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Por que os professores faltam tanto?

Número de licenças médicas e afastamentos por motivo de doença ajudam a entender o alto índice de absenteísmo docente na Educação pública

POR:
Giovanna Diniz
Crédito: Getty Images

Antes mesmo do dia começar, o gestor se vê diante de um desafio: encontrar um substituto para o professor que acaba de avisar que não conseguirá vir para a aula hoje. O problema, como mostram os resultados dos questionários da Prova Brasil 2015, afeta 52% dos gestores escolares do Ensino Fundamental. Algumas vezes, as abonadas podem ser planejadas em acordo com a equipe, mas os imprevistos são inevitáveis. Diante desse cenário, nem sempre é possível designar um professor substituto – o que pode refletir no desempenho dos alunos.

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No estado de São Paulo, dados da pesquisa realizada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP), em 2015, mostram que a média de faltas de docentes na Educação Básica chega a 30 dias por ano. O número compreende faltas programadas, licenças médicas e maternidade, além de faltas não justificadas. Segundo o levantamento do TCE, a prevalência é das licenças médicas, que correspondem, em média, a 60% dos dias de ausência. Na capital paulista, o número é preocupante: 6 mil educadores faltam por dia. Esse número representa 10% do total de professores do município. De acordo com a prefeitura, metade dessas faltas são justificadas por licença médica.

A saúde docente não anda bem
O número de afastamento por motivos médicos chama atenção para o problema da saúde dos professores da rede pública. A pesquisa Educatel, realizada em 2015 pelo Ministério da Educação (MEC), em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), revelou que as condições de trabalho em sala de aula contribuem para o adoecimento físico e mental de professores. O esforço de se fazer ouvir e lidar com 30 ou 40 alunos em sala (e, às vezes, até mais) contribuem para que os professores desenvolvam desde distúrbios vocais, até dores e lesões por esforço repetitivo e transtornos mentais.

"Acredito que muitos dos problemas de saúde que apresentamos são causados e intensificados devido ao estresse do dia a dia na sala de aula e das relações com os demais agentes na escola: coordenadores, direção e principalmente os pais de alunos. Somos cada vez mais massacrados em nossa atividade laboral, o que inevitavelmente ocasiona problemas como depressão, pânico, desmotivação para o trabalho..."
Professora do Ensino Fundamental 2, Ensino Médio e Superior*

O estudo ainda apurou que os principais problemas relacionados ao adoecimento físico e mental envolvem ruído intenso no trabalho, violência verbal praticada por estudantes e sobrecarga de trabalho (acima de 40 horas). Além dos problemas mencionados, os professores também relataram sofrer com a falta de apoio dos gestores escolares e a falta de autonomia no ensino.

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O estresse e a fadiga causados pela sobrecarga de trabalho podem causar a chamada síndrome de burnout, caracterizada por sintomas mentais como ansiedade, irritabilidade, depressão e mudança de humor. Sintomas físicos como dores musculares, distúrbios gastrointestinais, insônia e dor de cabeça também podem ser observados.

"Tenho perda auditiva congênita e progressiva. O excesso de barulho na sala de aula me incomoda e piora o meu problema. Além disso, a falta de apoio, a violência verbal e física, os problemas interpessoais e estruturais da escola, o excesso de horas em sala (11h por dia) e as dores por passar muito tempo de pé estão me cansando a ponto de eu ter pânico de ir trabalhar e me fazer pensar em me afastar do magistério."
Professora do Ensino Fundamental 1*

Segundo Priscila Gasparini, psicóloga e doutora em neuropsicanálise, os sintomas são causados por uma jornada de trabalho extensa e estressante. “A saúde mental do professor vai ao limite com o barulho das crianças em sala de aula, a falta de respeito com o professor, a cobrança da escola e as tarefas fora da sala de aula, como a correção de provas e o horário de trabalho pedagógico coletivo”, afirma a psicóloga. As condições do ambiente escolar acabam, assim, se tornando um agravante para o quadro de saúde física e mental dos professores. “Se o indivíduo se cobra muito e é ansioso, ele pode vir a adoecer, pois o tempo é curto para tantas atividades”. O problema merece atenção dos gestores e dos órgãos públicos. Na capital paulista, o número de afastamentos por transtornos mentais levou a concessão de 62 licenças por dia no último ano, totalizando 22 mil casos entre professores e servidores da Secretaria de Educação.

O problema é complexo e pode ser observado desde o começo da carreira docente. Para Ocimar Alavarse, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Avaliação Educacional (Gepave), a questão do absenteísmo também envolve a formação dos professores. Para Ocimar, as escolas precisam estar preparadas para receber e acolher esses professores, além de prepará-los para o cotidiano em sala de aula. “A atividade docente é um processo longo. É preciso melhorar [a preparação dos professores para o ambiente escolar] para que ainda no estágio esse processo seja acompanhado pela escola, dando maior suporte para que o professor enfrente os desafios da profissão”, afirma. Nesse sentido, a formação docente contribui para melhorar as condições de trabalho, além de valorizar a profissão, que hoje é vista como uma atividade desgastante e de baixa remuneração.

"Tenho artrose no quadril e nas mãos e não consigo tratamento pelo hospital do servidor. Sofro muito com dores e tenho que me afastar sempre. Acabo ficando constrangida."
Professora do Ensino Fundamental 2 e Ensino Médio*

O desgaste da saúde mental e física dos professores também é causado por motivos subjetivos como o reconhecimento social do profissional. De acordo com Ocimar, esse desgaste pode ser observado em professores dos anos finais do Fundamental e do Ensino Médio que, além de acumularem jornadas extensivas, lecionarem em mais de uma escola e acumularem diferentes turmas, também encontram condições distintas daquelas que foram preparados ao longo de sua formação inicial. A solução portanto, envolve entender essas lacunas de formação e manter um acompanhamento docente, monitorando também o clima escolar e construindo ações que possam fazer da escola um ambiente mais acolhedor. Com isso, a expectativa é que a saúde mental da comunidade escolar melhore, mas Ocimar lembra que é um direito do professor pedir faltas. “Apesar disso, a escola deve construir um projeto que possa ser abraçado pelos professores, fazer gestão de pessoal, organizando as faltas e acolhendo seus funcionários”, aponta ele.

*Os relatos docentes publicados nesta reportagem foram retirados, com autorização dos participantes, da pesquisa "A saúde do educador brasileiro" realizada pela Associação Nova Escola com mais de cinco mil educadores, entre os meses de junho e julho de 2018. Confira mais informações sobre a pesquisa clicando aqui.