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Aposentados, mas na ativa: o que eles podem ensinar à escola

Complementação de renda e paixão pela sala de aula fazem com que educadores aposentados retornem à sala de aula. Entenda como os gestores enxergam esses profissionais e o que eles agregam à comunidade escolar

POR:
Camila Cecílio
Crédito: Getty Images

Duas vezes por semana a professora aposentada Patrocínia Floresbela Antunes Leal, 58, percorre 100 quilômetros de ônibus para dar aulas na EE Zinha Meira, em Bocaiúva, no interior de Minas Gerais. Há oito anos a educadora, que vive no povoado de Cordeiros, se aposentou, depois de mais de três décadas de trabalho. A paixão pela sala de aula sempre existiu, mas a necessidade de complementar a renda foi o que motivou a professora a seguir a carreira.  

Naquela época, Patrocínia era servidora pública pelo município e atuava na Educação Infantil. Hoje, concursada pelo estado, ela dá aulas de Ensino Religioso para alunos dos anos finais do Ensino Fundamental. “A gente nunca esquece o momento em que descobre que pode se aposentar”, lembra ela.  Era novembro de 2011. Ela estava na sala de aula de uma escola na zona rural, quando recebeu o recado que poderia pedir sua aposentadoria. “Senti muita alegria, trabalhei muito e sentia vontade de descansar um pouco”. Até então, ela fazia jornada dupla na rede pública mineira.

Experiência que inspira a equipe
Além de Patrocínia, outras duas professoras aposentadas trabalham na escola. Para a diretora Janiny Jorge Domingues Oliveira, que atua na Educação há 25 anos, ter profissionais com esse perfil na equipe é enriquecedor. “O mais interessante é quando esses conhecimentos e experiências do ‘antigo’ com o ‘novo’ se misturam, pois há um aprendizado para toda a equipe”, comenta a educadora, que também é supervisora de formação. E, diferente do que muitos podem pensar à primeira vista, esses funcionários seguem buscando aperfeiçoamento dentro da sala de aula. “Em nossa escola, as professoras aposentadas estão sempre se atualizando. São inovadoras e engajadas, não são resistentes às mudanças”.

O diretor Rodrigo de Mendonça Emidio, da EPG Manuel Bandeira, de Guarulhos (SP), tem uma visão semelhante à da colega. Com uma professora aposentada e ativa na equipe, ele afirma que o que mais chama a atenção é a bagagem da educadora. “Ela dá uma verdadeira aula sobre como trabalhar com Educação Infantil e, quando temos que planejar atividades para essas crianças, a palavra dela tem um peso forte. Ela se tornou uma referência para todos”, diz o diretor, se referindo à professora Lourdes Maria de Almeida.

Motivação para continuar na sala de aula
Aos 57 anos de idade, Lourdes segue dando aulas desde o primeiro dia de profissão – que foi há 32 anos. Em 2016, ela se aposentou, mas não chegou a se ausentar dos alunos. Para continuar atuando, no entanto, ela teria que deixar a EPG Manoel Bandeira, onde trabalhou por 21 anos. Apenas neste ano a professora conseguiu voltar “para casa” e não tem planos de se despedir outra vez. “Continuei porque realmente amo o que faço e ainda não consigo me ver parada”, reforça.

Hoje, assim como Patrocínia, Lourdes tem apenas uma jornada. No entanto, ambas afirmam que, para ter uma remuneração razoavelmente boa é necessário se desdobrar entre dois períodos. E, mesmo com a aposentadoria, às vezes, ainda é preciso continuar a trabalhar para complementar a renda, como é o caso de Patrocínia. “A gente continua a trabalhar porque um cargo só é muito pouco. A maioria dos professores aqui tem dois cargos. É pela complementação de renda, mas também é pela vontade de continuar na ativa”, conta.

O estudo Professores aposentados: Quais os motivos para seu retorno à docência” mostra que a maioria dos professores continua dando aulas, principalmente, por duas razões: a questão financeira e a vinculação à escola, em especial à escola pública. Questionados sobre os motivos para retornar o trabalho em sala de aula, boa parte dos entrevistados respondeu que era em decorrência do “salário baixo dos professores aposentados, gastos com remédio e filhos na faculdade, questões financeiras” e “amor pelas crianças, para manter contato com o aluno e com o meio escolar, gosta de ensinar”.

Mas seguir dando aulas após a aposentadoria é também desafiador. Lourdes, por exemplo, conta que quando decidiu continuar trabalhando se sentiu um pouco mal. “Eu ouvia comentários do tipo ‘vai viajar, dá lugar para outro trabalhar’, mas as coisas não funcionam assim”, compartilha a docente. “Muita gente pensa que porque um professor se aposentou não é mais ativo. Não é porque aposentei que vou relaxar no meu trabalho, é um direito da gente”, defende. Hoje a relação com os colegas da atual escola é tranquila e ela só enxerga a oportunidade de continuar aprendendo com os outros.

Para Patrocínia, que tem um filho que também é professor, a troca de experiência com os mais novos é o que torna a convivência melhor. “A gente aprende muito convivendo com eles. A tecnologia, por exemplo, para eles é bem mais fácil. Às vezes, a gente tem certas dificuldades que para eles é tranquila. Do nosso lado, nós temos mais é história e experiência mesmo para compartilhar. É fato que tenho aprendido mais”, conta.

E os desafios de gerir esses profissionais?
Eliana Silva, coordenadora pedagógica da EPG Antônio Aparecido Magalhães, em Guarulhos, tem hoje em sua equipe escolar oito professores aposentados que continuam na ativa trabalhando com crianças de zero a cinco anos. Ela pontua que, às vezes, enfrenta alguns desafios, como a dificuldade de alguns educadores em aceitar opiniões diferentes e o comodismo. “São pontos negativos, mas acredito que os positivos se sobressaem, como a trajetória de experiência, a bagagem e o repertório desse professor, apenas para começar”, aponta.

A educadora faz um paralelo entre a Educação dos anos 90 e a de agora e afirma que as crianças de hoje têm necessidades diferentes das daquela época e que, por isso, é importante a atualização constante do professor que deseja continuar em sala de aula. “Como coordenadora, eu entro muito nisso, de valorizar o que eles têm, mas sempre fazendo um contraponto. Para mim, isso é o mais desafiador, fazê-los perceber que as crianças evoluíram e o professor também precisa evoluir”, ressalta.

O caminho é não parar no tempo
Embora só tenha uma professora com esse perfil em sua escola, o diretor da EPG Manuel Bandeira admira a trajetória da professora Lourdes justamente pelo interesse dela em continuar se capacitando. Ele não vê dificuldades ou fatores negativos. “Ela é uma professora que vai, com o tempo, evoluindo sempre. Estuda, se informa, se atualiza, nunca parou no tempo e, dentro das atividades que realizados, ela sempre contribui com sua visão sempre pertinente, aberta ao diálogo e às novidades. Isso facilita muito”, explica Rodrigo.

A diretora da EE Zinha Meira, Janiny Jorge Domingues Oliveira, também não vê obstáculos em sua equipe. A gestora enaltece o comprometimento das professoras aposentadas de sua escola em buscar o que é novo. “Não vejo diferença entre os mais novos e os mais velhos enquanto profissionais. Eles procuram se adaptar à filosofia da escola, não são resistentes ao que propomos e são exemplares”, reforça.

Rodrigo destaca ainda que, de modo geral, os educadores já aposentados têm trajetória reconhecida pela comunidade local e isso impõe mais confiança à escola. “A escola tem muitos anos no bairro. As pessoas conhecem nossos professores, ainda mais se for antigo”, diz o diretor. “A comunidade confia e vê neles uma referência que nos dá ainda mais credibilidade, então só ganhamos com a presença desses experientes profissionais”.

Já a coordenadora Eliana Silva, que é responsável pela formação continuada na escola, faz um balanço entre o professor mais experiente, com bagagem mais rica, e o professor recém ingresso, que cursou Pedagogia, e tenta identificar o que pode ser potencializado para que haja um intercâmbio, uma integração entre eles. “Se juntarmos o professor mais antenado, mais conectado às redes sociais, a professora que tem a didática mais antiga, e mais um ‘toquezinho’, pode fazer toda a diferença para essa troca. É um intercâmbio que valoriza o saber de cada um e potencializa o que cada um tem de melhor”, completa.