Jovens na EJA: como mudar uma história de abandono e exclusão?
A EJA não pode repetir o trabalho do ensino regular. Se este jovem “fracassou”, insistir no mesmo caminho é reincidir no erro
POR: Ewerton de SouzaNos últimos anos, temos testemunhado um crescimento importante do número de jovens na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Esse aumento indica que algo não está bem no ensino regular. Muitas vezes, esse público vem para a EJA a fim de corrigir a distorção idade-série na qual se encontra após um percurso de inúmeras retenções causadas por desempenho insatisfatório, frequência irregular e evasões.
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Entre as razões do fracasso escolar de muitas crianças e jovens está um modelo de escola que não funciona mais no século XXI e uma série de vulnerabilidades às quais não temos conseguido dar uma resposta satisfatória. Desigualdade, pobreza, situações de violência, falta de acesso a bens culturais e desvalorização da Educação, por exemplo, condicionam o processo de aprendizagem de tal forma que se tornam barreiras intransponíveis para muitos educandos.
Nesse contexto, é necessário resgatar em nossa Constituição os responsáveis pela Educação de nossos estudantes. Estado, família e sociedade devem atuar conjuntamente nesse processo caso se queira que crianças e jovens não somente tenham acesso à escola, mas nela permaneçam e concluam após uma trajetória de sucesso escolar.
Papel da escola x família
No entanto, é muito comum vermos nas redes sociais, inclusive por parte de educadores, que cabe à escola ensinar, ficando à família o dever de educar. Mas será que isso realmente procede? A escola pode estar alheia à realidade familiar e social do educando? É possível separar o estudante na escola da criança ou jovem constituído fora dela?
De fato, ao longo das últimas décadas, o papel exercido pela escola tornou-se mais complexo assumindo fins que estão além de uma mera formação acadêmica e que se estabelecem na formação para o mundo do trabalho e para a cidadania. Muito além dos conteúdos escolares tradicionais, a escola assumiu a função de desenvolver habilidades, valores e atitudes caros a uma sociedade democrática. E a escola assumiu essa função frente às inúmeras vulnerabilidades de milhões de jovens carentes de políticas sociais eficazes.
Dessa forma, quando as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais enfatizam que cabe à escola educar e cuidar em todas as etapas e modalidades da Educação Básica, elas atribuem à Educação formal um papel muito mais complexo do que a simples transmissão de conteúdos. Educadores em geral devem ser sensíveis ao educando real que se apresenta na escola, conhecendo sua história, suas necessidades, suas preferências, suas expectativas.
Os jovens da EJA
No caso do jovem que está na EJA, é fundamental conhecer sua trajetória. O que o levou a estar ali? Qual é a sua história enquanto estudante? Que violências e privações sofreu? Quais são suas referências familiares? Ele tem sonhos?
No tocante a esses jovens, gostaria sinceramente de relatar mais sucessos do que tenho conseguido ao longo do meu trabalho com a modalidade de Educação de Jovens e Adultos. Muitas vezes, fico feliz em possibilitar que eles não caiam nas drogas, no crime, ou pior, sejam extirpados deste mundo como seres indesejáveis.
Entretanto, uma proposta que vise querer que esses jovens “sejam mais” (para usar um conceito freireano), a escola deve conhecê-los para lhes ajudar a construir projetos de vida. A maior violência que se pode cometer com uma criança ou jovem é lhe roubar a capacidade de sonhar. Assim, qualquer trabalho com esse tipo de educando passará necessariamente pelo resgate desta possibilidade.
Aqui, o desafio impõe ao trabalho dos educadores um processo sincero de escuta. Como coordenador, ouvi tantas vezes professores dizerem que o lugar desses jovens não é na EJA, que a Educação de Jovens e Adultos é para trabalhadores exclusivamente. Essa é a primeira concepção que precisa ser desconstruída no coletivo docente. Primeiro porque a própria modalidade declara os sujeitos que têm direito a ela. Segundo porque se um jovem se encontra numa distorção de idade-série considerável, a EJA será muito mais adequada a ele do que estar entre crianças que não apresentam os mesmos interesses, expectativas e maturidade que ele pode vir a ter. Já imaginou um adolescente de 15 anos entre outros de 11 anos?
Mas somente a escuta ativa desses educandos não é suficiente. É necessário, a partir dessa escuta e da identificação das vulnerabilidades de sua condição social, construir uma rede de proteção e de apoio a este jovem. Essa rede começa com uma boa acolhida, da qual a escuta é somente um dos aspectos. Demonstrar a esse jovem que a escola – na pessoa dos educadores, gestores, funcionários e outros colegas – importa-se com ele é um gesto altamente significativo. Daí podem surgir laços afetivos que auxiliarão na predisposição desse jovem à aprendizagem.
Mas essa rede não se restringe exclusivamente ao limite da escola. Cabe à equipe gestora articular-se, além dos muros da escola, com todos os serviços de proteção social à criança e ao adolescente. Os gestores devem estar sensíveis às possibilidades de diálogo com serviços sociais, de saúde e culturais que o território possa vir a oferecer. Mobilizar esses agentes para socorrer os jovens em suas vulnerabilidades é um dos caminhos para o sucesso no trabalho com eles.
Outro ponto essencial é o de que a EJA não pode repetir o trabalho do ensino regular . Se este jovem “fracassou” diante das cobranças, da metodologia e da organização de uma escola tradicional, insistir neste caminho é reincidir na culpabilização do estudante como produtor de seu próprio fracasso. Cabe à EJA propor novos caminhos pedagógicos que mudem o paradigma ao qual este jovem estava sujeito e evitem que a história se repita.
É nestas três dimensões – acolhida, parceiros e práticas pedagógicas inovadoras – que a EJA pode se reinventar e se tornar mais eficaz no atendimento ao público de educandos jovens. Sabemos todos que mudar essa realidade não depende somente dos esforços da escola – seus gestores e educadores –; contudo, que tipo de educador seria eu se não atuasse no limite de minhas possibilidades, sem deixar de lutar, claro, por aquilo que, a princípio, não posso mudar?
Um abraço,
Ewerton
Ewerton Fernandes de Souza é coordenador geral no CIEJA Clóvis Caitano Miquelazzo, escola da prefeitura de São Paulo que lida exclusivamente com Educação de Jovens e Adultos, especialmente na faixa etária dos 15 aos 18 anos. Foi um dos 50 finalistas do Prêmio Educador Nota 10 de 2017
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