímetro de área. O professor de Matemática, já sabendo disso, vai começar o semestre com atividades direcionadas para essa diferenciação”, explica Raquel Morbarch. 

Não perder o PPP de vista

As avaliações internas e externas de desempenho não são os únicos indicadores que os gestores devem observar. A professora Maria José da Silva Fernandes, do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Campus de Bauru, destaca que é preciso não perder de vista o cotidiano da escola. “Mais importante do que esse indicador que resulta de uma avaliação em larga escala, são os indicadores que decorrem do processo de ensino e aprendizagem, que são mais específicos para cada sala e para cada aluno”, destaca. 

A professora da Unesp aponta que o velho hábito de dialogar com a comunidade e perceber os sinais do dia a dia é sim um indicador para levar em conta na hora de replanejar. “Se a gente tomar também como ponto de partida o coordenador, um indicador importante é o empírico, é que a gente observa no cotidiano da escola, que também nos dá muitas pistas se as coisas estão indo bem. Um bom coordenador é sempre aquele que habita a escola, conversa com os professores, com a comunidade de maneira geral e que conhece a sala de aula e como se dá o processo de aprendizagem cotidianamente”, menciona. 

Para Maria José da Silva Fernandes os gestores não devem abrir mão de um dia específico de reflexão com os docentes para marcar a retomada das aulas, e essas reuniões não podem ser burocráticas. “Quando a gente faz isso burocraticamente, não atingimos os resultados, então precisa ser momento de a escola olhar para si e não apenas a partir dos indicadores de desempenho, mas olhando para eles a partir de seu projeto político pedagógico”, sugere.  

O retorno ao Projeto Político Pedagógico (PPP) na hora de replanejar é uma ferramenta para que os gestores não percam de vista de existem objetivos também em médio e longo prazo para serem atingidos e, às vezes, um resultado ruim em alguma etapa já era esperado.  Além disso, essa retomada do PPP evita que a escola passe apenas a treinar os estudantes para irem bem nas provas, já que a ela é um espaço de socialização e para aprender valores importantes para a vida pública. 

A professora Marieta Gouvêa, do Departamento de Educação da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e integrante do grupo de pós-graduação focado em "Exercício docente e organização do trabalho pedagógico na escola”, indica, mais uma vez, a necessidade de um processo de avaliação coletivo e democrático, envolvendo a comunidade. 

“As pesquisas têm indicado que as escolas mais democráticas são mais inclusivas e proporcionam ambientes mais favoráveis à aprendizagem. Para ser mais clara, se a escola no Projeto Político Pedagógico tinha um projeto para melhoria das relações interpessoais na escola, (devemos perguntar se) conseguimos ou não? Mas perguntar isso pensando com toda a comunidade e, muitas vezes, as melhores sugestões não estão apenas na cabeça da equipe de gestão ou dos professores”, afirma Marieta Gouvêa. 

Ela relata, como exemplo, o projeto de extensão do qual participou em uma escola estadual na cidade de Guarulhos, em São Paulo, chamado ‘Democracia na Escola’. Após um processo de consulta via eleição de representantes, inclusive de alunos e pais, e também de assembleias, foi elaborado um contrato pedagógico para a escola. “Foram pensadas ações, por exemplo, para saber como lidar com atrasos e relacionadas a uso de espaços coletivos, com todo mundo opinando. Então é trabalhoso, mas é possível, porque assim os alunos se sentem parte e com voz, e isso tende a favorecer a aprendizagem”, afirma a professora da Unifesp.  

 

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